Advogada indígena do Povo Kanindé, de Aratuba, no interior do Ceará, Milena Santiago, 25, é uma de 20 jovens escolhidos para o Programa de Bolsas Indígenas de Língua Portuguesa 2023, da Organização das Nações Unidas (ONU). Única cearense entre o grupo de indígenas e quilombolas selecionados para a formação, ela passará por treinamento sobre os principais mecanismos de direitos humanos da ONU. Dez desses bolsistas farão estágio de um mês na Suíça.
Advogada do Escritório de Advocacia Popular Indígena-YBI, Milena Santiago viu no projeto uma oportunidade de aprimorar os conhecimentos na área de Direitos Humanos, em que já atua profissionalmente. "Trabalho com os povos indígenas do Estado, fortalecendo a luta territorial, suas organizações e a proteção aos direitos humanos dos povos, que resistem a constantes violações de direitos", explica.
Percebi a necessidade de um treinamento sobre a temática (de Direitos Humanos) para que eu pudesse utilizar esses conhecimentos como ferramenta de resistência e de luta pela defesa de direitos dos povos, pela não violação de direitos e pela devida responsabilidade dos violadores, além de ser multiplicadora de saber, compartilhando nas aldeias os conhecimentos adquiridos na formação
O Programa de Bolsas Indígenas de Língua Portuguesa é dividido em duas etapas. A primeira ocorre em Brasília (DF) e terá duração de até três semanas em colaboração com uma instituição acadêmica nacional. Já a segunda etapa é um treinamento prático que será realizado durante um mês na cidade de Genebra, na Suíça, na sede do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR).
Os participantes do Programa poderão utilizar o conhecimento adquirido na formação para defender os direitos dos povos indígenas e quilombolas de maneira mais eficaz e levantar suas preocupações a nível internacional. Além disso, após formados, eles poderão compartilhar as experiências e ministrar treinamentos em suas comunidades e organizações, contando com uma rede de ex-bolsistas.
LUTA PELO TERRITÓRIO
Com os novos conhecimentos, Milena conta que pretende aperfeiçoar os estudos no acompanhamento de casos emblemáticos nos quais os povos sofrem há décadas constantes violações de direitos na luta pela demarcação do território.
"Alguns até ganharam repercussão internacional e possuem denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por isso se faz necessário o aperfeiçoamento dos advogados em Direitos Humanos, para contribuir no andamento processual desses casos", afirma.
Formada em Direito pelo Centro Universitário Estácio do Ceará, com bolsa integral do Programa Universidade Para Todos (Prouni), Milena é presidente da Comissão Especial de Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil do Ceará (OAB-CE). Ela conta que sempre teve interesse pela advocacia popular.
Sempre tive em mente que, quando concluísse o curso de Direito em Fortaleza, voltaria para o chão da aldeia e queria colaborar juridicamente com a luta do meu povo pela demarcação do território
Ela destaca a situação dos povos indígenas no Ceará, estado que aponta como o "mais atrasado do Brasil" em relação à regularização fundiária das terras indígenas.
"(Isso) gera insegurança jurídica e institucional aos povos, os colocando em uma situação de extrema vulnerabilidade e ameaças, (uma) vez que os territórios indígenas viraram alvo de grandes empreendimentos que geram impactos diretos e indiretos no nosso modo tradicional de vida, não sendo respeitado a Convenção 169 da OIT, que garante aos povos o direito à consulta livre, prévia e informada".
Um objetivo da advogada também é aplicar os conhecimentos que irá adquirir no projeto "Povos Indígenas do Ceará - Defender os defensores/as da vida", que está em execução com defensores indígenas de direitos humanos, por meio da Federação dos Povos Indígenas e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince).
Milena Santiago também é integrante do Comitê Consultivo da Juventude para a Cooperação da União Europeia no Brasil e integrante do Departamento Jurídico da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – (Apoinme).
O Programa de Bolsas para Indígenas (Indigenous Fellowship Programme) foi estabelecido em 1997, como parte da Década Internacional dos Povos Indígenas do Mundo. Desde então, mais de 600 povos indígenas de todo o mundo receberam formação.