Diário do Nordeste

Após audiências públicas, qual o próximo passo no processo do pedido de autorização da mina de urânio em Santa Quitéria?

Ibama faz análise do estudo de impacto ambiental, vistorias de campos e consultas aos órgãos públicos

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Redação producaodiario@svm.com.br
(Atualizado às 13:43)
Placa sobre mineração em Santa Quitéria

Entre apresentações institucionais, críticas científicas e vaias da população, foi realizada a segunda audiência pública prevista para discussão do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do empreendimento denominado Projeto Santa Quitéria (PSQ), nesta quinta-feira (13). O projeto em análise para exploração de urânio e fosfato foi apresentado em 2020.

A audiência pública foi realizada no distrito de Lagoa do Mato, em Itatira, no Sertão Central. Na última terça-feira (11), outra audiência pública foi realizada no distrito de Riacho das Pedras, em Santa Quitéria. Esses dois momentos foram os únicos divulgados pelo Consórcio Santa Quitéria – iniciativa interessada na mineração.

Nas audiências, são avaliados critérios para verificar a possibilidade de licenciamento da iniciativa que busca explorar uma jazida de urânio e fosfato entre as cidades cearenses de Santa Quitéria e Itatira.

Os eventos acontecem para levar informações, tirar dúvidas e receber sugestões da população em relação ao empreendimento, sendo um processo previsto na Resolução Conama Nº 1/1990. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) é responsável por presidir a audiência pública e conduzir o debate.

Mas, afinal, em qual etapa está o processo de licenciamento do Projeto Santa Quitéria no momento? É feita a análise de requerimento de licença prévia. Isso deve ser concluído ainda neste primeiro semestre, exigindo a seguintes atividades:

  • Análise do Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima)
  • Vistorias de campo
  • Escuta às populações (na audiência pública)
  • Consulta aos órgãos públicos (Funai; Iphan; Incra)

Os processos podem acontecer de forma independente e o Ibama informou à reportagem que o prazo para a conclusão do parecer técnico referente à análise dos estudos ambientais é o 1º semestre de 2025.

Outro ponto necessário é a autorização junto à Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Ricardo Fraga Guterres, membro da Cnen, explica que são feitos regulamentos de segurança, atividades de fiscalização, licenciamento e controle por meio da Comissão. "A gente não quer que haja um fator de risco adicional", indicou sobre as regras estabelecidas para garantir a segurança radiológica no País.

O PSQ já recebeu aprovação de local e deve seguir para as demais etapas de licença também necessárias com relação à Cnen. Não foi divulgado um prazo para isso durante a audiência pública.

Audiência tem gritos de 'ecogenocida'

Gritos contrários ao projeto marcaram o momento de fala de Christiano Lemos de Moraes Brandão, representante do Consórcio Santa Quitéria. Durante a apresentação, ele destacou que a iniciativa busca produzir fertilizantes, fosfato bicálcico para nutrição animal e concentrado de urânio para geração de energia.

O grupo prevê investimento de R$ 2,3 bilhões com projeto feito para a Fazenda Itataia que possui área de 5,8 mil hectares. "Nós importamos esses produtos de outros países, alguns inclusive em guerra, com risco de desabastecimento para o Brasil, o que se reflete na segurança alimentar e nos preços dos alimentos", considerou.

Ao exibir um vídeo com detalhamento das estruturas do projeto, Christiano foi novamente interrompido. "Urânio, não. Ecogenocidas, não passarão!", entoavam os participantes da audiência pública.

A presidência da mesa pediu a colaboração, mas houve insistência nas vaias. O representante do CSQ  fez questão de garantir que não haveria contaminação na água. "Nenhuma água é lançada no ambiente, é tratada e reutilizada em todo o processo. Temos uma redução significativa do uso da água, uma diminuição de 60% da área diretamente afetada e temos um processo mais eficiente", apontou. 

Christiano ainda mostrou alguns destaques de "evoluções tecnológicas e melhorias" no projeto, como análise do impacto radiológico atmosférico para avaliar o risco da poeira gerada.

