No Dia Nacional do Livro Infantil, conheça pessoas que fazem circular literatura entre crianças

A escritora cearense Isabela Pinho Pessoa Fontenele e uma diversidade de incentivadores da leitura compõem esta reportagem, dedicada a levantar reflexões sobre o alcance da produção literária em meninos e meninas

Alfabetizado pela mãe e precocemente incentivado a estar entre livros – sobretudo aqueles que povoavam a biblioteca do avô, Visconde de Tremembé – Monteiro Lobato (1882-1948) tem marcas de infância herdadas do intenso desabrochar literário no aconchego de casa. Chegou, inclusive, a perpetuar a tradição ao inspirar várias histórias, de gente igualmente sedenta do contato com as letras.

A escritora cearense Isabela Pinho Pessoa Fontenele, por exemplo, possui trajetória semelhante a do autor paulista – que, neste dia 18 de abril, completaria 137 anos. Feito Lobato, ela também recebeu o impulso dos pais para ingressar entre diferentes narrativas, algo iniciado há cinco anos, quando deu os primeiros passos na leitura. 

“Hoje estou lendo a versão original de ‘O Mercador de Veneza’, de William Shakespeare”, situa, com propriedade. “É a história de um mercador e o amigo dele, que queria viajar em busca de uma princesa. Estou gostando bastante de acompanhar a aventura”.

E do assunto Isabela entende bem. Com apenas nove anos de idade, ela tem, no currículo, a publicação de “Em Jambutim”, obra que percorre um universo mágico de cores e reflexões, lançada no ano passado pela Aprender Editora. 

O cenário é a cidade encantada homônima ao título, “onde viviam os deuses da água, do fogo, do ar e da terra”, conforme narra a miúda prosadora. Nesse sem fim de chão criativo, dividiam espaço também elfos, fadas, sereias e ninfas, tudo colocado em risco com a chegada de humanos, munidos pelo desejo de serem os únicos donos do lugar. “Assim, eu conto como faz mal a poluição; como nós, pessoas, estamos destruindo tudo”, explica a menina.

Enfatizar o marcar ideias no papel como forma de expressar uma visão de mundo – enquanto criança que sente, percebe e registra o cotidiano – é oportuno neste 18 de abril, considerado Dia Nacional do Livro Infantil. A data, instituída em 2002 como maneira de homenagear o escritor mencionado no início deste texto, é gatilho para tecermos considerações a respeito de qual é o rosto da literatura voltada para crianças na contemporaneidade e como elas apreendem aquilo que está nas entrelinhas a partir do ofício de mediadores e incentivadores do ler.

Estímulo

Mãe de Isabela, a médica Anapaula Fontenele conta que o processo de publicação da primeira obra da filha – que dedicou e pensou todo o trabalho para a irmã mais nova – passou pelo reconhecimento do valor das historietas criadas pela pequena. “Ela tinha muitos rascunhos de anotações. Então, achei que poderia render um livro se reunisse tudo aquilo, e apresentei o conteúdo à mãe de uma amiga dela, que trabalhava numa editora”, lembra, citando o nome de Ana Cristina Miranda, editora-chefe da Aprender Editora.

Para deixar tudo no melhor molde de livros escritos por crianças para crianças, a recomendação foi que a autora reescrevesse alguns trechos e fizesse ilustrações – estas ganharam maior amplitude a partir da intervenção sensível de Rafael Barbosa, ilustrador cearense, e entraram para a obra. O material, não à toa, foi adotado como livro paradidático em inúmeras escolas da rede pública do Estado, fruto do projeto Pequenos Grandes Escritores, desenvolvido pela casa de publicação do exemplar.

“A gente fica muito feliz com o alcance porque todos nós, da família, gostamos muito de ler. Prezamos pelo fato de ela poder se expressar, dar voz ao que pensa. Isso é muito bacana”, dimensiona Anapaula, afirmando que já foram vendidos mais de 1.700 exemplares da obra e que um lançamento oficial está sendo articulado para acontecer em breve – até agora, ganhou repercussão apenas no contexto escolar.

“Belinha sempre comenta que outras crianças começaram a escrever depois de conhecer o livro dela. Pela proximidade etária, elas também acreditam ser possível criar alguma história no papel”, completa. A mãe adianta ainda que outro projeto da filha está no prelo, possivelmente caminhando por uma temática que também convide à reflexão.

“Acho, inclusive, que os livros voltados para crianças hoje tratam de assuntos importantes, como inclusão social, por exemplo, algo que não víamos muito nas histórias de antigamente”, opina Anapaula.

Por sua vez, Ana Cristina Miranda reflete que o mercado contemporâneo voltado para o público infantil vem crescendo a passos largos. “É interessante sobretudo destacar o protagonismo das crianças nas obras. Os temas do dia a dia, permeado pela fantasia e ‘invencionices’ inerentes a elas, são atrativos e despertam o interesse de ler, tanto dos pequenos quanto dos adultos. Também os clássicos que estão vindo com novas roupagens encantam e despertam”.

