Depois de dez anos, um grupo de ex-alunos e ex-professores da Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP) Professor Onélio Porto, de Fortaleza, se encontrou no prédio que frequentaram diariamente durante anos. Em 2014, os estudantes do antigo curso de Informática e os docentes da época enterraram uma cápsula do tempo com cartas para o futuro, com metas e sonhos para a década seguinte. No último sábado (17), parte deles se reuniu para desenterrar os objetos e reviver memórias.
A ideia já tinha surgido no final do segundo ano do Ensino Médio, mas só se concretizou no ano seguinte. Eles estavam encerrando um ciclo em que conviviam em tempo integral: assistiam a nove aulas todos os dias, estudavam e faziam as refeições juntos.
“Eles estavam naquele clima de despedida, de pensar nos projetos de vida, no que desejavam cursar na faculdade, alguns queriam já começar a trabalhar. Enfim, toda aquela turbulência de pensamento: ‘o que vou fazer depois? o que vai ser da gente?’”, lembra Gustavo Lopes, que na época era professor de Artes e Projeto de Vida da turma.
DEZ ANOS DEPOIS
Hoje professora universitária, Júlia Rocha tinha 17 anos quando escreveu a carta. Ela ainda lembra que, enquanto colocava os planos para os anos seguintes no papel, tinha a sensação de “querer ganhar o mundo” e viver todas as idealizações escritas. Ao mesmo tempo, sentia que iria demorar para tudo acontecer.
A carta estava dividida em duas partes: uma amorosa e outra profissional. Os planos a dois não se concretizaram, mas muito do que ela viveu na última década estava lá.
Comecei a escrever que eu queria estar formada, queria estar com a minha pós-graduação. Estou formada, estou com a minha pós-graduação. Queria ter o meu carro, tenho meu carro. Queria ter a minha independência, tenho a minha independência. Queria muito também estar trabalhando na faculdade, e hoje em dia trabalho na Unifametro.
Por estudarem em uma escola de Educação Profissional, os alunos cursaram Informática durante o Ensino Médio, além da base regular. Continuar nessa área foi um dos pontos que Lucas Kennde Araújo de Moura, 27, colocou na carta dele.
Durante um tempo, ele não deu continuidade a esse projeto, mas, por coincidência ou não, foi justamente em 2024 — exatos dez anos depois — que voltou para o ramo.
“Foi uma coisa muito difícil, porque eu tive que abrir mão de umas coisas, mas em compensação eu me senti realmente como eu me sentia dez anos atrás, estudando, relembrando tudo”, conta ele, que hoje atua como empresário e desenvolvedor.
Lucas foi um dos ex-alunos responsáveis por reunir os demais para a abertura da cápsula. “Tinha muita gente sumida. Tanto que teve algumas pessoas que estão fora do País e do Estado, não conseguiram vir. Outras, que são de outras cidades, vieram para Fortaleza para acompanhar o momento, que foi incrível. Foi legal conhecer as histórias, o que cada um passou durante esses dez anos”, conta.
Esse grupo fez parte da primeira turma para o qual Rafael Ayres lecionou, como professor de Filosofia. Hoje docente do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza (Unifor), ele também participou do projeto.
Apesar de a carta não ter resistido ao tempo, lembra que desejou, na época, que todos estivessem vivos e com boa saúde e que um dia pudesse lecionar na instituição em que se formou psicólogo. Hoje, ele comemora que ambos os desejos se realizaram. “Isso teve um peso nessa memória afetiva”, diz.
Além de cartas, havia um pen drive na caixa. Danificado pela umidade, o objeto contém fotos e vídeos com a trajetória da turma durante o Ensino Médio, incluindo os registros de atividades artísticas.
Eles amavam as letras de Chico [Buarque], e a gente conseguiu fazer a Ópera [do malandro] ao vivo, porque alguns alunos tocavam instrumentos e algumas desenvolviam canto. Então, a gente conseguiu montar a obra e apresentar a escola para a escola toda assistir.
A “SAGA”
Uma vez que parte dos antigos estudantes, professores, gestores e colaboradores terceirizados estavam próximos à simbólica árvore da escola, onde a cápsula foi enterrada, encontrar as cartas não foi tarefa fácil. Já tinham quase se dado por vencidos quando um deles procurou mais e encontrou a caixa.
“Foi um sacrifício para achar a cápsula porque eles enterraram bem, protegeram a caixa com alguns plásticos, também colocaram madeira e tudo. Mas algumas [cartas] foram deterioradas, algumas se perderam e outras poucas a gente conseguiu entender o que tinha”, conta Gustavo. Depois, dessa “saga”, cada um falou sobre a sua vida ao longo dos anos e o grupo tirou diversas fotos. “E agora estamos mais unidos ainda, conversando, falando sobre o futuro e marcando os próximos encontros”, afirma Lucas.
Júlia considera “maravilhoso” o momento de rever a antiga turma, compartilhar experiências, rir e perceber que, apesar de todos terem amadurecido, as brincadeiras de antes continuavam.
“Só o fato de uma boa parte estar no grupo de WhatsApp e a outra parte ter ido presencialmente, isso já fortalece demais esse vínculo que a gente tinha há dez anos, e que espero muito que a gente continue nesses encontros, porque vivemos muita coisa juntos. Foram três anos juntos numa sala de 7h até 17h, então tem muita ligação”, diz.
A coordenadora pedagógica da escola, Alexandra Feitosa, conta que o reencontro foi emocionante. “Quando encontraram a cápsula, foi feita a união do passado com o presente, foi uma espécie de volta àquele tempo. Uma certa nostalgia e rememorando a idade, os sonhos (o 'eu' de dez anos atrás)”, diz.
Para ela, a atividade constata a importância da base diversificada da Educação Profissional, que trabalha a projeção de futuro dos estudantes. “Tanto que eles a enterraram no término do curso e quiseram voltar às referências educativas para rememorar o passado, compartilhar a trajetória destes dez anos e falar sobre o presente”, afirma.
*Sob a supervisão da jornalista Dahiana Araújo