Histórico da tentativa de mineração 

A primeira proposta de licenciamento ambiental para mineração de urânio em Santa Quitéria foi feita em 2004. Na época, a metodologia e o nível de exigência de água fez com que o projeto fosse considerado inviável e arquivado em 2019.

O licenciamento ambiental é um procedimento administrativo para disciplinar a construção, instalação e funcionamento de empreendimentos e atividades que usam recursos naturais, considerados potencialmente poluidores ou com capacidade de causar degradação ambiental. 

No processo, deve ser feito um estudo para entender as características do solo, da água e do ar, por exemplo, mas também das comunidades ao redor do espaço onde se quer realizar alguma intervenção. 

As autorizações são divididas em 3 etapas: licença prévia, licença de instalação e licença de operação. Para cada uma delas, o Ibama precisa analisar o contexto e indicar a possibilidade de continuidade ou não.

Em 2020, o empreendedor trouxe um novo projeto, com nova rota de exploração e uso de outras tecnologias. Por isso, também foi feito um novo estudo ambiental, com manifestação de órgãos ambientais e com a realização de audiências públicas em 2022.

Contudo, foi feito um parecer técnico apontando inadequações e insuficiências de informações. Em 2023, embora o processo de licenciamento seja o mesmo de 2020, o Ibama colocou a necessidade de entrega de um novo Estudo Ambiental não só com complementações ao estudo inicial, como o reinício do rito de licenciamento,. Em dezembro de 2023 foi entregue o novo EIA/Rima.

Parecer técnico

Um parecer técnico-científico, liderado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), questiona a segurança do Projeto Santa Quitéria (PQS) e aponta riscos para a água, biodiversidade e saúde humana. O documento foi elaborado após pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público Estadual (MPCE).

O documento foi apresentado pelo doutorando Rafael Dias de Melo, representante da UFC. "Os estudos utilizados são tecnicamente insuficientes para avaliar o impacto sobre a saúde. Por que? Eles usam dados meteorológicos de 2014, excluem da análise fontes emissoras de radionuclídeos muito importantes, desconsideraram 28 chaminés da unidade mineroindustrial como causadores de poluentes", indicou.

Além disso, demonstrou preocupação com o abastecimento de água para a população que vive próxima ao local. "O nosso parecer técnico conclui que, mesmo aberta a possibilidade de complementações de estudos, o Consórcio Santa Quitéria não conseguiu demonstrar viabilidade socioambiental e os temas da saúde pública, da segurança hídrica do empreendimento, do impacto da biota continuam como temas de extrema preocupação", completa.

Impactos socioeconômico, físicos e bióticos

Claudia Paley, representante das consultorias Tetra+ e Amplo, explicou que foram feitos estudos sobre população, economia, saúde, dentre outros aspectos em Santa Quitéria, Itatira, Madalena e Canindé, para análise do Consórcio Santa Quitéria.

Em relação aos povos indígenas, foram identificadas 57 aldeias em Monsenhor Tabosa, Boa Viagem, Tamboril, Canindé, Aratuba e Capistrano. Os representantes apontaram que existe uma distância de 25 km entre a estrutura do projeto e as comunidades indígenas.

Também foram identificadas 29 comunidades próximas da CE-366, de açude e onde há maior adensamento populacional. A representante comentou sobre os impactos já previstos com a movimentação do solo, alteração do curso d'água e da qualidade das águas superficiais.

De acordo com Cláudia, foram estabelecidas ações para contenção de processos erosivos, estabilidade de encostas e controle ambiental. "O projeto foi repensado para que as águas circulassem em circuito fechado, toda a água utilizada vai circular em tanques. Isso significa que a água não tem contato com outras águas e se evitam impactos", avaliou.

Caso seja aprovado, o projeto deve usar a água do Açude Edson Queiroz, por meio de uma adutora de 60 km, que deve abastecer também outras comunidades. Ao tocar no tema, mais uma vez foi interrompida por vaias.

"O projeto vai usar cerca de 10% da água disponível para a outorga, que a Cogerh (Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos) dá direito de uso. O uso pela população e pelos animais é prioridade conforme a legislação", ponderou. Também foi avaliado impacto para animais típicos da caatinga, algumas espécies ameaçadas de extinção, mas sem citar uma lista.