Uma das primeiras ações que devem ser executadas ao entrar em um automóvel tem sido negligenciada por milhares de motoristas em Fortaleza: colocar o cinto de segurança. Quase três a cada dez pessoas (28%) foram flagradas sem utilizar o item, em 2023.
O percentual considera condutores e passageiros a bordo do veículo, e é o menor desde 2016, como aponta o Relatório Anual de Segurança Viária 2023, divulgado nesse mês de maio pela Prefeitura de Fortaleza.
O documento reúne informações como estatísticas de acidentes, de vítimas e de comportamentos infratores registrados no trânsito da cidade.
Em abril de 2016, a pesquisa de monitoramento de fatores de risco à segurança viária, capitaneada pela Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), mostrou que 76% dos ocupantes dos veículos utilizavam o cinto, número que cresceu até 2019, quando 94% das pessoas cumpriam essa regra.
Entre 2019 e 2023, contudo, o índice caiu. Em julho do ano passado, apenas 72% dos motoristas e passageiros em automóveis circulando em Fortaleza foram flagrados utilizando o cinto de segurança.
A adesão ao item muda se isolados os tipos de ocupantes. Entre os motoristas, por exemplo, 80% utilizam o cinto de segurança com regularidade. Considerando apenas os passageiros no banco dianteiro, o índice cai para 60% – quatro a cada 10 “caronas” não seguem a regra.
O dado é ainda mais preocupante quando se olha apenas para os ocupantes do banco traseiro dos veículos: apenas 36% deles utilizam o cinto, indo de encontro à legislação de trânsito e à própria segurança.
do risco de lesões fatais são prevenidos pelo uso do cinto de segurança nos bancos dianteiros, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). No traseiro, o cinto reduz o risco em 75%.
De acordo com a AMC, 90,1% dos entrevistados em uma pesquisa do órgão disseram ter conhecimento sobre a legislação da obrigatoriedade da utilização do cinto de segurança no banco traseiro, “mas 54,6% afirmaram não terem utilizado quando ocuparam o banco de trás”.
Insegurança no trânsito
Quem dirigir um automóvel ou transportar qualquer passageiro sem usar o cinto de segurança incorre em infração de trânsito classificada como grave pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A multa é de R$195,23, e o condutor leva 5 pontos na habilitação.
A regra também vale para passageiros de ônibus e micro-ônibus produzidos após 1º de janeiro 1999, de acordo com a Resolução nº 912/2022 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
Em veículos destinados ao transporte de passageiros em percurso que seja permitido viajar em pé, porém, o cinto de segurança não é exigido.
Para Renato Campestrini, advogado especialista em Trânsito, Mobilidade e Segurança, a flexibilização das regras de trânsito no Brasil, nos últimos anos, foi um dos fatores que contribuíram para aumentar as infrações.
“O aumento na pontuação (limite da CNH) e as dificuldades para a fiscalização atuar nas vias públicas contribuíram para o aumento no desrespeito a regras básicas de segurança viária, como não uso do cinto, manuseio do celular, excesso de velocidade e avanço do sinal vermelho”, lista.
O especialista destaca o não uso do cinto de segurança como “comportamento de alto risco”. “Os veículos, desde 2014, possuem airbags como complementos ao cinto, para preservar vidas. Mas quando você conduz ou transporta alguém sem o cinto, o risco de uma lesão séria em caso de acidente é muito grande”, alerta.
Renato lembra, ainda, da importância do item obrigatório também no banco traseiro dos veículos. “Quando você utiliza o cinto no banco dianteiro, mas o passageiro no banco traseiro não o faz, temos aumento de quase 60% no risco de uma lesão de tórax, o que também pode levar a óbito.”
Os efeitos, ele analisa, são sentidos na saúde pública das grandes cidades, como Fortaleza. A fiscalização e a educação para o trânsito são dois pilares do trabalho de fortalecimento da segurança viária, destaca o especialista.
“A fiscalização é um remédio amargo, mas que cumpre a função de incentivar as pessoas a utilizarem o dispositivo de segurança e seguirem as normas de trânsito. E também as campanhas educativas, que vêm mostrar os comportamentos adequados que as pessoas devem ter de forma voluntária.”
O coordenador de Segurança Viária da AMC, Saulo Oliveira, afirma que o não uso cinto de segurança normalmente está associado a uma série de fatores como percepção equivocada do risco e percepção da fiscalização, somadas a crenças e mitos sobre o assunto que seguem presentes na sociedade.
“Campanhas e ações incisivas são muito importantes para que as pessoas conheçam a dinâmica e os efeitos no corpo humano quando algum dos ocupantes do veículo não está fazendo o uso do cinto durante o impacto”, afirma.
Ele também aponta a necessidade de uma fiscalização efetiva e cita o uso de novas tecnologias de fiscalização e monitoramento como elemento importante para combater esse comportamento de risco.
