Esse nome Nena, Francisco Gomes Novaes ganhou desde pequeno e nem sabe de onde veio. Agora, depois de mais velho, acrescentaram um “mestre”, e ele aceita: “sei que sou eu”. Apesar de não ser titulado pela Secretaria de Cultura estadual como Antônio Luiz e Françuí, o reconhecimento vem espontaneamente, como agora, com a transformação de sua casa em um dos museus orgânicos do Cariri. A frente do Grupo Bacamarteiros da Paz há dez anos, ele já tem mais de cinquenta só dedicado à agricultura e à cultura, bandeiras que sempre fez questão de levantar.
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A história é comprida, ele avisa, enquanto nos recebe na calçada da casa em Juazeiro do Norte para um bate-papo. Aos 62 anos, ele lembra exatamente a data em que começou na cultura: 12 de maio de 1963. É certo que a família, vinda de Alagoas, já participava das brincadeiras de reisado, coco, maneiro-pau, mas foi com Moisés Ricardo que ele se entregou mais seriamente a vida de brincante.
Na época com 12 anos, já tinha obrigação de trabalhar pelo menos dois dias por semana na roça, e incomodava ao patrão vê-lo fazendo parte da cultura. “Falava que o homem que vestisse saia, que melasse a cara de carvão, no terreno dele não morava não”, lembra Nena, sem revelar a identidade do homem para evitar uma dor de cabeça. Insistente, o garoto permaneceu na brincadeira, visitando terreiros como o de Mestre Aldenir, e ganhou ainda mais fôlego quando se mudou do Crato para Juazeiro.
“Aí foi que eu comecei a brincar mesmo. Porque aqui eu passei por Mestra Margarida, Mestre Bigode, Luís, Mestre Sebastião. Por último, foi com o Carroça de Mamulengo, aonde surgiu esse bacamarteiro”, conta, expondo a ficha extensa de “professores” de sua “graduação”. Escola mesmo era coisa difícil. “De onde a gente morava pra escola era uns 5km. Então, a gente pagava particular pra ele ensinar a gente. À noite, porque de dia não tinha tempo, era na roça. Então não aprendi muita coisa não. Assinar o nome, mal”, contextualiza.
Grupo
Feito cangaceiro, Mestre Nena hoje anda em bando. São 17 pessoas no grupo que coordena, a maioria da família mesmo, contando filhos e netos. Todos têm que conciliar trabalho fixo com apresentação, assim como o pai já fez um dia, arrancando pedra, quebrando e vendendo em troca de R$ 10, 20 reais. Com esse dinheiro, comprou as roupas e bacamartes com as quais vem a público atualmente.
Sem apoio financeiro para conduzir as atividades, lembra com precisão de quando recebeu o primeiro investimento na área. “A única pessoa que veio me dar oportunidade na cultura, sem eu saber, sem conversar nada com ela, foi dona De Jade (refere-se a Dane de Jade, gestora cultural). Eu tava lá do Sítio Correntim, quando eu recebi um recado: vai haver uma terreirada aqui. O senhor a partir de hoje vai ser mestre”. Na época, ela me passou R$ 3 mil reais. Mil era o cachê e dois mil era para organizar a festa. Foi ali que começou oficialmente o trabalho com os Bacamarteiros da Paz.
Para a construção do museu orgânico, previsto para ser inaugurado no primeiro semestre de 2019, Mestre Nena já teve algumas conversas, mas ainda não está seguro do acervo que tem a oferecer. Considera que tem pouca coisa, apesar de mostrar muita riqueza em uma visita guiada rápida sobre o espaço que sediará o equipamento.
Casa
Nas paredes, estão banners com algumas fotos dos Bacamarteiros da Paz, além de um cartaz com os dois repertórios de apresentação escritos de canetinha. Os quadros de santos se espalham sobre as paredes azuis na decoração típica da casa de interior. Mas é no segundo andar que ele “esconde” o tesouro. O chapéu de Mateu, de quando brinca reisado, fantasias de bacamarte, instrumentos musicais, como bumbos e pandeiros, e uma mala com o estandarte, uma bandeira do Brasil e uma imagem do Padre Cícero dão o tom do que, em breve, será a exposição.
“As coisa que tem, é pouco”, insiste. “Eles mesmos acho que têm muito mais foto do que eu. Só vejo o pessoal dizer. Nem celular eu tenho, tem um daqueles pebinha e até no sítio eu deixei”, brinca. Para Nena, morar numa casa-museu é um desafio que ele ainda não sabe se está disposto a enfrentar. “Essa parte vai ficar pra ensaio, movimento de gente, eu acho melhor ir pra outra, se caso der certo, se não der vai ser o jeito eu ficar. Mas se der, eu vou pra outra, vou alugar”, conta.
Ele também não se anima muito com a ideia de alugar quarto para visitante ou vender comida para daí tirar uma renda. A esposa Gorete é quem ainda pensa mais a respeito. A principal contribuição que Nena quer dar para quem vem de fora é contar um pouco de história. “A cultura é uma coisa que a gente nunca termina de aprender, nem termina de passar. Não é uma coisa muito fácil da gente passar de uma hora pra outra, sempre demora. Sempre demora”, reconhece.
Para Mestre Nena,
“a cultura é quem gosta, quem tem vontade mesmo de representar a cultura. Não é por dinheiro. A gente faz é porque tem gosto, porque acha bom mesmo. E o bacamarte é por isso”, diz.
“Lá tava eu brincando de bacamarte e surgiu que nem um sonho ele vir pras minhas mãos”. Rentável financeiramente ou não, o que ele quer é dar continuidade. E enquanto houver um familiar vivo, a brincadeira do cangaço prevalecerá.
Onde fica:
Museu Casa do Mestre Nena
Grupo Bacamarteiros da Paz
Endereço: Rua Senhor do Bonfim, 524, Bairro João Cabral
Juazeiro do Norte (491 km de Fortaleza)
Contato: (88) 9 8133.4488
(Em processo de instalação)
* A jornalista viajou ao Cariri a convite do Sesc-Ceará