Após um hiato de dois anos, o Festival Rock Arte volta a ocorrer em Fortaleza no próximo sábado (08), desta vez no Espaço Rogaciano Leite Filho, no Dragão do Mar. A terceira edição do evento, que conta com shows de três bandas autorais cearenses de rock, tem acesso gratuito e espera receber cerca de 300 a 400 pessoas – mas é parte de uma movimentação mais ampla, que demonstra uma demanda reprimida no mercado de eventos musicais na Capital.
Só no mês de maio, além da nova edição do Rock Arte, foram anunciados dois novos festivais dedicados ao gênero musical na Cidade: o Eu Quero Rock, que será realizado no dia 3 de novembro, e o We Will Rock You, que ocorre no dia 9 de novembro.
Ambos chegam ao mercado ainda tímidos, com poucas atrações – até agora, o primeiro terá CPM 22 e Di Ferrero, e o segundo, Titãs e Biquini –, mas têm em comum a vontade de resgatar a tradição de festivais especializados e a aposta em headliners com público cativo no Ceará.
Para os próximos meses, estão previstas ainda novas edições do festival Forcaos, evento que já faz parte do calendário da Capital e realiza sua 25ª edição em julho, e do Ponto.CE, que fez sucesso por mais de uma década e deve retornar em novo formato no segundo semestre deste ano.
Os produtores a frente das iniciativas se dizem impulsionados, principalmente, pela paixão pelo rock, mas também pelo sucesso recente de shows que têm a nostalgia como ingrediente principal – a exemplo do I Wanna Be Tour, festival de emocore e pop punk que ocorreu em cinco capitais brasileiras em março deste ano, e da série de turnês de reencontro que diversas bandas têm feito nos últimos anos.
Em entrevista ao Verso, eles contam os diferenciais de cada evento, analisam a cena de rock autoral em Fortaleza e dividem os desafios que artistas e produtores voltados para o gênero ainda enfrentam para manter a cena ativa.
Rock Arte e o Ceará “além do humor e do forró”
Um dos mais recentes festivais voltados para o rock na Capital, o Rock Arte começou em 2021, no momento do retorno gradual de eventos durante a pandemia. Idealizado pelo psicanalista Lauro Caracas, que também é baixista da banda de hardcore Old Friends, o evento é realizado de forma independente e busca unir a música a outras formas de arte, como o grafite.
“O festival veio também para a gente resgatar o rock, porque a gente ficou muito saudoso na pandemia e, mesmo antes, a galera já sentia falta de um espaço para o rock”, explica Lauro. Nas primeiras edições, o evento aconteceu no Theatro José de Alencar; agora, chega ao Dragão com o intuito de reunir entusiastas e formar novo público.
“É um festival para toda a família. A ideia é: se você é roqueiro, pode ir e levar a família inteira”, brinca. Na curadoria, bandas que estão começando e bandas com mais tempo de estrada, promovendo um intercâmbio de gerações e contatos.
“A gente quer mostrar que o rock ainda está vivo e que podemos unir vários estilos diferentes, além de trazer outros públicos, como o da poesia, o da dança. E mostrar as bandas autorais daqui, porque tem muitas bandas boas, mas na nossa cidade não tem tanto espaço pro autoral”, destaca Lauro.
Para o músico e produtor, há um desinteresse por parte de restaurantes, bares e casas de show em relação ao rock feito no Ceará. “Há locais que só querem banda cover. Nem conversam, nem querem ouvir a proposta”, lamenta. Por isso, o circuito de shows de rock de bandas locais fica restrito aos poucos bares dedicados ao nicho, como o Casarão Benfica, o Esconderijo e o Covil.
A gente quer mostrar para a sociedade que tem coisa bem feita aqui além do humor e do forró.
Outra parte do problema, segundo Lauro, é que o rock de fato perdeu espaço para outros estilos, como acontece com frequência no mercado da música. “O pessoal do rock foi envelhecendo e não quer mais sair de casa pra ir pra show. A galera mais jovem não conhece tantas bandas de rock. Nosso intuito é trazer novas gerações, bandas, novas letras, porque o rock não pode ficar fechado, a gente tem que se abrir também”, completa.