Oliveira ainda destaca que a redução da do uso de cinto de segurança ocorre a partir da reabertura da economia após o isolamento social imposto devido à pandemia de Covid-19. “Isso pode trazer indícios de um comportamento que apresenta menos preocupação com o risco ou da percepção de fiscalização após esse período”, diz.
Educação para o trânsito
Jorge Trindade, diretor de educação de trânsito do Departamento Estadual de Trânsito (Detran/CE), alerta que o não uso do item obrigatório “é ainda maior entre passageiros que estão no banco de trás do veículo”, o que desafia inclusive a fiscalização.
“Os agentes de trânsito do Detran e dos órgãos municipais são muito atentos a isso e podem lavrar o auto de infração de trânsito sem precisar abordar o condutor: se visualizar a falta do cinto, pode fazer a notificação. Só é preciso abordar para verificar o cinto traseiro, que não é de três pontos”, situa.
Para o gestor, o trabalho educativo é a principal estratégia para inibir o comportamento infrator. “O Detran tem realizado o ano inteiro ações educativas com essa temática, que é a campanha ‘Tô de cinto, tô seguro’, nos terminais rodoviários em Fortaleza e no interior do Ceará. Nossos agentes repassam a importância do uso do cinto em todo o trajeto para preservar vidas”, finaliza.
O impacto da infraestrutura
Além de ações de educação e de fiscalização, Saulo Oliveira cita que, em uma abordagem de Sistema Seguro — que admite que o corpo humano é frágil e que todos cometemos erros — existe a possibilidade de serem pensadas infraestruturas que possam “perdoar possíveis erros”.
Implementar medidas moderadoras de velocidade, segundo ele, induz os motoristas a trafegarem mais devagar e, impactando a gravidade das consequências em caso de acidente. Entre as ações nesse sentido realizadas na Capital, ele cita como exemplos:
- Aumento da infraestrutura cicloviária;
- Expansão e melhorias na rede semafórica;
- Extensão de passeios;
- Remodelagem da seção viária;
- Melhoria da sinalização horizontal e vertical;
- Implantação de travessias elevadas e lombadas.
Segundo o coordenador da AMC, apesar da queda no uso do cinto de segurança entre os ocupantes de automóvel, foi entre essas pessoas que houve maior redução de mortalidade no trânsito nos últimos 9 anos.
“Os ocupantes de automóvel representavam 62 vítimas fatais e em 2023 duas mortes foram registradas entre os ocupantes de veículos de quatro rodas. Isso representa uma redução de 96,8%”, afirma. O gestor atribui esse avanço a essa política de moderação.
Riscos à saúde e à vida
Para além da segurança viária e da prevenção de acidentes, o uso do cinto de segurança é uma garantia de cuidado com a vida dos ocupantes do veículo.
Um estudo realizado pelo Observatório Nacional de Segurança Viária e a Seguradora Líder, em 2019, mostrou que 28,3% das vítimas que morreram em sinistros de trânsito não utilizavam o item.
O médico ortopedista Eduardo Vasconcelos avalia que o item “é imprescindível para reduzir a energia com que o impacto entre o corpo, o painel e o volante, por exemplo, vai acontecer”.
“Sem o cinto, há um impacto maior, podendo fazer um trauma de maior repercussão, como fratura mais grave, sangramentos mais importantes, aumentando o risco de morte. O cinto pode proteger, sim, de acidentes fatais e de faturas com maior complexidade”, alerta.
O médico lista, ainda, os traumas mais comuns registrados entre motoristas e passageiros após acidentes de carro.
“São traumas nos membros inferiores e superiores. Mas lesões na cabeça, pescoço e regiões torácica e abdominal também ocorrem com frequência”, lista Eduardo. “Nos membros inferiores, frequentemente ocorrem fraturas”, complementa.
O ortopedista afirma que, nos casos mais graves, “pode haver necessidade de cirurgia, afastamento laboral, limitações e, algumas vezes, até sequelas”.
“A sequela mais comum de um acidente de carro é a dor, tanto em decorrência da contusão como de uma eventual fratura, que pode evoluir para dor persistente. Mas há sequelas mais graves, como amputação de membros devido a fraturas que impossibilitam um tratamento cirúrgico”, alerta o médico.
A melhor alternativa, ele frisa, é a prevenção. “Além do cinto de segurança, é importante ressaltar o respeito aos limites de velocidade das vias: às vezes, o acidente pode ser inevitável, mas se você está numa velocidade menor, as consequências podem ser menores.”
Ao Diário do Nordeste, Saulo Oliveira também falou sobre os impactos das altas velocidades sobre o corpo humano. “Qualquer passageiro sem o cinto será um corpo solto dentro do veículo cujo peso pode ser multiplicado em dezenas de vezes, dependendo da velocidade”, afirma.
As consequências mais drásticas, segundo ele, vão desde a possibilidade de bater partes vitais nas estruturas do veículo até o risco de esmagar outros passageiros ou de ser arremessado para fora do veículo “com uma energia muito superior à que um ser humano pode tolerar”.