Depois de mais de quatro anos fora de circuito, o espetáculo “Diga que você está de acordo! MÁQUINAFATZER”, do grupo Teatro Máquina, volta aos palcos neste mês, em curta temporada, no Teatro Dragão do Mar. As apresentações ocorrem nos dias 23, 24 e 25 de julho e fazem parte da comemoração de 10 anos da peça, baseada em textos inacabados do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht que ficaram conhecidos como Material Fatzer.
Com direção e produção de Fran Teixeira, fundadora do Teatro Máquina, o espetáculo conta a história de quatro soldados desertores da Primeira Guerra Mundial que estão enclausurados em uma casa e utiliza fragmentos do texto original de Brecht para criar uma narrativa própria. O elenco é formado pelos atores Fabiano Veríssimo, Felipe de Paula, Levy Mota, Loreta Dialla e Márcio Medeiros, que desde o início fazem parte da montagem.
O projeto nasceu da pesquisa de doutorado de Fran e se tornou realidade a partir da participação do coletivo na primeira turma do Laboratório de Teatro da Escola Porto Iracema das Artes, em 2013. Entre 2014, ano de estreia, e janeiro de 2020, data da última apresentação, MáquinaFatzer ganhou prêmios e circulou por cidades do Nordeste e do Norte.
Neste mês, além das apresentações, a temporada comemorativa terá duas atividades relacionadas ao projeto – um bate-papo com o grupo e o diretor argentino Guillermo Cacace, que foi tutor do Teatro Máquina no Laboratório, e uma aula-aberta sobre Práticas Autorais Situadas, também com Cacace. As duas iniciativas são gratuitas e ocorrem na Escola Porto Iracema, no dia 26 de julho.
Reflexões sobre a guerra demonstram atualidade da obra brechtiana
Em 2014, ano da estreia de MáquinaFatzer, Israel lançou uma das mais violentas ofensivas contra a Faixa de Gaza até então, matando milhares de palestinos. A triste coincidência de retomar um trabalho cênico que fala sobre os males da guerra em um momento em que parte do mundo está envolta em graves conflitos – como a guerra na Ucrânia e os constantes ataques de Israel ao povo palestino – é pontuada pelo ator e produtor Levy Mota, que vive um dos soldados no espetáculo.
Levy, que hoje também coordena o Laboratório de Teatro da Porto Iracema, destaca que a peça o fez entender o teatro de outra forma, “como uma experiência essencialmente política”. Por isso, para o artista, é relevante renovar o olhar sobre Fatzer.
“Hoje a gente vive uma série de guerras, de massacres”, pontua Levy. “É quase uma nova Guerra Fria, e por isso a gente viu que fazia muito sentido fazer o Fatzer hoje, porque é um espetáculo que fala sobre violência, sobre o que a guerra deixa para as pessoas, como a guerra transforma corpos, vidas”, destaca.
No palco, figurino e cenário complementam a visão dos horrores da guerra e os atores se tornam, eles mesmos, fragmentos. “A gente traz essa dimensão do fragmento para o corpo. São corpos destruídos, mutilados, e as ações também são fragmentadas”, pontua Levy.
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”A gente não quer mostrar uma peça de museu. Não interessa pra gente um material congelado, que foi uma marca de um tempo, que não diz mais muita coisa hoje. E a primeira coisa que a gente entendeu é que o teatro evolui, se transforma com o tempo naturalmente, porque são nossos corpos ali – e nós não somos os mesmos de quatro anos atrás."
A diretora Fran Teixeira, que se debruça sobre os fragmentos de Fatzer desde 2009, destaca que o personagem-título traz elementos essenciais dentro da obra brechtiana. “A gente escolheu trabalhar as cenas [do texto] dentro da casa, mas o Fatzer é justamente a figura que sempre atravessa esse limite, que tem coragem ou é maluco demais para sair”, comenta. “Ele compõe o tipo de figura que Brecht chama de ‘associais’, uma figura da qual a gente pode aprender algo”.
Apesar de terem sido escritos entre 1926 e 1931, os fragmentos do dramaturgo alemão ainda “guardam atualidade” pela infeliz relação com o presente, destaca a diretora. “A gente ainda precisa lidar com essas questões que permanecem abertas porque a gente, como humanidade, não consegue pensar em outras saídas”, afirma.
“É função do nosso trabalho no teatro apresentar isso como uma ferida, como uma questão em aberto, infelizmente. Isso a gente não comemora. O que a gente celebra, de algum jeito, é a nossa insistência, como grupo, de poder voltar ao material e ele ainda fazer sentido”, completa.
O impacto da política cultural na “vida” de uma peça
A artista destaca que só foi possível voltar aos palcos com MáquinaFatzer porque, nas temporadas anteriores, as políticas públicas fizeram o espetáculo ser possível. Muito do figurino e do cenário seguiam de pé ou conseguiram ser reformados, segundo ela, porque houve investimento para que eles fossem feitos com qualidade.
“A gente só consegue voltar ao trabalho porque, na época, a gente conseguiu esse recurso”. Entre os prêmios e editais que viabilizaram a peça estão o Prêmio Funarte 2014 e um prêmio de circulação financiado pela Petrobras. “Pra gente, conseguir essa pauta de três dias no Dragão foi muito importante. Permanecer em cartaz é uma política essencial para a permanência dos grupos e sofisticação dos projetos”, destaca.
Após a temporada comemorativa, Fran destaca que o grupo espera circular por outros palcos com MáquinaFatzer – além de seguir com outros projetos, como um espetáculo infantil e um novo projeto voltado para o público adulto, ainda sem data para sair do papel.
O objetivo é fazer com quem já viu o espetáculo possa reassisti-lo e, claro, chegar a novos públicos. “A gente não parou para ver isso ainda, mas devido ao esforço de recuperá-lo, especialmente pelas novas questões que surgiram, a gente espera que surjam outros convites e a gente possa continuar”, conclui.
Serviço
Espetáculo “Diga que você está de acordo! MÁQUINAFATZER” – Temporada comemorativa 10 anos
Quando: 23, 24 e 25 de julho, às 19h30
Onde: Teatro Dragão do Mar (rua Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema)
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada) | Vendas no Sympla, neste link
Bate-papo com Guillermo Cacace e o Teatro Máquina
Quando: 26 de julho, às 16h
Onde: Auditório da Escola Porto Iracema das Artes (rua Dragão do Mar, 160 - Praia de Iracema)
Entrada franca
Aula-aberta “Práticas Autorais Situadas”, com Guillermo Cacace
Quando: 26 de julho, às 18h
Onde: Auditório da Escola Porto Iracema das Artes (rua Dragão do Mar, 160 - Praia de Iracema)
Entrada franca