Moda para pessoas com autismo: marca cearense desenvolve roupas de banho com foco no bem-estar

Estampas das peças foram produzidas por crianças, jovens e adultos atendidos pela Associação Fortaleza Azul em um momento de livre criatividade

Da brincadeira de criança ao vestir-se do próprio traço. Um grupo de crianças, jovens e adultos com autismo assinam os desenhos das estampas da nova coleção da cearense Texugo. Em parceria com a Associação Fortaleza Azul (FAZ), a marca de beachwear lança, em dezembro, a SalTEAr, promovendo inclusão e destacando o potencial criativo de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA).  

Os desenhos foram produzidos por cerca de 15 pessoas com autismo, entre 5 a 36 anos, atendidas pela FAZ em um momento livre e aberto à criatividade. Para isso, utilizaram telas, tintas, pincéis, lápis de cor e de cera e massa de modelar para dar vida ao que queriam expressar.  

Cofundadora da FAZ e mãe de dois filhos com autismo, Fernanda Cavalieri destaca que a parceria surgiu após uma conversa com Natália Queiroz, uma das diretoras da Texugo, sobre as demandas que as famílias atípicas tinham e quais melhorias poderiam fazer nas peças.  

"Como eles já trabalham com estampas exclusivas, eles pensaram nessa possiblidade pra desestigmatizar o autismo, tirar um pouco desse ambiente de tratamento, de termos médicos e falar sobre arte, criatividade e potencial. Muitos autistas gostam de mar, praia, piscina, então nós topamos na hora”, conta Fernanda. 

Criando as padronagens, os desenhos foram unidos pelo arquiteto e designer da marca Alexandre Queiroz. Entre elas, há uma com tema de fundo do mar, outra de floresta e outras estampas em formas abstratas coloridas.  

“É importante porque a gente mostra e faz cair alguns mitos, de que os autistas são pessoas incapazes ou que não devem ocupar certos ambientes, mas autistas estão em todos lugares e têm talento para além do diagnóstico”.  
Fernanda Cavalieri
cofundadora da FAZ

Peças adaptadas 

Para além do protagonismo dessas pessoas, os biquínis e sungas foram idealizados de maneira a garantir o conforto e estimular a autonomia das crianças.  

“A ideia era que essas peças pudessem fazer sentido, não só na estampa em si, mas que a modelagem traga conforto, que as peças sejam usuais, não incomodem e facilitem no processo do vestir”, explica Natália. 

Fernanda acrescenta essa é uma das demandas do vestir para autistas, já que a grande parte tem uma hipersensibilidade na questão tátil e sensorial. “É difícil encontrar peças que proporcionem essa autonomia, alguns têm dificuldades com roupas de botão, por exemplo. São coisas básicas, mas que fazem diferença”.  

Pensando nisso, as etiquetas das peças não vão ser de tecido, como comumente acontece, vão ser pintadas diretamente na roupa. Além disso, os biquínis e sungas não vão ter peças metálicas nem adereços que sejam facilmente retirados.  

Sustentabilidade social 

E não é só o conforto que é proporcionado com as peças. As estampas são digitalizadas em um tecido supermicrofibras que proporcionam ainda mais maciez e conforto ao vestir, contando com proteção UV 50+ e microcápsulas de aloe vera, que liberam ativo hidratante na pele.  

O tecido também é antibacteriano e impede a proliferação de fungos e bactérias, sendo ainda resistente ao cloro. Além disso, as fibras usadas são feitas com reciclados de garrafas PET 100% pós-consumo. Nos aviamentos, detalhes e embalagens das peças são utilizadas plaquinhas feitas com pó de fibra de coco e papel, eliminando o uso de plásticos.  

Outra iniciativa da coleção é que parte do valor das vendas serão destinadas à FAZ para contribuir com as ações promovidas. Esse dinheiro será investido na melhoria do atendimento de centenas de crianças autistas.  

Primeira experiência de collab, Fernanda afirma que planeja fazer novas coleções colaborativas com pessoas com síndrome de down, por exemplo. “Existe a demanda e é importante que essas pessoas tenham visibilidade pra além da deficiência”, revela.  

“Esse é um primeiro passo, uma experiência então a gente vai ver como vai ser posteriormente. Dá novos significados pra que as pessoas se sintam representadas e que a identidade delas apareçam. Todo mundo deve ter direito ao vestir com qualidade e conforto”. 
Natália Queiroz
diretora da Texugo

Estímulo à pesquisa 

Percebendo essas demandas e necessidades específicas desses grupos, a professora do Curso de Design de Moda da Universidade Federal do Ceará (UFC), Araguacy Filgueiras, fundou o Grupo Movimento Moda Inclusiva na instituição para promover a pesquisa e também a prática do design de produtos.  

No grupo, alunos e professores participam da produção de peças de roupa para idosos do Lar Torres de Melo e de calçados para pessoas diagnosticadas com hanseníase.  

“Existe um estigma e um preconceito muito grandes. O corpo desses pacientes sofre alterações e, pro calçado ser realmente adequado pra essas pessoas, não pode ter cadarço, nem fivela, tem que ser um design que contemple essas necessidades específicas, com funcionalidade e facilitar o calçar e o descalçar e com estética, porque os desejos por algo bonito são latentes”, destaca. 

A professora destaca ainda que a acessibilidade não deve passar só pelas roupas, mas também no atendimento dos funcionários, nas instalações das lojas, no respeito.  

“Eu acho que a sociedade está atrasada nesse sentido e a moda é um reflexo disso. Essas pessoas estão buscando coisas específicas porque ainda não se despertou pra necessidade de se produzir pra todos. A inclusão só acontece quando todas as pessoas têm acesso a tudo e na Academia é o espaço pra gente pesquisar e desenvolver”.  
Araguacy Filgueiras
professora de Moda da UFC

Professora de Design de Moda da Universidade de Fortaleza (Unifor) e também integrante do Movimento, Luciana França corrobora que iniciativas como essa ajudam no combate ao preconceito com as diferenças. 

Com relação à ergonomia das roupas, Luciana pontua que deve haver uma boa usabilidade principalmente para usuários com necessidades específicas, como é o caso das crianças com TEA.

"No conforto das peças, para o vestuário infantil, os quatro tipos de conforto devem ser bem aplicados, são eles, os confortos: termofisiológico, sensorial, ergonômico e psico-estético".
Luciana França
professora de Moda da Unifor

Para ela, a inclusão relacionada à moda é extremamente necessária e deveria ser algo intrínseco ao desenvolvimento de todos os produtos que interagem com o ser humano. "Isso é uma questão de estar atento ao outro, é um ato de se preocupar com o outro, de ser empático no momento da criação e do desenvolvimento dos produtos", finaliza.