"Não dá pra fazer atividade física de calças jeans". A sentença parece até óbvia, mas é um desabafo de quem não encontra roupas adequadas para a prática de exercício com facilidade. A consultora de estilo cearense Elaine Quinderé trabalha incentivando e empoderando mulheres gordas por meio da moda, e, mesmo trabalhando no meio, enfrenta diversas dificuldades no vestir.
Nesta semana, Elaine publicou um relato nas redes sociais expondo essa falta de acessibilidade. “Minha busca envolve muito mais que o valor que eu pago, envolve uma preparação prévia enorme, porque moro no Nordeste, e uma ansiedade enorme em torno disso tudo, coisa que pessoas magras dificilmente vão entender o que é”, exclamou.
O vídeo já tem quase 5 mil visualizações e vários comentários de pessoas que se identificam com a situação. O que chega até a ser irônico.
A grade não contempla
Segundo Elaine, encontrar peças adequadas é a maior dificuldade, já que a maioria das marcas não investe em tamanhos maiores. “Até existe o GG, mas a partir de um determinado tamanho, não cabe mais em muita gente”, explica em entrevista ao Diário do Nordeste.
“Há uma falta de entendimento sobre corpos maiores, pra poder fazer algo legal pra aquele corpo. Ter uma variedade maior de cores, uma modelagem interessante, um caimento bom, não só fazer uma roupa que cabe e ponto”, alega.
A cearense pontua ainda que é complicado exigir essa expansão de pequenos negócios, pois é algo oneroso. É preciso, portanto, cobrar das grandes lojas.
“Não dá pra eu ir ao shopping e ir em lojas de fast fashion e achar roupas do meu tamanho. Isso já é uma dificuldade com roupas comuns, moda fitness é ainda pior”, acrescenta Elaine.
Mercado centralizado
Outro problema apontado pela consultora é a centralização de lojas plus size nas regiões Sul e Sudeste, o que dificulta ainda mais a compra, já que o custo do frete é alto e há a demora da entrega.
“Eu falo que se assaltarem minha casa e levarem todas as minhas roupas, vai levar no mínimo 20 dias pra eu me vestir de novo”, brinca Elaine.
Privação de acesso
Se estar fora do padrão corporal é sinônimo de descaso com a saúde, como então pessoas gordas frequentam esses espaços se não há acesso ao básico? “Todos os corpos têm demandas diferentes, corpos maiores têm necessidades específicas, precisam de sustentação, então não é só aumentar a grade. Quando não tem, você não faz”.
“Ser gorda é um atentado à saúde, mas não temos os caminhos. Não dá pra fazer atividade física de calça jeans, por uma questão de conforto. Peças fitness é algo muito específico e, se aperta demais ou marca e enrola, fica muito difícil de se movimentar”, afirma.
Praticante de atividade física desde a infância, a influencer Carol Zacarias vive a mesma situação e aponta: "pessoas gordas são invisibilizadas e consideradas incapazes de fazer qualquer exercício. É hipocrisia dizer que precisamos nos exercitar quando não nos permitem fazer isso"
Enquanto consultora de estilo, Elaine acredita que a moda é identidade e o que vestimos fala muito sobre quem nós somos. E é, de fato: quando vestimos uma roupa legal, a autoestima fica 'lá em cima'. O que é até fator crucial, especialmente, nessas situações e espaços, em que o culto ao corpo sarado é maior que qualquer coisa.
“Você vê meninas magras com roupas legais, cores legais, modelagens diferentes e você se sente vestindo sempre a mesma coisa. Isso, pra mim, faz parte da motivação, é uma questão de bem-estar e de se sentir parte daquilo. Você não acha roupas do seu tamanho e você não se sente bonita com aquela roupa e isso influencia muito”, sentencia Elaine.
Porém, como exprimir tudo isso se não há opções?
'E faz como?'
Uma alternativa, segundo Elaine, é mandar fazer as próprias peças ou adquirir as especiais, no entanto, o custo envolvido é alto, o que torna ainda mais excludente. "Quando eu fiz aquele relato nas redes sociais, veio um mundo de gente falar que não tem como pagar o frete, que não acha em lojas maiores. Elas não podem se vestir, então como fica?", questiona.
Também na saga de encontrar 'lookinhos' confortáveis de academia, Carol passou a compartilhar com seus quase 30 mil seguidores no Instagram (@carolzacaa) os dilemas e o "dolorido processo" dessa busca.
"Eu até me emocionei quando encontrei um short de corrida que ficou até frouxo em mim, eu sempre quis ter uma peça dessa minimamente fashionista. Mais de 20 pessoas foram comprar o mesmo short. Foi um processo doloroso, mas gratificante, porque resolvi o problema de outras pessoas também", relata.
A discussão é antiga e contempla milhares de pessoas que se identificam com as vivências das duas. Mas uma coisa é certa: é preciso falar.
OUÇA O PODCAST "DIZ, MULHER" COM PARTICIPAÇÃO DE ELAINE QUINDERÉ: