Extensão da mente e da alma. Pintar uma tela pode revelar o que pensamos e, ao mesmo tempo, guardar memórias do que vivemos em diferentes fases da vida. Para pacientes que convivem com doenças como depressão e esquizofrenia, a arte ganhou status de terapia. A calmaria do corpo e da alma encontra-se junta, em uma exposição com 110 peças, na Casa José de Alencar.
O projeto Artes em Esquizofrenia (artES) nasceu no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC). Médicos e psicólogos trabalham habilidades artísticas dos pacientes com transtornos psicopatológicos. Uma das bases do trabalho é desmistificar os estigmas que cercam quem sofre de um mal psicológico, além de viabilizar a articulação dos dispositivos da rede psicossocial em Fortaleza com o uso de recursos artísticos para um acolhimento integral e humanizado.
Aos 67 anos, Maria José Cavalcante Loiola encontrou na arte a vitória contra o quadro clínico de depressão, despertado com a obesidade. Há sete anos, a convite de uma amiga, ela participa do projeto no HUWC. Durante as oficinas, uma equipe de voluntários composta por psicólogos formados e universitários interage com os pacientes da unidade hospitalar e nas demais instituições de saúde participantes. Os assistidos são estimulados a realizar atividades como desenho, pintura, trabalhos manuais, música, entre outras, expressando livremente as emoções.
Maria José, atualmente, ajuda na orientação das pinturas de novos pacientes que participam do artES. A vida dela mudou e os quadros revelam o bem-estar. Rosas vermelhas e paisagens são o reflexo do que ela sente. "Achava que não era pra mim. Pensava que não iria conseguir. Sempre fui muito tímida e fechada. Hoje, me entrego de corpo e alma, me sinto uma pessoa mais calma e paciente. Sempre quis aprender, mas a gente se acha incapaz", revela Maria José.
Comportamento
O médico psiquiatra Fábio Gomes, coordenador do projeto, afirma que o preconceito com os pacientes no âmbito social, incluindo as próprias famílias, é uma realidade. "A sociedade ainda discrimina essas pessoas. A arte funciona como objeto de importante admiração desse trabalho. A pintura, a escultura, a poesia e as gravuras que eles fazem nas diversas oficinais mostram isso. Queremos sensibilizar a sociedade. A arte resgata a dignidade do ser humano".
Taciana Veras, do curso de Psicologia e voluntária do projeto, avalia participantes das oficinas demonstram dedicação, compromisso e orgulho. Além de ser um momento de integração do grupo, a arteterapia estimula a criatividade e o autoconhecimento, servindo de pano de fundo para um diálogo mais espontâneo.
"Embora os desenhos sejam livres, alguns assistidos utilizam-se de temas recorrentes, como paisagens ou corações, em alusão à pessoas ou lugares específicos. Daí já se observa a funcionalidade da arte como modo de expressão, uma vez que é a partir dos desenhos que surgem diálogos reveladores desses conteúdos. Trata-se, portanto, de uma importante ferramenta, não apenas de expressão, mas também de manejo dessas eventuais dificuldades de cada um deles", avalia Taciana Veras.
A voluntária também destaca, em termos positivos, que a pintura em telas gera uma expectativa e comprometimento a cada encontro. Outro benefício é o incremento da socialização, um fator extremamente importante para a saúde mental. "E em sendo a expressão das emoções o fim maior da arteterapia, percebe-se claramente os seus benefícios, quer seja pela descoberta dos gostos artísticos e musicais de cada um, seja pela expressão de suas histórias de vida, por exemplo".
Atualmente, o Projeto Artes em Esquizofrenia conta com uma equipe de 22 voluntários coordenados pelas psicólogas Luiza Laura de Souza Serafim e Flávia Roberta Vieira Sales (vice- coordenadora). "Focamos na articulação com os dispositivos da Rede do SUS para realizarmos nosso trabalho utilizando a arteterapia. Acompanhamos, semanalmente, cerca de 50 usuários nos grupos de arteterapia que fundamos em parceria com esses dispositivos de saúde mental", destaca Laura Serafim.
Exposição
As 110 obras de pacientes do HUWC, dos Centros de Apoio Psicossocial (Caps) I e IV e das residências terapêuticas I, II, III e IV, antigo Abrigo Desembargador Olívio Câmara, estão em exposição gratuita na Casa José de Alencar. O público pode conferir a exposição de forma gratuita até o dia 8 de fevereiro.
"Nossos 'artistas' são os usuários dos dispositivos parceiros que, de uma maneira genuína, apresentam suas histórias a partir da multiplicidade de expressões que a arte propicia a eles. Somos gratos a essas pessoas, que nos demandam a confiança de apresentar ao mundo seus feitos. Acreditamos que, dessa forma, é possível trabalhar a quebra de estigma correlacionado aos sujeitos com sofrimentos psicopatológicos diversos", avalia Laura Serafim, psicóloga e coordenadora do Artes em Esquizofrenia (artES). Nesta edição da exposição, haverá oficinas de arte também na Casa de José de Alencar.