O cenário de precarização do Instituto Dr. José Frota (IJF) está no radar da Justiça. O Ministério Público do Estado do Cerará (MPCE) ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP), em 7 de novembro, a partir da 137ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, após os problemas de abastecimento de remédios e insumos na unidade persistirem desde o início do ano. Caso seja acatado, o processo pode bloquear R$ 20 milhões da Prefeitura de Fortaleza.
Em 11 de novembro, a ACP do Ministério Público teve o primeiro desdobramento: os envolvidos têm 72 horas para apresentar manifestação após serem notificados. A medida judicial, inclusive, pode tornar réus o município de Fortaleza, o IJF, o prefeito José Sarto (PDT), o secretário municipal de Saúde, Galeno Taumaturgo Lopes, e o superintendente do hospital, José Maria Sampaio Menezes Júnior. Todos foram citados nominalmente na decisão da 10ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza, órgão responsável pelo caso.
A reportagem do Diário do Nordeste procurou a Prefeitura e o IJF para tratar da situação do hospital, mas ainda não teve resposta.
Em maio deste, o IJF e o MPCE fecharam um acordo que previa uma solução para o caso em até três meses. À época, já eram apontados prejuízos no fluxo de atendimento, aumento do tempo de internação e adiamentos de cirurgias. As carências não foram resolvidas, culminando na ACP.
"Desde o ano passado que a gente vem acompanhando isso aí. Eram faltas pontuais, tinha uma falta aqui, outra falta acolá. E a gente notificava e eles providenciavam, eles tomavam medicamento emprestado de outros hospitais, mas resolviam. E agora, do meio do ano para cá, a coisa se agravou muito. As pessoas ficam internadas mais tempo aguardando por cirurgia, ocupa muito mais tempo no leito, a situação da pessoa se agrava, fora que estressa toda a equipe de saúde”
“O juiz vai analisar e vai acatar ou não o nosso pedido. Mas eu acredito, eu tenho fé que ele vai acatar, porque isso aí é um problema grave para a população. O nosso pedido é de que, caso o IJF não comprove que abasteceu suficientemente, que seja bloqueado o valor de 20 milhões e que seja determinado que o superintendente adquira os medicamentos e insumos que estão em falta. E, junto a isso, seja aplicada uma multa diária, pessoalmente, ao prefeito, ao superintendente do IJF e ao secretário de Saúde do município”, defende a promotora.
Por conta da transição entre o governo Sarto e Evandro Leitão (PT), prefeito eleito de Fortaleza, a ação requer também que o abastecimento tenha uma autonomia de 60 dias. Nesse sentido, o MP faz uma exigência: a retomada do estoque não deverá ocorrer à custa da retirada de materiais de outros hospitais da rede – um prática comum em outros momentos, segundo Uchoa.
Entre outras cobranças, o MPCE solicita a criação de um comitê para acompanhar todo o processo, incluindo questões ligadas aos recursos necessários, e pede, ainda, que a Prefeitura ou o IJF mantenha um site com informações atualizadas acerca dos processos licitatórios para aquisição dos itens em falta.
Percentual de déficit no estoque de insumos médicos do IJF, de acordo com denúncias recebidas pelo MPCE
“O objetivo é facilitar a fiscalização tanto pela Promotoria, quanto pelos demais órgãos fiscalizadores e pela população em geral, constando dados acerca do prazo para conclusão do processo, previsão de assinatura de contrato e previsão de data para o fornecimento dos produtos”, divulgou o órgão.
'Crise do lençol' no IJF
O Diário do Nordeste também mostrou parte dos problemas que vivem usuários e funcionários do equipamento. No hospital, há a falta de medicamentos, de insumos básicos, suspensão de cirurgias e até a demora na distribuição de comida. É o que apontam relatos de usuários, sindicatos e profissionais que atuam na unidade ouvidos pelo Diário do Nordeste.
A reportagem conversou com alguns acompanhantes e cuidadores que convivem no IJF, durante uma visita ao local, na manhã da última quinta-feira (14). Os depoimentos têm pontos em comum: inexistência de medicações e itens essenciais, como fraldas e lençóis, cancelamento de cirurgias, falta de estrutura para acompanhantes - que precisam dormir no chão, em papelões - e demora na entrega das refeições.
Denúncias sobre o local foram recebidas pelo MPCE, dentre elas, a de que 279 dos 375 medicamentos estariam com estoque zerado no Instituto. Ao mesmo tempo, 263 insumos médicos, como agulhas, sondas, drenos, fios de sutura, entre outros, não estariam disponíveis – do total de 513 itens.