No Ceará, 3 em cada 4 cidades não possuem mapeamento de área de risco conforme aponta relatório mais recente (2020) do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
Esse levantamento, cujo objetivo é identificar os fatores de riscos de uma determinada localidade, é primordial para mitigar os danos que podem ser estruturais e até ocasionar mortes.
Contudo, o cenário, na prática, é de preocupação conforme avalia o doutor em Geofísica e Sensoriamento Remoto pela Université de Nantes (França), e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raimundo Mariano Gomes Castelo Branco.
Segundo o docente, o Estado, assim como a maioria dos municípios, "é ineficaz na elaboração desse mapeamento. E, evidentemente, sem esse relatório, há um dano impressionante a diversas famílias que vivem em áreas de risco".
A reportagem do Diário do Nordeste questionou ao Corpo de Bombeiros do Ceará e a Defesa Civil por quais razões há um número tão alto de cidades sem mapeamento. Perguntou ainda quais municípios dispõem desse mecanismo e se há projeto que vise avançar na elaboração deste relatório nas demais cidades, mas não houve retorno.
Na maioria das vezes, essas áreas de risco são em regiões onde não é recomendada a construção de imóveis, por serem expostas a desastres naturais, como desabamentos e inundações.
Mas, como reverter este cenário presente no Ceará? Para Mariano Gomes, é necessário investimentos em tecnologia. No entanto, ele avalia ser "acessível [a reversão deste número] caso haja interesse do poder público".
"A cartografia, o mapeamento geológico, o mapeamento da hidrogeológico, levantamentos e monitoramentos aéreos com drones, processamento de imagens, o uso de tecnologias do Sistema de Informação Geográfica, enfim, tudo isso poderia gerar melhorias dessas cidades que têm potencial área de risco", detalha Mariano.
dos 184 municípios cearenses, apenas 6,5% contam com sistema de alertas de risco hidrológico
Entre as localidades cearenses que apresentam "elevado risco" o docente especialista do Departamento de Geologia da UFC destaca o Maciço de Baturité e região serrana da região do Cariri. "São várias cidades, naquela região, que possuem área de risco", pontua, sem, no entanto, listar os municípios.
"Fazer trabalhos técnicos que visem identificar os fatores de riscos de uma determinada localidade tem de ser considerado como um investimento para sociedade, tal qual o saneamento, por exemplo", acrescenta Mariano Gomes.
Monitoramento de Fortaleza completa dez anos
A Capital cearense está entre as cidades que possuem monitoramento de área de risco. O coordenador da Central de Monitoramento da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil (COEPDC), Saulo Aquino, explica que o relatório foi criado, oficialmente, em 2012 e, desde então, passa por atualizações periódicas.
No segundo semestre deste ano, o resultado dessas atualizações será consolidado e, então, publicizado. "O objetivo é mostrar ao fortalezense quais áreas de risco estavam no monitoramento de 2012 mas foram erradicadas. Também, é importante externar quais são, atualmente, as áreas de risco em Fortaleza e quais os graus de risco", explica Saulo.
Pobreza acentua cenário
Para o professor da UFC, a desigualdade social acentua o surgimento de áreas de risco. Um dos grandes propulsores deste problema é a construção irregular de imóveis em locais inadequados. "Abre margem para risco, para danos que podem ser graves", diz Mariano.
"Somente no Nordeste há milhões de pessoas que vivem na pobreza, que sentem fome. Essas pessoas, claro, acabam ocupando áreas irregulares. Temos de ter políticas assistencialistas, os problemas estão interligados", pontua.
Como desafio, o professor da Universidade Federal do Ceará reforça, novamente, a necessidade de investimentos em pesquisa. "Nós teríamos grande benefício para a sociedade se tivermos investimentos voltados para a cartografia e levantamento de áreas de risco do Estado. Este é um assunto que deve ser encarado com muita seriedade", conclui.