Projeto cearense completa 10 anos ofertando ações gratuitas de improvisação em dança

Intitulado “Temporal”, projeto de extensão do curso de Dança da UFC celebra aniversário com várias atividades; percurso formativo começa nesta terça-feira (27)

O corpo é o instrumento por meio do qual compreendemos o mundo. Assim, valorizar processos que permitam o conhecimento de si a partir da alteridade – uma vez que o indivíduo se fortalece em uma perspectiva coletiva – é fundamental para pensarmos a sustentabilidade das relações humanas, intrínsecas aos ambientes do fazer artístico.

É com essa filosofia acerca de própria atuação enquanto pessoa, professora e multiartista que Ana Mundim observa o campo da dança. O segmento ao qual ela se dedica há décadas se espraia entre diversas iniciativas em solo cearense, sendo o projeto Temporal aquele que Mundim volve os olhos com maior afinco neste exato momento, quando a iniciativa completa dez anos permeada por uma vastidão de atividades.

Em parceria com o Theatro José de Alencar, a Casa de Cultura Alemã e o Instituto Goethe, o X Temporal - Encontros de Improvisação e Composição em Tempo Real dá início ao roteiro de ações nesta terça-feira (27), sendo este o primeiro dos cinco percursos artísticos focados na improvisação em dança e na convivência de pessoas a partir de vários diálogos estabelecidos, envolvendo trocas de saberes entre a universidade e a comunidade.

Os participantes devem ter acima de 18 anos e trazer consigo o desejo de dançar a partir das próprias experiências corpóreas, além da disponibilidade de atuar em coletividade. As pessoas que conduzirão as ações trarão suas perspectivas de estudos em improvisação para serem compartilhadas, discutidas e vivenciadas como dispositivos de interação com os saberes trazidos pelos corpos de quem chegar junto.

“É urgente que voltemos a nos despertar para a sensibilização, a escuta, a capacidade de diálogo e a revolução por meio da poesia. A arte nos convida a um outro tempo de atenção, ao estado de curiosidade pelo outro e pelos detalhes”, reflete Ana Mundim, também docente dos cursos de Dança da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenadora do evento em questão, junto a Pablo Assumpção.

A ação integra um projeto de extensão da UFC por meio da formação em dança, abarcando todas as minúcias dos processos.

Em entrevista ao Verso, Mundim conta que a ideia do percurso formativo nasceu da proposta de trazer à edição do evento deste ano artistas e pesquisadores que já tivessem passado pela história do projeto ao longo de seus 10 anos de existência – efeméride também celebrada pelos cursos de Dança da UFC.

“Produzimos um catálogo de ações possíveis e fomos abraçados pelas parcerias do Theatro José de Alencar, a Casa de Cultura Alemã e o Instituto Goethe. Em diálogo com a Produção Cultural do Instituto de Cultura e Arte (ICA) e o Theatro José de Alencar, delineamos o percurso formativo almejando fortalecer o acesso a diversas práticas de improvisação em dança, de forma gratuita, ofertando uma certificação pela Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Ceará, para aqueles que frequentarem no mínimo 75% das ações deste percurso”, detalha.

São ofertadas, no total, 30 vagas com direito à certificação. As inscrições podem ser feitas a partir de link postado na bio do perfil do Temporal no Instagram, sempre no primeiro dia de cada momento. Para o percurso formativo, a inscrição é por ordem de chegada, a começar pela oficina iniciada hoje. 

Também é possível conferir as atividades ao vivo – embora sem emissão de certificação – por meio de transmissão pelo canal do YouTube do projeto e também do Theatro José de Alencar.

Múltiplos percursos

Iniciativa de caráter artístico e pedagógico, o Temporal é dividido em três áreas macro de atuação: Temporal Fomenta, Temporal Convida e Temporal na Rede. O primeiro estimula estudantes dos cursos de graduação da UFC a compartilharem seus processos de investigação com o público, por meio de aulas e/ou experiências artísticas. 

Por sua vez, o Temporal Convida produz intercâmbios com artistas profissionais nacionais e internacionais para aprofundamento de discussões acerca da improvisação e da composição em tempo real.

Já o Temporal na Rede mantém produção de conteúdo no Instagram que estimule processos práticos de improvisação, discutindo questões acerca do tema e promovendo a interação entre os conhecimentos produzidos dentro e fora da universidade.

Foi por meio dessa estrutura que a programação geral da edição comemorativa de 10 anos do projeto se alicerçou, com planejamento de vigorar até dezembro deste ano. “O percurso formativo é composto por oficinas mais curtas e apenas uma residência mais prolongada, todas ações de caráter remoto, que trazem aos participantes pílulas de improvisação para que, no montante das ações, eles tenham formado esse caleidoscópio de vivências”, sublinha Mundim, ao mesmo tempo destrinchando cada um dos outros percursos.

O de residências, por exemplo, é uma oportunidade presencial de intensificar os trabalhos e aprofundar-se em um percurso mais intensivo, combinado com criação. Já o percurso criativo é focado para a composição de um trabalho de improvisação a ser apresentado em público, envolvendo egressos dos cursos de Dança e profissionais de Fortaleza, Sobral e do Cariri. 

Por sua vez, o percurso da farra é a produção do encontro dançado no diálogo com a moda e a festa, a convivência em estado comemorativo, na aproximação das relações e do entendimento das individualidades dentro da coletividade na pulsão de vida cotidiana. E, por fim, o percurso da fruição é a possibilidade de tomar contato com trabalhos produzidos a partir da improvisação ou trabalhos de composição em tempo real, a fim de vislumbrar essa etapa do processo formativo que é a cena. 

