O cenário de baixa incidência da Covid, alcançado após a vacinação, tem gerado um efeito preocupante em todo o Brasil: a baixa procura pelo imunizante, sobretudo entre bebês e crianças. No Ceará, menos de 5% dos pequenos tomaram as 3 doses, segundo o Vacinômetro do Ministério da Saúde (MS).
Os prejuízos das baixas coberturas preocupam não só pela exposição dos não-vacinados ao adoecimento grave, mas pelas possíveis sequelas (a Covid Longa) e pelo impacto incerto da incidência de novas variantes no País.
O Diário do Nordeste esteve em São Paulo, nessa quinta-feira (24), a convite da farmacêutica Moderna, para ouvir especialistas sobre os riscos que a Covid ainda representa aos bebês, crianças e todas as faixas etárias, e sobre a importância de atualizar a imunização.
Durante o lançamento da campanha “Vacina Brasil”, das farmacêuticas Moderna e Adium, representantes de sociedades médicas e pesquisadores alertaram sobre os impactos da desinformação e os prejuízos da desproteção de crianças contra o coronavírus.
‘Vacinas não mentem’
Ao relembrar a chegada e a eliminação de diversas doenças no Brasil, Gláucia Vespa, doutora em imunologia e diretora médica da Adium, reconhece que “é legítimo ter medo de algo novo” como as vacinas anticovid, mas aposta na “inteligência” dos pais para proteção dos filhos.
“Se a pessoa tem medo é porque se importa com a própria saúde e de quem ama. E se ela é inteligente, é capaz de entender o que a ciência e os dados nos dizem: as vacinas são seguras e eficazes. Vacinas não mentem. E se você tiver informação, terá a segurança de se vacinar”, frisa.
No Ceará, a meta é vacinar pouco mais de 314 mil bebês e crianças de 6 meses a 2 anos de idade: mas apenas 90,3 mil (28,7%) tomaram a 1ª dose do imunizante pediátrico, e menos de 15 mil completaram o esquema.
O médico infectologista Marco Aurélio Sáfadi, diretor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, pontua que a desinformação em torno de vacinas data desde a primeira do mundo: contra a varíola, descoberta na Inglaterra.
“Diziam que quem tomasse a vacina da varíola se transformaria em parte humana e parte bovina. Mudaram os animais, mas a desinformação continua”, compara, alertando que as crianças devem ser enxergadas “de maneira especial” no contexto da Covid-19.
Houve um equívoco de todos nós quando comparamos as cargas de Covid entre crianças e adultos. Obviamente elas têm menos riscos, mas isso não significa que seja uma doença negligenciável nessa faixa etária.
O infectologista destaca que há um grupo da população que ainda está totalmente desprotegido: “os bebês, que não tiveram Covid nem tomaram vacina”. Ele observa que bebês com menos de 1 ano são, em 2023, o grupo com segundo maior risco de hospitalização.
Por isso, reforça, é importante que as gestantes busquem a vacinação. “Em particular para influenza e Covid o objetivo de imunizar a gestante vai além de protegê-la: ela transmite os anticorpos aos bebês, que não podem ser vacinados antes dos 6 meses. Então essa é a estratégia que temos”, recomenda.
A vacina da Covid, aliás, é só uma entre as negligenciadas.
“As pessoas que nasceram no passado recente vieram numa realidade em que as doenças foram eliminadas. Não entendem que seja importante vacinar os filhos para uma doença que nunca viram”, lamenta.
“Há problemas estruturais, logísticos de disponibilidade de vacina e há a desinformação. A baixa procura é um fenômeno multifatorial e mundial. A boa informação é o caminho”, complementa o infectologista.
Responsabilidade dos adultos
Um mapeamento da Moderna com base em dados do Ministério da Saúde, coletados no início de agosto, mostra que além de não levarem os filhos à vacina, os próprios adultos têm deixado de tomá-la: a aderência da população às doses de reforço caiu em todo o País.
No Ceará, segundo o levantamento, só 1 a cada 4 pessoas tomou a vacina bivalente (5ª dose) – ainda assim, para se ter ideia, é o 4º melhor índice do Brasil, atrás apenas de Piauí, São Paulo e Sergipe.
Para “gente grande”, as consequências do adoecimento sem vacina também podem chegar. De acordo com Sérgio Cimerman, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), estudos apontam que a imunização pode reduzir em até 70% a ocorrência de sintomas da Covid longa.
A condição nomeia os mais de 200 sintomas que se manifestam em pacientes, ao longo de meses, após a infecção pelo coronavírus. “Até 25% dos infectados terão sintomas, embora haja uma subnotificação da Covid longa no nosso meio”, aponta Sérgio.
“Indivíduos com o esquema primário, que são duas doses da vacina, apresentaram risco significativamente menor de desenvolvê-los. Foram 41 artigos avaliados, mais de 850 mil pacientes”, cita o médico.
O coordenador científico da SBI mostrou, ainda, durante apresentação, 10 fatores de risco para desenvolver Covid longa, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS):
- Idade (avançada ou mais jovem);
- Sexo feminino;
- Grupo étnico minoritário;
- Obesidade;
- Tabagismo;
- Quadro clínico grave de Covid;
- Comorbidades;
- Maior carga de sintomas;
- Internação hospitalar;
- Suplementação de oxigênio.
Rachel Dawson, diretora executiva de Assuntos Médicos para Vacinas Respiratórias da Moderna, resume a necessidade de atenção constante à Covid mesmo após o fim da emergência sanitária mundial.
“A Covid ainda é um problema. Podemos ter mudado de um estado pandemia para endêmico, mas ainda mata mais pessoas do que qualquer doença respiratória. Precisamos continuar a vacinação completa: as doses primárias e os reforços”, situa.
Quem pode se vacinar contra a Covid-19
- 1ª dose: crianças a partir de 6 meses;
- 2ª dose: conferir o prazo definido no cartão de vacinação;
- 3ª dose: crianças a partir de 6 meses, de 3 e 4 anos que receberam Coronavac no esquema primário e pessoas acima de 12 anos que receberam a 2ª dose há pelo menos 4 meses;
- 4ª dose: pessoas acima de 18 anos que receberam a 3ª dose há pelo menos 4 meses;
- Bivalente: população maior de 18 anos que tenha sido vacinada com a primeira e a segunda dose contra a Covid-19.