Dragão do Mar, Senador Pompeu, Virgílio Távora, Barão de Studart. Antes de serem nomes de ruas e avenidas de Fortaleza, eles batizaram figuras importantes para a História do Ceará. Hoje, os restos mortais deles – e de vários outros vultos históricos cearenses – descansam no Cemitério São João Batista, o mais antigo da cidade.
Em 2022, o equipamento completa 160 anos desde a inauguração oficial. A data, porém, diverge a depender da fonte – e essa é uma das curiosidades que o Diário do Nordeste reuniu sobre o cemitério, que apesar do alto valor histórico, ainda não é tombado como patrimônio cultural do Ceará.
Até o surgimento de outros cemitérios em Fortaleza, já no século XX, o São João Batista era o destino de todas as pessoas, desde escravos a barões.
1- Datas de fundação e inauguração são diferentes
De acordo com registros históricos, o cemitério foi construído em 1862, para “desafogar” a demanda da cidade. Algumas fontes apontam que a inauguração oficial se deu em 1866. Já a Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, responsável pela gestão do cemitério, informa que a fundação se deu em 1872, há 160 anos.
2- Não foi o 1º cemitério de Fortaleza
O Cemitério São João Batista é o mais antigo de Fortaleza, mas não foi o primeiro da cidade. Antes dele, o Cemitério São Casimiro, localizado onde hoje fica a Praça da Estação, no Centro, era o ponto de descanso dos cearenses. Após a abertura do São João Batista, os restos mortais de quem estava no São Casimiro foram transferidos.
“Em 16 de março de 1848, o presidente (governador) Casimiro José de Morais Sarmento ordenou que a partir de 1º de maio daquele ano, todas as pessoas que falecessem na Capital e arredores só poderiam ser enterradas no cemitério”, recobra o historiador e pesquisador Licínio Nunes.
3- Tinha ala reservada para religiosos
Antes da criação dos cemitérios, os fortalezenses batizados eram sepultados dentro das igrejas, como relembra o pesquisador Licínio Nunes.
Eram retirados os tablados de madeiras ou as pedras dos pisos e postos os restos mortais ali, em catacumbas. Em raríssimos casos alguém recebia um túmulo ou se colocava uma placa indicando o indivíduo e local exato do corpo.
Quando o Cemitério São João Batista se consolidou como “destino final” das famílias nobres de Fortaleza, foi reservada uma ala para receber os religiosos, sobretudo católicos e protestantes. Registros históricos apontam, ainda, que há judeus no local.
4- Nomes importantes do Ceará estão enterrados lá
Pelo menos 20 famílias importantes do Ceará têm jazigos no São João Batista, como já mostrava reportagem do Diário do Nordeste de 1995. Entre elas, do Senador Virgílio Távora, Barão de Studart, Boticário Ferreira, Barão de Aratanha, Juvenal de Carvalho, Cego Aderaldo, Rodolfo Teófilo, Liberato Barroso e Quintino Cunha.
Uma curiosidade até filosófica sobre o lugar, no entanto, se resume a dois nomes: Caio Prado e Tomás Pompeu. Em vida, eles eram inimigos políticos. Mas na morte, os túmulos ficaram lado a lado, como recobra matéria do Diário do Nordeste de novembro de 2000.
Figura ligada à educação, Antônio Martins Filho, fundador da Universidade Federal do Ceará (UFC), também foi sepultado lá, em dezembro de 2002.
Outros nomes são:
- Ana Triste de Araripe (1789–1874), viúva de Tristão Gonçalves de Araripe (tio do escritor José de Alencar), que lutou na Guerra de Independência do Brasil no Maranhão (1823), e foi líder da Confederação do Equador (1824);
- José Francisco da Silva Albano (1830–1901), o Barão de Aratanha, que foi rico comerciante, abolicionista e chefe do breve Partido Católico, no começo da República;
- Francisco José do Nascimento (1839–1914), o “Dragão do Mar”, um dos principais líderes dos jangadeiros e portuários durante a campanha abolicionista contra a escravidão;
- Antônio Caio da Silva Prado (1853–1889), presidente (governador) do Ceará que faleceu prematuramente de febre amarela. O túmulo dele, com uma torre partida ao meio (representando uma vida ceifada pela metade), é provavelmente o mais conhecido do cemitério;
- Tomás Pompeu de Sousa Brasil (1818–1877), senador pelo Império e chefe do partido Liberal no Ceará. Homenageado na avenida Senador Pompeu;
- Severiano Ribeiro da Cunha (1831–1876), o visconde de Cauípe, a quem o Barão de Studart chamou de “o maior filantropo que o Ceará produziu”. Foi político, tenente-coronel da Guarda Nacional, vice-provedor da Santa Casa de Misericórdia. Ergueu o Hospital São Vicente, em Parangaba, com recursos próprios;
- Raimundo Teodorico da Costa (1842–1912), único túmulo conhecido de um escravo cearense. Ele foi funcionário público depois de liberto, tesoureiro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.
5- Preserva várias obras de arte
Caminhar pelas alamedas do Cemitério São Batista pode ser uma experiência cultural, a depender da relação que se tenha com a morte. O espaço, uma mistura das diversas décadas, traz em obras de arte o reflexo dos tempos.
Anjos lapidados em mármore português, importado de navio direto da Europa; estruturas erguidas em estilos neoclássico, gótico e eclético; esculturas e ornamentos em gesso, cobre e pedras preservam não só a memória dos que jazem lá, mas da própria cultura da cidade.
Relatos seculares dão conta de que as famílias mais ricas e tradicionais contratavam artistas de outros países para transformarem túmulos e jazigos simples em estruturas pomposas.
6- Aguarda tombamento há 11 anos
O Cemitério São João Batista, símbolo objetivo e subjetivo da memória de uma cidade inteira, está sob tombamento provisório, e aguarda proteção patrimonial definitiva desde 2011, conforme registro da Prefeitura de Fortaleza.
Em nota, a Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) informa que o processo de tombamento foi interrompido com a pandemia de Covid, já que “exigem frequentes visitas aos locais”.
O trabalho será retomado após a entrega do processo de tombamento das Caixas d'água do Benfica e do Colégio Liceu do Ceará, conforme a Secultfor.
Os estudos técnicos para a instrução de tombamento do Cemitério São João Batista, acrescenta a Pasta, “são complexos e abrangem um extenso território, incluindo aproximadamente 15 mil jazigos”.
Cemitério deveria ser ponto turístico, diz pesquisador
O historiador Licínio Nunes afirma ter “dúvidas se o tombamento do cemitério seria a melhor maneira de preservá-lo, pois os túmulos são privados e o problema real é a falta de recursos financeiros para mantê-lo”.
Ele destaca que o São João Batista tem 12.500 jazigos “perpétuos”, cujas mensalidades deveriam manter o funcionamento do local, mas a inadimplência predomina. Além desses espaços, há cerca de 2 mil gavetas utilizadas para sepultamentos.
O correto seria gastar com o ajardinamento do solo do cemitério, que atualmente é de areia fofa, para facilitar a movimentação e incentivar o turismo local.
Além disso, Licínio sugere que seja criado “um mapeamento dos principais túmulos, com visitas guiadas e brochuras explicativas com pequenas biografias dos mortos ilustres”, bem como “facilitar o estacionamento no local” e ampliar a segurança.
“Se a Europa possui inúmeros cemitérios que servem de pontos turísticos, em que há preço de admissão que servem para arcar os custos de sua manutenção, o mesmo poderia ser feito com o cemitério São João Batista. Basta ter planejamento e vontade”, finaliza.