O alto-mar cearense abriga a cachalote (Physeter macrocephalus), maior baleia com dentes do mundo, que apesar do tamanho gigantesco está vulnerável à extinção devido à pesca excessiva no último século. Junto ao animal, tartarugas e mamíferos marinhos correm risco de sumir das águas salgadas no Ceará.
Os detalhes são das listas vermelhas de tartarugas e mamíferos marinhos elaboradas pelo Programa Cientista-Chefe da Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema), com divulgação feita na última semana. Confira as relações completas abaixo.
A baleia cachalote foi classificada como “vulnerável” em relação à extinção no Ceará. Isso é resultado da matança desse tipo de animal para consumo de carne e produção de cosméticos, entre outros fatores, no mundo.
Dentro da cabeça, a baleia guarda um óleo de alto valor. Para ter uma dimensão, a substância era usada até para acender lamparinas, como contextualiza Vitor Luz Carvalho, Gerente do Programa de Mamíferos Marinhos da Aquasis.
“Além do consumo de carne, a gordura era utilizada para iluminação pública e para construção civil. A cachalote também possui uma gordura especial na cabeça, chamada de espermacete, que era usado na indústria de cosméticos”, completa
Os machos dessa espécie podem chegar a 18 metros e pesar 57 toneladas. Em geral, variam entre preto e cinza, conforme informações do Ministério do Meio Ambiente. Ainda mais rara, a cachalote branca foi retratada na obra “Moby Dick” de Herman Melville.
No Ceará, como acrescenta Vítor, não houve a instalação de estação baleeira no Ceará, mas provavelmente a caça desses animais era levada para processamento na Paraíba.
“A caça às baleias, de forma geral, se intensificou muito em meados do século passado com uso de explosivos e navios arpoadores. Antigamente era mais artesanal, mas não temos esse histórico aqui detalhado para o Ceará”
Lista vermelha de mamíferos marinhos
- Cachalote (Physeter macrocephalus): Vulnerável
- Peixe-boi-marinho (Trichechus manatus): Criticamente em Perigo
- Boto-cinza (Sotalia guianensis): Em Perigo
Os resultados das listas vermelhas mostram como o ambiente marinho precisa de uma atenção especial, como avalia Luis Ernesto Bezerra, Cientista-Chefe de Meio Ambiente e professor no Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Muitas das ameaças a essas espécies vêm dos impactos que são causados no ambiente marinho, por exemplo, a questão do lixo. Também tem a pesca e a ‘pesca fantasma’, quando os animais ficam presos em redes e outros petrechos abandonados”, completa.
Com isso, alguns animais são tão prejudicados a ponto do seu avistamento se tornar raro. No caso da cachalote não é possível precisar os municípios por onde passa. “É um animal muito difícil de ver aqui na orla cearense, ela ocorre em alto mar", detalha o biólogo Hugo Fernandes.
Baleias cachalote vistas no Ceará
Mesmo sendo rara, baleias cachalote já chamaram atenção em várias praias do Ceará. Alguns animais mortos, inclusive, foram preparados para exposições no Estado e em outros lugares do País.
Em 2014, um macho adulto da espécie encalhou e morreu na praia de Curimãs, na cidade de Barroquinha, na região Norte. O animal tinha um tamanho de destaque: cerca de 16 metros de comprimento e 40 toneladas.
Uma retroescavadeira foi utilizada para retirar a baleia, mas ainda assim não foi suficiente. Um grupo formado por biólogos, marinheiros e até empresários da região foi organizado para remover o bicho.
Em 2019, foi a vez de uma fêmea da espécie ser desenterrada na Praia da Baleia, em Itapipoca - lugar que, inclusive, recebeu esse nome devido ao encalhe de baleia, como contam moradores. O animal tinha 10 metros de comprimento e cerca de 10 toneladas.
A operação aconteceu para levar a ossada do animal para o Centro de Formação Cultural da Colônia de Pescadores da Praia da Baleia como parte do acervo do Museu da Baleia (MUBA). O bicho encalhou em 2011, mas na época foi enterrado por pesquisadores.
E essa não foi a última remoção de uma cachalote para exposição. Em 2020, um animal de 9 metros, enterrado na Praia do Barro Preto, em Aquiraz, mobilizou esforços para ser levado para o Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
Isso foi feito para substituir o esqueleto de uma jubarte que foi perdido durante o incêndio que afetou o Museu Nacional em 2018. O projeto previa a limpeza, o branqueamento, o envio e a montagem do esqueleto. A ideia era promover a divulgação da biodiversidade.
Outros mamíferos marinhos
Além da baleia cachalote, peixe-boi-marinho (Trichechus manatus) e o boto-cinza (Sotalia fluviatilis) foram considerados “criticamente em perigo” e “em perigo”, em relação à extinção, respectivamente.
“O boto-cinza consta é um animal que pode ser observado, inclusive, na orla de Fortaleza, no Porto do Mucuripe, e no Porto do Pecém", contextualiza Hugo Fernandes. E o alerta vermelho está aceso para outro animal.
"O nosso peixe-boi-marinho, que possui uma distribuição concentrada em Icapuí, já na divisa com o Piauí. Essa é a espécie mais preocupante, posta como criticamente em perigo e tem sido protegida pela Aquasis", acrescenta.
E o que fazer para evitar reverter a situação de ameaça? Isso deve acontecer com muitas ações em várias frentes, como responde Vitor Luz.
“Uma etapa importante será a elaboração dos planos de ação estaduais que vão definir essas diretrizes. No entanto, internamente a Aquasis possui planejamentos específicos para o peixe-boi e boto-cinza”, detalha.
A Aquasis atua há muitos anos resgatando, reabilitando e soltando esses animais, porque cada indivíduo tem um papel importante para a recuperação da população no nosso Estado que está muito reduzida
No caso do peixe-boi, um programa de reabilitação e soltura é “prioritário pois proporciona repovoamento e reocupação de áreas”, como propõe Vitor. Mas, de modo geral, a criação de unidades de conservação são efetivas para mudar a situação das espécies.
Além disso, a preservação de estuários e manguezais e a melhorias nos processos de fiscalização são ações importantes para a preservação.
“Campanhas e ações socioambientais, com envolvimento das comunidades, regulamentações das atividades de pesca, são ações importantes, de impacto a médio e longo prazo”, completa Vitor.
Tartarugas ameaçadas
As novas listas vermelhas também apontam que das 5 espécies existentes de tartarugas marinhas do Ceará, 4 estão em algum nível de ameaça de extinção.
"Nós tivemos uma participação do Instituto Verdeluz e Tamar, onde nós determinamos que a tartaruga de couro está criticamente ameaçada. Tem poucos indivíduos na natureza em escala global e aqui no Ceará não é diferente", explica Hugo Fernandes.
Lista vermelha de tartarugas marinhas
- Tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea): Criticamente em Perigo
- Tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata): Em Perigo
- Tartaruga-oliva (Lepidochelys olivacea): Vulnerável
- Tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta): Vulnerável
A tartaruga-de-pente, inclusive, é a única espécie que desova em praias cearenses, como frisa Hugo sobre a gravidade do problema.
“Todas as outras ocorrem no Estado, mas não desovam. A área de desova no Ceará é concentrada na Região Metropolitana e na Sabiaguaba, onde o Verdeluz tem atuado no monitoramento e na proteção desses ninhos", conclui.