Como o catálogo da editora que toca relaciona-se com a alfabetização, a profissional ainda tece comentários sobre o assimilar conhecimentos pelas palavras. “O saber ler, escrever e compreender se torna mais se simples quando a criança é despertada para o magnífico mundo dos livros, das histórias. Vivemos num mundo letrado. Quando se priva uma criança dessa condição é pura crueldade, tolhe a oportunidade de um futuro melhor”.

Contribuição

Ator, poeta, diretor teatral e professor residente em Itapajé, município do interior do Ceará, Sérgio Magalhães se descreve como alguém que “adora recitar poesias e realizar oficinas de teatro com crianças, jovens e professores”. “Onde há vivência poética, lá estou eu”, garante. Com esse intento, ele e Kátia Castelo Branco, professora da Rede Municipal de Viçosa do Ceará, desde 2013 compartilham interesses voltados para a leitura e há algum tempo desenvolvem o Projeto de Jardim Literário.

Abaixo, veja vídeo de divulgação do novo livro infantil de Sérgio Magalhães e Kátia Castelo Branco, "As aventuras da Princesinha Cereja e o Príncipe de Chocolate":

 

 

“Por meio de atividades de teatro e poesia, convidamos crianças a mergulhar em um mundo infantil, percebendo no outro um complemento de amizade, respeito e aprendizagem”, salienta o artista.

“Essa contribuição que a cena e a poesia despertam na criança é inexplicável; o brilho no olhar da meninada em uma movimentação cênica na descoberta do que é mágico possibilita o ingresso no universo das letras com o coração cheio de asas e imaginação”.

O primeiro livro gestado desse movimento foi “Romeu e Julieta em cordel”. Na obra, a clássica história do bardo inglês ganha roupagem regional a partir do olhar de representantes do litoral oeste e da região da Ibiapaba, onde os dois autores residem. “Temos também outros seis títulos, que alcançam o infantil I, II, III e Fundamental I e II, valorizando nossa cultura nordestina”, sublinha Sérgio.

Kátia Castelo igualmente tem fala segura ao afirmar que é preciso sensibilidade para conduzir a contação das narrativas – estas, nas mãos da dupla, contando até mesmo com indumentária própria. “Precisamos direcionar as crianças, por meio das histórias, a sentirem amor pelo próximo, respeitar cada um em sua individualidade e, ao mesmo tempo, na coletividade. A emoção que devemos cultivar para sentir o melhor o outro”. 

E complementa: “Temos muitos escritores empenhados em apresentar um mundo mais colorido e divertido. Pessoas que, como nós, tentam mostrar que livros são excelentes companheiros, capazes de dialogar conosco e nos chamar a enriquecer nossas ideias”.

Instrumento

Professora de Classe na Pedagogia Waldorf, em Fortaleza, a artista, atriz e artesã Maria Castro é outra personagem relevante no contexto de aproximar os pimpolhos dos livros. Atuando em uma escola com fundamentos baseados na “arte de educar e na educação para a liberdade”, ela diz que, nesse contexto, dispõe de instrumentos infinitos para a abertura do mundo literário para as crianças.

“Fiz no ano passado, por exemplo, a coordenação da Gincana de Português, onde propus às crianças do ensino fundamental que identificassem dentro da própria comunidade escolar, os possíveis escritores e ilustradores que tínhamos entre nossos associados. Pois qual sim foi nossa surpresa, quando esses pais, mães e professores escritores e ilustradores, brotaram feito flores em jardim fecundo!”, comemora, engatando que desenvolve vários projetos semelhantes em diversas formas de parcerias públicas e particulares.

Com três obras publicadas – “No Reino dos Panos e das Linhas”; “A Menina Marilua e Sua Ave Rainha”, escrita em parceria com Izaíra Silvino; e “Um Fio de História”, livro de Fabiana Guimarães com ilustrações de Maria, voltadas para o público infantil – e mais três inéditas em ritmo de aguardo do contato de editoras para chegar aos olhos dos leitores e leitoras, Maria, ao ser questionada sobre o que fica mais evidente para as crianças brasileiras neste dia de comemoração do Dia Nacional do Livro Infantil, assegura: “Elas precisam do lúdico, do brincar, do ouvir boas, belas e verdadeiras histórias”.

“Precisam desenvolver suas imaginações para que possam desenvolver também seus sonhos. Precisam de adultos criativos em sua volta, que brinquem com elas, que lhes contem histórias e estórias e versos e canções. Cantem para as crianças, brinquem com elas, leiam para elas. Renasçamos em nós mesmos nossas próprias crianças e colaboraremos para um mundo melhor”.