Mulheres da periferia de Fortaleza realizam financiamento coletivo para publicação de livro autoral

A coletiva baRRósas reúne 11 integrantes de bairros como Barroso, Carlito Pamplona, São Cristóvão e Grande Jangurussu

Anna, Bruna, Fernanda, Gessica, Hevila, Karyla, Lais, Lúcia, Ruth, Sablina e Syna estão a escrever um novo capítulo da literatura brasileira independente e feita por mulheres. Fortalezenses, elas integram a coletiva baRRósas, e acabaram de abrir um financiamento para publicar um livro com 23 textos, além de artes visuais e fotografias, todo gestado na realidade periférica em que habitam.

Moradoras de bairros como Barroso, Carlito Pamplona, São Cristóvão e Grande Jangurussu, as autoras de “baRRósas: memória e poesia” se encontraram há pouco mais de um ano em torno de um objetivo comum: trazer visibilidade, incentivar e fortalecer a(s) literatura(s) e demais práticas artísticas feitas por mulheres, que se reconhecem sob a perspectiva de representatividade “mulher”.

A proposta da coletiva surgiu após a segunda edição do ‘Slam Violeta’, batalha de poesia do Conjunto Violeta, localizado ao lado do Barroso.  “Não havia participação feminina, embora este fosse seu maior público. Neste contexto, decidimos criar um sarau no bairro Barroso realizado apenas por e para mulheres, buscando potencializar esse incentivo”, contextualiza a escritora Bruna Sonast.

Com a pandemia, porém, a sugestão inicial ficou em segundo plano. Mas não por isso o desejo de começar algo foi ignorado, resultando assim na criação de uma página no Instagram, a @barrosaspoesia, um trocadilho para Barroso no feminino. Foi por meio dessa plataforma, aliás, que as moradoras de outros bairros se somaram ao grupo.

Trocas e coletânea

O espaço virtual de compartilhamento, segundo Bruna, aproximou ainda mais as integrantes, uma vez que a escrita já estava presente entre elas, fosse por todas escreverem (ficção, poesia, diários de viagem, entre outros gêneros) ou pelo fato de a página ter surgido em um contexto que envolve diretamente a linguagem poesia.

“Nós sempre tivemos como um de nossos propósitos, enquanto coletiva, conseguir nos publicarmos, levar nossos textos ‘para o mundo’, de alguma forma”, explica ela.

Ao saber disso, a artista e escritora Argentina Castro, uma das responsáveis pela Biblioteca Comunitária “Papoco de Ideias”, no bairro Panamericano, apresentou o grupo a Taciana Oliveira e Rebeca Gadelha, do Selo Miranda. “Elas nos acolheram gentil e generosamente, e nos possibilitaram tornar nosso livro possível”, afirma Bruna.

A nossa coletânea tem em comum o fato de trazer o(s) olhar(es) de diversas mulheres que se contrapõem a um sistema estrutural machista, racista e transfóbico. Assim, embora cada texto já tenha sido escrito anteriormente e traga questões pessoais e sociais próprias de cada escritora, de cada integrante da nossa coletiva, buscamos construir uma narrativa que se conecte, de diversas formas, a este devir-mulher, de revide, de resistência e, principalmente, de existência”, explica a escritora.

A visão é reforçada por outra integrante do grupo. “Em um país em que mais da metade das publicações são feitas por homens, brancos e do eixo sul/sudeste, um grupo de mulheres periféricas que se junta para desengavetar seus textos e exercer a liberdade de pensamento, é também, uma atitude revolucionária”, diz Lais Eutália, embasada na pesquisa de 2018 do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília (UNB).

Para ela, a publicação dessa coletânea prova, mais uma vez, que a periferia lê e escreve, e muito bem, por sinal.

"Não nos encaixamos e nem temos a pretensão de nos encaixar no cânone literário que foi criado por homens brancos e/ou ricos. Escrevemos sobre o que queremos: de menstruação, a solidão, a depressão, sobre ódio ao sistema racista e machista e sobre amor também, passeando pela poesia erótica. Entendemos que não há quem pode/corte nossas ideias e nem diga sobre o que devemos ou não escrever”, destaca Lais, reforçando a importância das Bibliotecas Comunitárias nesse cenário.

"É a forma concreta da 'política do nós por nós' que rola nos bairros em que moramos", diz.

Financiamento e projetos

A meta expandida de financiamento coletivo da obra "baRRósas: memória e poesia", que está sendo realizada na plataforma Catarse, é de R$ 7.879. No valor, estão incluídos impressão de exemplares, gastos com as recompensas (oficinas e produtos artesanais, respectivamente, ministradas e produzidos por integrantes da coletiva), além de frete e taxas da plataforma. 

O livro físico será realizado sob demanda, e, a depender da situação do país no que diz respeito à pandemia, a intenção das autoras é realizar um lançamento presencial, com previsão para novembro de 2021. 

A partir do valor arrecadado no financiamento coletivo, alguns exemplares ficarão disponíveis na loja (no site) do Selo Mirada e outros com a coletiva. Eles poderão ser adquiridos por R$37.

Toda mulher que escreve é o revide contra o silenciamento que nos foi e é imposto e toda mulher que ajuda no corre da publicação é revolucionária também”, instiga Lais.
 

Enquanto a publicação caminha, a coletiva prepara ainda um podcast sobre literatura, feito por e para mulheres periféricas, e planeja a realização dos saraus presenciais após a vacinação em massa.

“Tem sido um processo desafiador e, ao mesmo tempo, reconfortante, pois, acredito que para todas nós, é na arte que transbordamos o que muito se guarda nessa quarentena, sem poder sair e viver, como em outros tempos. E juntas nos fortalecemos e dividimos estes sentimentos”, conclui a transativista Lúcia Viana, certa de que estes são apenas os primeiros passos de uma caminhada maior.

Serviço

Financiamento coletivo
Livro  “baRRósas: memória e poesia” 
Selo Mirada, 80 páginas, R$37 (com frete incluído, apenas no território nacional)
Campanha aberta no Catarse até 04/07/2021