Mesmo fazendo o festival “por amor”, “tirando do bolso”, Lauro é esperançoso quanto ao futuro do gênero na Cidade. A movimentação que faz um festival como o Rock Arte acontecer, explica, já é demonstração de que “o rock tá dando certo”.
Prova disso é que o evento já negocia uma edição especial em Recife, com um line-up que inclua bandas do Ceará e de Pernambuco. “Aqui, nossa ideia é fazer todo ano, mas surgindo propostas de empresas e apoiadores, o festival pode crescer e ter mais edições”, conclui.
Forcaos e a força da união entre as bandas
Completando 25 anos em 2024, o Forcaos é exemplo da resistência da cena autoral cearense. Criado como alternativa ao Fortal, o evento é realizado pela Associação Cultural Cearense do Rock (ACR) e viu no networking entre bandas e na parceria com entes públicos e privados a possibilidade de crescer e atingir novos públicos.
Anualmente, cerca de 20 bandas – a maioria de Fortaleza e da Região Metropolitana – se apresentam em diversos equipamentos culturais da Capital – todas autorais e focadas nos estilos de rock considerados menos comerciais, como metal e hardcore.
“Os mais estigmatizados, que têm pouco espaço dentro das casas, o festival abraça”, detalha o produtor Amaudson Ximenes, idealizador do Forcaos e fundador e guitarrista da banda Obskure, uma das que se apresenta na programação.
Neste ano, o evento ocorre entre 12 e 29 de julho e conta também com programação de esportes, com atividades radicais e uma bicicletada no Parque Araxá, bairro que Amaudson considera “fundamental” para a cena de rock de Fortaleza, pelo número de bandas que ali surgiram e a tradição boêmia da região.
Um dos veteranos do rock cearense – a Obskure, banda que fundou, completa 35 anos em 2024 –, Amaudson avalia que a cena local é “igual a fogo de monturo”: diminui, mas não apaga. “Existem altos e baixos, mas é uma cena forte, conhecida nacionalmente”, destaca.
O músico explica que, ainda que o público do rock tenha envelhecido, novos entusiastas continuam a chegar. “Uma característica forte do rock e do metal é que atravessa gerações; agrega as pessoas, os grupos sociais. É uma cena longeva e autêntica, sobrevive por conta da autenticidade”, completa.
Para Amaudson, um diferencial local é o caráter associativo das bandas, que se organizam para que todas tenham espaço e o movimento permaneça vivo. “Outra característica é que as políticas de cultura avançaram e o estilo consegue estar nesses espaços”, explica.
A edição que marca os 25 anos do Forcaos, no entanto, será feita a partir de parcerias e redução de custos “para conseguir encaixar”. “A gente usa o alfabeto inteiro: começa no plano A e termina no Z, mas não termina de fazer”, afirma Amaudson.
Nas últimas edições, outras adaptações foram necessárias. Redução do número de bandas por noite e antecipação de horários dos shows como medida de segurança foram algumas delas.
“Acho que a gente tem que ser otimista, senão não consegue fazer. A nossa cena é uma cena diferenciada, forte. Diminui, mas não acaba. Apesar dos poucos espaços, a turma inventa, vai se transformando”.
Novos festivais apostam na fidelidade do público
Experiente no mercado de eventos de rock, o produtor Fabrício Moreira é o nome por trás do Underground Metal Fest, que há 11 anos reúne bandas locais, nacionais e internacionais de metal. Mais recentemente, no entanto, ele decidiu criar um festival que contemplasse outros públicos: um line-up com atrações de rock mais próximas ao hardcore e ao emocore, que suprisse a demanda nostálgica de shows de bandas que fizeram sucesso nos anos 2000 e 2010.
Dessa vontade surgiu o Eu Quero Rock, festival realizado pela Vibe Music que ocorre pela primeira vez em 3 de novembro deste ano. O evento terá como headliners CPM 22 e Di Ferrero, conhecido pela trajetória como vocalista do NX Zero, além da banda cearense Backdrop Falls. Outras duas atrações ainda serão divulgadas.
"É uma mistura que se conecta a essa volta do emo. Ao todo, serão cinco atrações, num formato mais 'pé no chão', por ser a primeira atração", explica Fabrício. "A ideia é sentir como o pessoal vai reagir, porque o pessoal ainda sente muita falta de eventos como o Ceará Music", pontua.
