50 mil famílias cearenses não têm acesso a água potável de forma regular

Das 8 macrorregiões do Estado, a do Sertão Central e Inhamuns é a que tem o maior número de famílias desassistidas

Todas as 8 macrorregiões do Estado apresentaram, em 2022, chuvas acima da média histórica anual. No entanto, apesar dos bons índices, os volumes não foram suficientes para equacionar um crônico problema que tem se agravado nos últimos anos: o abastecimento humano. Atualmente, cerca de 50 mil famílias cearenses enfrentam dificuldade no acesso a água potável.   

Os dados são do Instituto Elo Amigo, entidade de cunho social que atua no desenvolvimento sustentável e a convivência com o Semiárido. Para equalizar esta ampla lacuna, o coordenador executivo do Instituto Elo Amigo, Marcos Jacinto, apresenta como solução a construção de cisternas. Este equipamento atua de forma complementar aos açudes nos quais, muitos deles, não adquiram recarga hídrica satisfatória  

Contudo, há pelo menos quatro anos não há injeção de recursos por parte do governo Federal com destinação a construção destes equipamentos.

“Desde 2018 não há desembolso de dinheiro para execução das cisternas. Nós, enquanto rede de organização social, temos trabalhado de modo a denunciar essa postura do governo [Federal] em desmantelar este importante programa, que mudou a cara do nosso semiárido nas últimas duas décadas”, critica Jacinto.  

A reportagem do Diário do Nordeste tentou contato com o Ministério da Cidadania, mas não houve retorno até a publicação desta matéria.   

Diante desta paralisação na construção de novos equipamentos, o número de famílias descobertas chega a 50 mil. No entanto, ainda segundo Marcos Jacinto, este quantitativo é ainda maior quando se analisados as famílias que dependem de outros tipos de cisternas, que não apenas as chamadas “de primeira água”, ou seja, com capacidade para armazenamento de 16 mil litros.  

“Se a gente considerar as tecnologias para produção de alimentos, que são as barragens subterrâneas, cisternas de calçadão ou de enxurrada, este número é muito maior. Temos um amplo contingente de famílias que não contam com acesso a água potável de forma regular e, mesmo diante desta problemática, não há um horizonte que não seja a partir da construção de novas cisternas”, acrescenta Marcos.   

Essa lacuna de 50 mil famílias sem acesso periódico a água potável se agravou nos últimos anos devido a descontinuação dos recursos federais. Entre 2015 e 2020 - a queda na construção deste equipamento foi de 94,5% em relação a 2014, ano no qual mais se adotou essa tecnologia de combate à seca (149 mil unidades).   

Conforme Marcio Jacinto, em 2019 e 2020, foram realizadas apenas conclusões de obras cujo os convênios já haviam sido firmados com o Ministério da Cidadania em anos anteriores.    

'Eu tinha que andar quase 1km para pegar água'  

Das 8 macrorregiões do Estado, a do Sertão Central e Inhamuns foi a que registrou, ao longo deste ano, o menor volume pluviométrico acumulado, com 820,8 milímetros. O índice se revela ainda mais preocupante quando analisado o número de famílias que enfrentam dificuldade no acesso a água potável naquela região.   

Das 50 mil famílias afetadas no Ceará, cerca de 8 mil estão naquela macrorregião. O agricultor Pedro Oliveira é uma dessas pessoas cujo acesso é limitado. A promessa de que a cisterna de primeira água seria instalada em sua casa, ainda no ano de 2019, não se confirmou.

“Só dizem que o governo cortou o recurso. A gente segue na espera e, enquanto isso, acumulamos água em baldes e retiramos do açude nos meses em que não há chuvas mais volumosas”, pontua.    

Pedro tem, ao alcance de seus olhos, um exemplo real do quão importante são essas cisternas. A dona de casa Maria Graça Almeida e Silva mora com três filhos e todos eles avaliam “uma mudança de vida após a cisterna”. “Aqui a gente bebe e cozinha com essa água. Antes, eu tinha que andar quase 1 km para pegar água no açude”, declara a moradora da comunidade de Oiticica.    

Para Marcos Jacinto, a melhoria na qualidade de vida destacada por Maria é uma tendência entre aqueles que contam com o equipamento social.

“Os relatos se acumulam. A avaliação das famílias é positiva. Elas reconhecem que, diante da dificuldade que é ter acesso a água do Semiárido, ter acesso a uma tecnologia que ela própria consegue fazer a captação, armazenamento e a gestão dessa água, isso muda de forma muito positiva a vida das famílias”, completa Jacinto.  

“As cisternas abrem um leque de benefícios. Imagine quem não conta com esse equipamento, ele se ver obrigado a andar longas distâncias para ter acesso a água e isso demanda muito tempo e esforço. Sem contar que as vezes é preciso comprar, então tudo fica mais dificultoso”, completa Marcos Jacinto, o coordenador executivo do Instituto Elo Amigo.   

Riscos 

O esforço físico desprendido na busca por água em locais afastados e os valores gastos quando a população se ver obrigada a comprar o líquido não são os únicos problemas causados pela falta de acesso regular à água potável. O médico gestor em saúde, Álvaro Madeira Neto pontua que a ingestão de água não-potável causa graves problemas à saúde, inclusive com risco de mortes. 

Entre as doenças mais comuns, Álvaro destaca a cólera, hepatite e as gastroenterites, que é inflamação do revestimento do estômago e dos intestinos grosso e delgado. 

“Quando olhamos para países de baixa renda, são pelo menos 830 mil pessoas que morrem anualmente em decorrência diarreica. Um número alto e que atinge com maior força as crianças”, detalha.

O especialista alerta que o público infantil é o mais vulnerável. Crianças de até 5 anos estão mais propensas ao risco dessa ingestão. “Cerca de 300 mil crianças morrem todos os anos no mundo todo em decorrência da falta do acesso a água potável”, completa.