PM acusado de Chacina do Curió tem júri desmarcado e processo suspenso após alegar insanidade mental

Outros dois policiais denunciados ainda devem ser julgados no próximo dia 22 de setembro

Escrito por
Emanoela Campelo de Melo emanoela.campelo@svm.com.br
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Legenda: As mães das vítimas e de sobreviventes do massacre reafirmaram a luta por Justiça
Foto: Ismael Soares

A espera de quase 10 anos por um desfecho processual sobre o episódio que ficou conhecido como Chacina do Curió volta a não ter data para acontecer. Nessa terça-feira (9), após pedido da defesa e parecer favorável do Ministério Público do Ceará (MPCE) e da assistência de acusação, a Justiça do Ceará suspendeu o julgamento de Eliézio Ferreira Maia Júnior, um dos policiais militares acusados pelo crime.

Eliézio ia sentar no banco dos réus no próximo dia 22 de setembro, junto aos outros dois últimos denunciados neste processo com julgamento pendente, os PMs Marcílio Costa de Andrade e Luciano Breno Freitas Martiniano. No entanto, o resultado de um exame de sanidade mental mudou o 'rumo processual' quanto a este réu especificamente.

Um laudo oficial atestado pela Perícia Forense do Ceará (Pefoce) diagnosticou Eliézio com transtornos mentais. Mesmo o exame pericial sendo "categórico ao distinguir a inexistência de inimputabilidade ao tempo do fato e a atual incapacidade do paciente para compreender e participar validamente dos atos processuais" o processo para ele foi desmembrado e concedida a ordem para suspender a ação penal.

Em nota, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) pontuou que a decisão foi proferida na 3ª Câmara Criminal e que o júri no dia 22 de setembro permanece agendado para os outros dois acusados.

A defesa de Eliézio Ferreira, representada pelo advogado Régio Menezes, disse ao Diário do Nordeste que "devido à sua séria situação de saúde, constatada por perícia idônea e homologada pelo Juìzo, dentro da previsão legal , notadamente o artigo 152 do Código Processual Penal, que o processo foi suspenso por conta de Habeas Corpus concedido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. A suspensão vale para todos os atos processuais vindouros, inclusive sessão do Júri, e somente cessará quando o meu cliente restabelecer sua saúde mental, onde poderá exercer seu direito de defesa e provar sua inocência".

ENTENDA A DECISÃO

No fim do ano passado, a defesa de Eliézio entrou com o pedido para instaurar incidente de insanidade mental alegando que "o réu, que bem antes da acusação já vinha passando por problemas psiquiátricos, em face dessa acusação, bem como do cárcere, desenvolveu transtornos incuráveis, os quais foram detectados pela perícia da Polícia Militar do Estado do Ceará".

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Conforme o pedido feito em dezembro de 2024, a qual a reportagem teve acesso, Eliézio durante as crises se torna "uma pessoa vulnerável civilmente, com lapsos de memória, episódios esquizofrênicos, e o laudo da incapacidade, lavrado por perito legal do Estado, por si só, já é suficiente para o reconhecimento da inimputabilidade do acusado".

Em julho deste ano, o juiz da 1ª Vara do Júri indeferiu o pedido. Na sequência, a defesa do acusado recorreu para instância superior

O laudo pericial emitido pela Pefoce "descreve um estado de alienação mental grave, marcado por delírios, alucinações auditivas, desorganização de pensamento e comprometimento do juízo crítico, concluindo, de modo expresso, que o paciente se encontra incapacitado para exercer seu direito de defesa e para desempenhar atividade laborativa. Importa destacar, desde logo, que o laudo foi claro ao separar dois momentos distintos. Ao tempo dos fatos, em novembro de 2015, não havia elementos de inimputabilidade, razão pela qual o paciente foi regularmente pronunciado. Todavia, quanto à sua condição atual, o mesmo exame revela a superveniência de transtorno mental grave, o que enseja discussão não sobre a imputabilidade ao tempo da infração, mas sobre a sua capacidade presente de compreender os atos processuais e de participar validamente da própria defesa".

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Legenda: A chacina aconteceu em 2015
Foto: Fabiane de Paula

Ao analisarem o habeas corpus, os magistrados consideraram que "nesse contexto, submeter a julgamento popular um acusado em estado de psicose ativa é reduzir o processo a uma ficção jurídica, transformando-o em mero simulacro de Justiça".

"Prosseguir com o julgamento seria impor ao acusado um ônus incompatível com sua condição atual, além de gerar nulidades insanáveis que poderiam comprometer toda a marcha processual, acarretando desperdício de recursos públicos e insegurança jurídica. Diante desse quadro, a solução que se impõe é reconhecer o constrangimento ilegal e conceder a ordem para suspender a ação penal em relação ao paciente Eliézio Ferreira Maia Júnior, até que se comprove, por nova perícia médica, eventual restabelecimento de suas faculdades mentais"
3ª Câmara Criminal do TJCE

A decisão foi unânime, tendo os desembargadores também determinado nomeação de um curador.

ACUSAÇÕES

A Chacina do Curió aconteceu em dezembro de 2015. 11 pessoas foram assassinadas, a maioria jovens. A propagação de um boato de traição teria sido o primeiro acontecimento de uma série de outros mais violentos e sangrentos, que culminaram no massacre.

O soldado Eliezio Ferreira disse em depoimento que esteve na área do Curió no momento das mortes, porque soube que havia uma ameaça de invasão à casa do soldado Serpa (morto horas antes da chacina), mas apenas ele falou da suposta invasão.

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Sobre Luciano, ele foi indiciado após a investigação concluir que alguns policiais tentaram adulterar as placas de seus veículos para não serem flagrados transitando no local. Perícias foram realizadas e constataram divergências entre números, que haviam sido propositadamente mudados naquela noite, segundo os promotores de Justiça.

