Mestre Antônio Luiz guarda em seu Museu Orgânico a história dos caretas de Potengi

A casa no Sítio Sassaré está oficialmente aberta para visitas desde maio deste ano

É novembro em Potengi, no Cariri cearense, e, no Sítio Sassaré, uma casa simples e de cor laranja destaca-se no meio da paisagem seca do “b-r-o bró” nordestino. De portas abertas para o sertão, o casal Antônio Luiz e Rosa abre também a caixinha pessoal de memória, de onde saem as histórias sobre o Reisado de Caretas do qual dão conta há pelo menos três décadas. 

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Antes de ser mestre titulado pela Secretaria de Cultura do Estado, em 2010, Antônio Luiz já era rei. Pelo menos assim o chamavam quando ele conduzia no terreiro de casa as brincadeiras em homenagem aos “Santos Reis do Oriente”, disfarçados de forma simples para sair do reino de Herodes. Aprendeu a coordená-las ainda jovem, observando a prática do vizinho, Antônio Miliquim, que tinha esse nome, segundo ele, porque era “bem morenim”. 

Logo que se uniu a Rosa em Matrimônio, em 1986, apareceu-lhe a oportunidade de comandar o grupo. Na época, o dono das máscaras e entremeios, que atendia pelo nome Chagas, resolveu que venderia seus pertences por 500 mil réis, e foi exatamente a Antônio Luiz a quem primeiro ele ofereceu. Com a ajuda da mãe, o jovem adquiriu o boi, a burrinha, o carneiro, o cavalo e as seis caretas. 

A sala 

Hoje, quem chega à casa-museu onde o mestre mora há mais de 40 anos, depara-se de imediato com máscaras expostas em sequência sobre a parede da sala, quase encostando no telhado. Feitas com madeira de mulungu e couro de bode, elas se completam com um boné de Mateu produzido com papelão. Aquela que tem um espelho e fica no centro, já se sabe, pertence ao Mestre. 

“Antes de existir isso de museu, eu botava as máscaras na cadeira. O povo vinha, tirava foto, e perguntava como tinha sido tudo”, lembra Antônio Luiz, confirmando que já existia um movimento de apreciação da casa antes da sua inauguração oficial como um Museu Orgânico, em 19 de maio de 2018. Acostumado a esse tipo de abordagem em sua residência, o mestre sabe exatamente como conduzir um visitante curioso por entre as instalações. 

Das máscaras, ele guia o olhar para os retratos familiares e os quadros de santos apregoados na parede. “Tiraram esse santo daqui (aponta para José) para botar nós (o casal), aí eu disse que tava errado, porque quando minha mãe fazia a reza, ela falava assim: Jesus, Maria e José, né? Aí aqui eles tiraram e agora tá: José, Maria e Jesus”, conta entre risos sobre a sequência alterada pela curadoria externa do museu. Um Santo Antônio também se destaca entre as imagens e o mestre confirma a devoção àquele que inspirou o seu nome de registro. 

Nesse primeiro cômodo da casa, destacam-se ainda fotografias como a de Tiago Santana, instrumentos musicais do reisado, tais como violão, bumbo, pandeiro e triângulo; os certificados do mestre e dois quadros: um com sua biografia e outro com a história da brincadeira que conduz. Esta que, por sinal, confere-lhe a cada dia, mesmo aos 61 anos, um pouco de juventude. 

“A gente vem sempre brincando, e principalmente em dia de reis (6 de janeiro). Eu me sinto mais novo, não canso, faço aquele movimento ali e não canso, mas no outro dia, minha Nossa Senhora, amanheço todo quebrado, sem coragem”, ri de si mesmo. 

O corredor 

Depois do giro pela sala, o dono da casa apresenta alguns itens do corredor. No girau, uma espécie de cama feita com cipós, próximo ao telhado, ele guarda os entremeios. Os bastões dos brincantes ficam logo abaixo, pendurados na parede. Tudo é motivo de apreciação, até os copos e jarros de água; e um ferro antigo, que pertenceu a avó Luzia. 

Ao se aproximar da cozinha, ele anuncia: “aqui é a casa de pobre mesmo”. O fogão a lenha perto de uma janela que dá vista para o mundo, e alguns móveis simples ocupam o espaço. Próximo ao telhado, tal como a exposição de caretas, ficam dezenas de garrafas com grãos de feijão, que segundo ele, “não estão à venda”, mas para Alemberg Quindins, bem que podem ser “os feijões de Rosa” para comercialização, só pelo questionamento da reportagem. 

Rosa, aliás, também faz tapetes com retalhos que o esposo compra com o salário de Mestre da Cultura. Sentada sobre bancos cobertos por esses trabalhos manuais, ela observa alguns detalhes na casa que merecem reparos, tais como as paredes, cheias de altos e baixos, e o próprio chão, repleto de buracos. “Menino, eu vou mandar cavar ela todinha, aguar e bater de novo, porque eu não vou ficar com essa casa, quando tiver os buracos, como é que eu varro? Vou cavar mesmo!”, conta. 

O casal quase não deu pitaco nas interferências da Casa Grande e do Sesc, a não ser na mudança de posição da antena parabólica, que o mestre não autorizou. “Antônio se senta ali e fica de olho pra televisão. Mas por mim eu saía assim de noite, eu não saio porque tenho medo...Tenho medo de bicho”, sussurra entre risos. “Eu digo assim é brincando, tenho medo é de alma”, confessa Rosa. E antes que fique assombrada, ela mesma muda de assunto: “Vocês querem que eu faça almoço?” 

O tempo é curto e, sob o sol do meio-dia, é hora de se despedir. Estamos entre as mais de 260 pessoas que já passaram pelo casa-museu desde que ali foi implantado um livro de registro. Pelos cálculos de Mestre Antônio Luiz, só falta um visitante de Israel e outro do Iraque, porque quase todo o mundo já deixou o rastro em Potengi. O até logo de um rei é soa quase como um pedido de fique. (RS) 

Onde fica:

Museu Casa do Mestre Antônio Luiz
Reisado de Caretas de Potengi
Endereço: Sítio Sassaré, nº 23
Potengi (522 km de Fortaleza)
Contato: (88) 9 9277.1013

*A jornalista viajou ao Cariri a convite do Sesc-Ceará