Caso a ideia prospere, o produtor já pensa em uma segunda edição mais robusta para 2025. "Temos vários festivais anuais, mas não são voltados para o rock, eles misturam vários estilos ali dentro. Esse é mais voltado para o rock, porque a gente tá muito carente disso", explica.
Se você for a um evento de forró, de sertanejo, você vai ver as maiores empresas apoiando. A gente não tem apoio de nada, mas o rock é feito mais pela coragem, sempre foi assim.
Para avançar, é preciso entender como o público desse gênero se modificou ao longo dos anos, e que cada estilo de rock tem suas características. No metal, por exemplo, há sempre demanda, ainda que reduzida; é preciso que haja eventos frequentes, pois o público costuma ser fiel e frequentar apenas eventos do gênero, diferente do que ocorre com estilos de rock mais populares.
Nestes, a dificuldade é outra: como o gosto é segmentado, há também quem vá "pela moda". "Manter um evento é muito difícil. Ideia a gente tem muitas, mas o público é muito 'modista'. Quando o rock está bombando ele está lá, mas tem que ficar conquistando. Mas é aquele ditado, o rock nunca morre. Sempre vai ter um revival”, explica Fabrício.
Apesar da esperança na vivacidade do gênero, o produtor destaca que é preciso entender o público e o teto de investimentos ao realizar um evento de rock em Fortaleza. "O melhor a se fazer é trabalhar com algo mais enxuto e pé no chão. Até o Lollapalooza esperava um público neste ano e não veio o esperado", pontua. "Aqui, vejo que tem uma estrutura para certo tamanho [de evento], se passar dali fica mais arriscado", completa.
Outro evento que aposta na programação enxuta e na fidelidade do público é o festival We Will Rock You, que ocorre em 9 de novembro e anunciou como atrações principais as bandas Titãs e Biquini. O evento é o primeiro de rock da empresa Lan Produções, que costuma realizar eventos de outros gêneros, como MPB e música infantil.
Diretor da produtora, Cláudio Lan conta que a ideia do evento surgiu do sucesso de turnês de grandes bandas nacionais em outros estados. "A gente analisou outras cidades onde eles fizeram shows juntos e sempre foi um sucesso absoluto", explica.
Quando surgiu a oportunidade de fechar uma data com as duas bandas, então, o empresário não teve dúvidas – esse foi, aliás, o maior desafio para fechar o evento. "As bandas estão todas com agendas lotadas. Tem atração que não tem mais data em 2024, só em 2025. Aí você vê a força das atrações", destaca.
Outro ponto citado pelos empresários do ramo é a dificuldade para encontrar casas de show que comportem público e ofereçam estrutura para shows. O We Will Rock You, por exemplo, inicialmente seria realizado na barraca Barong, mas mudou para a barraca Santa Praia por uma questão estrutural.
Apesar de dificultar, o número reduzido de casas de show não é empecilho suficiente para a tendência de novos shows e eventos, afirma Cláudio. "Da pandemia pra cá, não só o rock, mas todos os estilos voltaram com força total. O mercado está na ativa, crescendo a cada dia que passa, não só em Fortaleza, mas também em outros estados", conclui.
Da era de ouro aos novos formatos
Um dos que mais contemplou o público de rock durante a "era de ouro" do rock dos anos 2000, o festival Ponto.CE retorna a Fortaleza no segundo semestre de 2024 – mas com as adaptações necessárias para retomar fôlego.
Criado em 2006, o evento não se limitou ao rock, mas deu protagonismo a bandas locais e regionais do gênero, como Switch Stance, Jumenta Parida e Selvagens à Procura de Lei, além de trazer grandes nomes de diversos estilos de rock para a Capital, como Sepultura, Bad Religion e Marky Ramone, fazendo um intercâmbio cultural e promovendo conexões entre artistas.
Ao longo dos anos, o festival cresceu e se consolidou; o movimento, no entanto, arrefeceu após 2018, ano em que a última edição tradicional do evento ocorreu. Em 2020, durante a pandemia, uma edição on-line do festival foi feita; em 2022, um evento híbrido, com shows no Cineteatro São Luiz.