De acordo com a denúncia do MPCE, Marcílio Costa de Andrade teria sido o estopim de uma confusão que antecedeu à chacina e teria executado uma pessoa no bairro Curió.

Conforme testemunhas relataram no processo, os bairros Curió e São Miguel estariam vivendo um momento de "tranquilidade" após um "acordo de paz" feito entre os traficantes de drogas da região. No entanto, no dia 25 de outubro de 2015, a "paz teria sido quebrada".

Os PMs foram pronunciados em 1º grau, no ano de 2017. As defesas do trio recorreram da sentença de pronúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF), em agosto de 2023. Em setembro de 2024 o recurso foi negado, com decisão do ministro e relator André Mendonça.

JÚRIS

Luciano e Marcílio devem ir a júri popular a partir do próximo dia 22 de setembro, no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza. Este será o quinto júri relacionado à Chacina do Curió.

Na mais recente sessão ocorrida em agosto de 2025, os sete policiais militares foram absolvidos, são eles: sargento PM Farlley Diogo de Oliveira; cabo PM Daniel Fernandes da Silva; cabo PM Gildácio Alves da Silva; e os soldados Francisco Fabrício Albuquerque de Sousa; Francisco Flávio de Sousa; Luís Fernando de Freitas Barroso e Renne Diego Marques.

Eles estavam distribuídos em três viaturas na madrugada do crime. Respondiam por 11 homicídios, três tentativas de homicídio, três torturas físicas e uma tortura mental.

Pela decisão do júri, tiveram suas medidas cautelares e restrições de direitos revogadas e poderão voltar às ruas — até então, os militares estavam em serviço administrativo.

Poucos minutos após a decisão do júri popular que inocentou os sete policiais militares, as mães das vítimas e de sobreviventes do massacre reafirmaram a luta por Justiça e criticaram a absolvição dos réus: "o que vimos hoje, esses dias, mostra bem como é o sistema e como esse sistema trata as periferias. É dessa forma: se omitindo. Da mesma forma que aqueles policiais se omitiram de impedir mortes e socorrer vidas. Assim é o sistema: se omite", reprovou Silvia Helena Pereira de Lima, mãe de Cícero, um dos sobreviventes, e tia de Jardel, que foi morto na chacina.

VEJA OUTROS RESULTADOS:

Primeiro júri - 20 de junho de 2023

  • Antônio José de Abreu Vidal Filho - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
  • Ideraldo Amâncio - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
  • Marcus Vinícius Sousa da Costa - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
  • Wellington Veras Chagas - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar.

Segundo júri - 29 de agosto de 2023

  • Sargento PM Francinildo José da Silva Nascimento - absolvido de todas as acusações;
  • Sargento PM José Haroldo Uchoa Gomes - absolvido de todas as acusações;
  • Cabo PM Ronaldo da Silva Lima - absolvido de todas as acusações;
  • Cabo PM Thiago Aurélio de Souza Augusto - absolvido de todas as acusações;
  • Soldado PM Gaudioso Menezes de Mattos Brito Goes - absolvido de todas as acusações;
  • Soldado PM Gerson Vitoriano Carvalho - absolvido de todas as acusações;
  • Soldado PM Josiel Silveira Gomes - absolvido de todas as acusações;
  • Soldado PM Thiago Veríssimo Andrade Batista de Moraes -absolvido de todas as acusações.

Terceiro júri - 12 de setembro de 2023

  • Tenente PM José Oliveira do Nascimento - condenado a 210 anos e 9 meses de prisão;
  • Subtenente Antônio Carlos Matos Marçal - teve um crime desclassificado para a Vara da Auditoria Militar e foi absolvido pelos outros;
  • Sargento PM Clênio Silva da Costa - absolvido;
  • Sargento PM Francisco Helder de Sousa Filho - absolvido;
  • Sargento PM José Wagner Silva de Souza - condenado a 13 anos e 5 meses de prisão;
  • Sargento PM Maria Bárbara Moreira - absolvida;
  • Cabo PM Antônio Flauber de Melo Brazil - absolvido;
  • Soldado PM Igor Bethoven Sousa de Oliveira.

Quarto júri - 31 de agosto de 2025

  • Sargento Farlley Diogo de Oliveira - absolvido de todas as acusações 
  • Cabo PM Daniel Fernandes da Silva - absolvido de todas as acusações 
  • Cabo PM Gildácio Alves da Silva - absolvido de todas as acusações 
  • Soldado Francisco Fabrício Albuquerque de Sousa - absolvido de todas as acusações 
  • Soldado Francisco Flávio de Sousa - absolvido de todas as acusações 
  • Soldado Luís Fernando de Freitas Barroso - absolvido de todas as acusações 
  • Soldado Renne Diego Marques - absolvido de todas as acusações 

QUEM SÃO AS VÍTIMAS DA MATANÇA:

  • Álef Souza Cavalcante, morto aos 17 anos;
  • Antônio Alisson Inácio Cardoso, morto aos 16 anos;
  • Francisco Elenildo Pereira Chagas, morto aos 40 anos;
  • Jardel Lima dos Santos, morto aos 17 anos;
  • Jandson Alexandre de Sousa, morto aos 19 anos;
  • José Gilvan Pinto Barbosa, morto aos 41 anos;
  • Marcelo da Silva Mendes, morto aos 17 anos;
  • Patrício João Pinho Leite, morto aos 16 anos;
  • Pedro Alcântara Barroso do Nascimento Filho, morto aos 18 anos;
  • Renayson Girão da Silva, morto aos 17 anos;
  • Valmir Ferreira da Conceição, morto aos 37 anos.

 

 

 

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