Um dos efeitos perversos da pandemia foi o aumento da presença de pessoas vivendo nas ruas do Ceará, sem moradia nem direitos básicos. Só em Fortaleza, são mais de 2,6 mil. Para acompanhar políticas de assistência a elas, o Ceará criou, nessa quinta (2), um órgão específico.
O Conselho Estadual dos Direitos da População em Situação de Rua e em Superação da Situação de Rua foi criado por meio da lei nº 18.091, publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) de quinta-feira.
Entre os deveres do conselho, composto por 15 órgãos públicos e 15 da sociedade civil, está “fiscalizar ações, programas, serviços, projetos e planos relacionados às políticas públicas para a população em situação de rua e em superação da situação de rua”.
Na prática, o órgão deliberativo deve não apenas propor ações, mas fiscalizar e cobrar que a política estadual voltada a essa população no Ceará saia do papel de forma eficaz e permanente – o que, ainda hoje, não acontece, como ilustra Messias Douglas, mestre em Antropologia.
“É preciso sair da ‘meia política’, unir ações emergenciais, que são necessárias, com medidas que garantam a saída efetiva das pessoas das ruas. Enquanto a política pública seguir como está, estaremos apenas administrando a pobreza, ocasionalmente criando uma bola de neve”, avalia.
Uma parte fundamental para o avanço da política pública para essas pessoas no Ceará é reconhecê-las como em situação de rua e superação dela. A partir daí, pode-se pensar em uma política como um todo.
O texto da lei traz a definição de quem é a população em situação de rua e quem são as pessoas que são superando essa realidade:
- População em situação de rua: possui, em comum, a pobreza extrema, os vínculos familiares e sociais fragilizados ou rompidos, a inexistência de moradia convencional regular e uso dos logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento de forma temporária ou permanente;
- População em superação de situação de rua: foi alcançada por políticas públicas de alguma das esferas do Poder Executivo no Brasil, ou busca sua autonomia sem acessar tais políticas públicas, e está em moradia de caráter provisório, mas depende do universo das ruas para sua sobrevivência.
“Eles têm história, saberes, sentem dor e esperança”
Para Maria das Graças Sampaio, membro da Pastoral do Povo da Rua da Arqudiocese de Fortaleza, entidade que integra o conselho, a criação do órgão traz “uma mudança profunda e fundamental”, uma vez que reduz a grave invisibilidade das pessoas em situação de rua.
“Quem está nessa condição quase sempre é invisibilizado pelo poder público e pela nossa sociedade, pois é gente que ninguém olha e muito menos considera como gente que tem história, que tem saberes, sente dor e, às vezes, tem esperança”, pontua.
Maria das Graças reforça que é necessária a realização de um censo estadual, que embase a elaboração de políticas pelo governo e pelo próprio conselho, uma vez que “aumentaram a fome e o número de pessoas nessa condição”.
Começamos com a situação alimentar. Essa população precisa de alimentação, moradia, emprego e trabalho digno, educação, saúde e atendimento digno nos equipamentos públicos dos municípios.
Para o antropólogo Messias Douglas, promover esses direitos exige união do setor privado às discussões, “para criação de políticas de inclusão da população de rua no mercado de trabalho”, bem como para “requalificação de prédios ociosos nas áreas urbanas”.
Além disso, a promoção das saúdes física e mental deve estar entre as principais pautas do novo conselho, como destaca o antropólogo, que defende a aplicação no Ceará de um modelo europeu intitulado de “housing first” (moradia primeiro).
“O que se precisa mesmo é de mais ações mais enérgicas, talvez um programa piloto de ‘housing first”. A casa chega primeiro, depois vêm as outras políticas. Lá, isso tem uma efetividade de 90% nos assistidos”, pontua.
Atender a demandas
O conselho é vinculado à Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS). A titular da Pasta, Onélia Santana, reconhece que a população de rua “é um segmento complexo” e destaca a importância do novo órgão nesse âmbito.
“A criação do Conselho é mais uma ação no sentido de ampliarmos os canais de escuta e diálogo, para tratarmos e atendermos, juntos, as demandas e necessidades desse segmento”, disse, em publicação oficial da SPS.
Deveres do Conselho Estadual dos Direitos da População em Situação de Rua e em Superação da Situação de Rua
- Fiscalizar ações, programas, serviços, projetos e planos relacionados às políticas públicas para a população em situação de rua e em superação;
- Realizar planejamentos periódicos, com o detalhamento das estratégias de implementação da Política Estadual para esse público;
- Acompanhar a tramitação de projetos de lei e outras normas relacionadas à população de rua;
- Propor medidas que assegurem a articulação intersetorial das políticas públicas em nível estadual;
- Apoiar a realização de pesquisas que visem compreender a realidade dessa população e a violação dos seus direitos, a fim de dar visibilidade à vulnerabilidade social e ao abandono social histórico no Brasil;
- Organizar, periodicamente, congressos e seminários para avaliar e formular ações;
- Realizar eventos que possibilitem a sensibilização da sociedade civil e a capacitação de agentes públicos civis e militares;
- Apoiar a criação de conselhos, comitês ou comissões semelhantes na esfera municipal para monitoramento e avaliação das ações específicas;
- Fiscalizar convênios com entidades públicas e parcerias com Organizações da Sociedade Civil que tenham como objeto o desenvolvimento e a execução de projetos voltados à população de rua.