“A divisão em percursos é um modo didático de compreendermos prismas de um processo pedagógico integrado que inclui a experiência corpórea em níveis de aprofundamento distintos, em suas dimensões ética, estética e política. Portanto, eles se cruzam entre si, permitindo que as pessoas que queiram mergulhar nas pesquisas em improvisação tenham acesso a uma gama de ações que contribuam para isso".
Ana Mundim
Multiartista, docente dos cursos de Dança da UFC e coordenadora do X Temporal

Batalha coletiva

Indagada sobre a relevância dos cursos de Dança da UFC e do projeto Temporal neste instante em que ambos celebram a primeira década de existência, Ana Mundim destaca que tudo nasceu a partir de uma batalha coletiva travada por artistas, pesquisadores e docentes de Fortaleza, sendo gerado pela, para e com a cidade.

“A conquista da inserção e manutenção de um curso de Bacharelado e um de Licenciatura no estado do Ceará é um marco na formação em Dança, na ampliação da produção de saberes nessa área, na afirmação da Dança como campo de conhecimento e da criação artística como produção científica e acadêmica”.

Segundo ela, o projeto Temporal é apenas uma parte dos cursos de Dança da Universidade, que ainda mantém diversos outras iniciativas, a exemplo de Midiadança, Formigueiro, Improvisa, Seminário Dança Educação, Laboratório Abrigos Sensíveis, Grupo de Pesquisa Dramaturgia do Corpoespaço, Grupo de Estudos em Dramaturgias do Corpo, Grupo de Estudos Poéticas da Performatividade, Coletivo Areia, Grupo de Pesquisa Concepções Corpo em Cena - Dança Infância, Projeto Repiração e(m) movimento, entre outros. 

O fato de o Temporal ser um projeto tão acolhido nos âmbitos estadual e nacional, de acordo com a coordenadora, traz à equipe a certeza da importância que as práticas de improvisação têm como possibilidade de promover afetos, diálogos e transformações individuais e sociais, na medida em que coloca indivíduos em estado disponível para a convivência.

“Hoje temos não apenas pessoas que passaram pelo projeto, mas também pela nossa formação universitária que atuam como artistas, docentes, pesquisadores dentro e fora do Estado. E também há relatos de quem chegou ao nosso curso pelo projeto. Então, é de suma importância que se garanta a manutenção desses espaços de estudo e produção artística, em uma perspectiva pública e democrática, se desenvolvendo cada vez mais para acolher corpos e corpas com realidades e configurações distintas”, defende Ana Mundim.

Movidos pela convivência

Não sem motivo, a palavra que move tanto essa edição comemorativa como todo o projeto é exatamente “convivência”. Um desejo para que todos sejam capazes de disseminar práticas saudáveis de coexistência a partir da alegria, do afeto, do compromisso e da ética coletivas.

“O mundo está se tornando cada vez mais individualista. Esperamos poder promover os sabores pelas práticas dialógicas, conhecer distintos corpos/corpas e danças, misturar pessoas, crenças, experiências”, diz a multiartista, dimensionando ainda que aquilo que a motiva é a fé de que ainda é possível transformar o mundo em um espaço mais democrático e acolhedor.

“Há reparações sócio-econômicas históricas a serem feitas e já sabemos. Agora é agir para que elas de fato ocorram, e os sistemas educacionais me parecem o caminho mais apropriado para isso. É imprescindível que compreendamos, cada vez mais, o valor dos espaços públicos, como bens simbólicos e bens materiais coletivos, para que saibamos nossos deveres e nossos direitos e possamos seguir lutando por eles”.
Ana Mundim
Multiartista, docente dos cursos de Dança da UFC e coordenadora do X Temporal

Serviço

Percursos formativos em dança realizados pelo X Temporal - Encontros de Improvisação e Composição em Tempo Real

Quando: Início nesta terça-feira (27), de forma virtual e gratuita, seguindo até dezembro

Como se inscrever: link postado na bio do perfil do projeto Temporal no instagram, sempre no primeiro dia de cada ação. Todas as inscrições para o percurso formativo são por ordem de chegada, incluindo a oficina desta terça-feira. Transmissão ao vivo (sem certificação) no canal do YouTube do projeto Temporal e no do Theatro José de Alencar.

Mais informações: projetotemporal@ufc.br

> Conheça mais sobre cada percurso ofertado pelo X Temporal - Encontros de Improvisação e Composição em Tempo Real

Percurso formativo: Oficinas e residência voltadas para o processo formativo em improvisação. 7 oficinas de 6 horas cada. Com Luciana Bortoletto, Liana Gesteira, Tica Lemos, Líria Morays, Substantivo Coletivo, Dudude, Alex Ratton; e 1 residência artística de 18 horas (Mariana Pimentel)

(Haverá certificação de extensão para quem participar de no mínimo 75% do conjunto de ações. Quem participar de apenas uma oficina e/ou residência receberá uma declaração de participação por ação frequentada com no mínimo 75% de aproveitamento)

Percurso de residências: Encontros de criação artística intensivos, com apresentação pública final. Com Chaim Gebber e Guilherme Morais (haverá declaração de participação para quem participar de no mínimo 75% de cada residência)

Percurso de fruição: Apresentação de trabalhos artísticos baseados em improvisação e palestras, envolvendo 6 espetáculos, lançamento de documentário, lançamento de videodança e 1 palestra

Percurso de criação: Composição em tempo real produzida por meio do intercâmbio entre artistas. Residência Arribação (fechada, para 8 artistas). Abrirá vaga para pessoas que queiram assistir ao processo criativo.

Percurso da farra: A diversão e a moda como pontos de encontro da dança. Envolve 1 festa e um lançamento da coleção de roupas