Só neste ano, com a captação de recursos via Lei Paulo Gustavo, o evento conseguirá retomar as atividades de forma presencial. Ainda não há datas nem atrações confirmadas, mas o diretor do festival, Rafael Bandeira, confirma que o Ponto.CE será feito em um novo formato.
"Há um limite em termos orçamentários. Por isso, vamos mudar um pouco o conceito do festival, adaptá-lo à realidade financeira", explica. "A Lei Paulo Gustavo ajudou muito alguns festivais, mas obviamente não tem como abarcar todos os eventos que existem, não só em Fortaleza, mas de maneira geral". Uma certeza, explica Rafael, é que a programação contará com bandas de rock cearenses.
Questionado sobre as mudanças no público e as novas formas de consumo de música, Rafael explica que há uma dualidade no debate, não apenas um lado bom ou ruim. "O 'estar em alta' é algo muito rotativo e faz parte do mercado da música. O rock já esteve em alta, mas nos momentos em que não esteve em evidência ele sempre teve vida própria, assim como outros gêneros. Os gêneros não precisam estar em alta para sobreviver", pontua.
O movimento continua, especialmente, porque as bandas continuam produzindo – e os fãs seguem interessados. "As bandas não deixaram de compor, gravar, trabalhar na carreira. E isso só é possível porque existe alguém que consome essa música. O momento é delicado, mas isso não quer dizer que o rock ficou totalmente pra trás", afirma Rafael.
Fortaleza sempre foi uma cidade muito rock 'n' roll, mesmo com suas limitações, mesmo não sendo o gênero tradicional da cidade. As rádios não tocam tanto, as casas de shows optam por uma programação diferente, mais covers, mas sempre existiu, sempre teve um peso. É uma parte muito significativa na música da cidade.
Serviço
Festival Rock Arte
Quando: 8 de junho
Horário: 16h às 21h
Onde: Espaço Rogaciano Leite Filho - Dragão do Mar (R. Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema)
Atrações: Old Friends HC, Rock4, Roger Capone e Os Planárias, Tannat, DJ Dudu Madeira e Lorinho Grafitti
Ingressos: Acesso gratuito
Mais informações: @festivalrockarte
Festival Forcaos
Quando: 12, 13, 20 e 29 de julho
Onde: Centro Cultural Bom Jardim, Centro Cultural Banco do Nordeste, Hub Porto Dragão e Vila das Artes
Atrações: Ainda não divulgadas
Ingressos: Acesso mediante doação de 1kg de alimento não-perecível
Mais informações: @forcaos
Underground Metal Fest
Quando: 21 de setembro
Horário: 20h
Onde: Jam Rock (R. dos Tabajaras, 402 - Praia de Iracema
Ingressos: Pista - R$ 140 (inteira) / R$ 80 (promocional - limitado) / R$ 70 (meia-entrada) | Vendas no site Bilheto
Mais informações: @underground_producoes_
Eu Quero Rock
Quando: 3 de novembro
Horário: A partir das 17h
Onde: Pirata Bar (R. dos Tabajaras, 325 - Praia de Iracema)
Atrações: CPM 22, Di Ferrero e Backdrop Falls
Ingressos: Pista - R$ 200 (inteira) / R$ 120 (inteira social) / R$ 100 (meia-entrada) | Camarote: R$ 280 (inteira) / R$ 150 (inteira promocional - limitado) / R$ 140 (meia-entrada) | Vendas nas lojas Galery Tattoo Rio (RioMar Fortaleza), Jazigo Loja & Distro e Planet CDs e no site Bilheto
Mais informações: @eu_quero_rock_
We Will Rock You
Quando: 9 de novembro
Horário: 22h
Onde: Barraca Santa Praia (Av. Zezé Diogo, 3343 - Antonio Diogo)
Atrações: Titãs e Biquini
Ingressos: Front "Vento Ventania" - R$ 200 (inteira) e R$ 100 (meia-entrada) / Lounge "Flores" - R$ 300 (inteira) e R$ 150 (meia-entrada) | Vendas no site Bilheteria Digital
Mais informações: @lanproducoes
Festival Ponto.CE
Quando: Segundo semestre de 2024
Local e atrações ainda serão divulgados
Mais informações: @pontoce