Se você fizer uma rápida pesquisa no Google e em outros mecanismos de busca, pode ficar em dúvida se o pintor francês Phillipe Dussaert (1947-1989) realmente existiu. Segundo o ator e dramaturgo Jacques Mougenot, seu conterrâneo Dussaert supostamente foi um artista que copiava elementos de obras artísticas famosas (assinadas por pintores consagrados, como Leonardo Da Vinci, Manet, Cézanne) e emplacava, dessa forma, suas criações no gosto e "no bolso" do público.
A peça "O Escândalo Philippe Dussaert" envolve as dinâmicas e questões da farsa e traz, para a realidade, discussões sobre a legitimidade da arte contemporânea, política, economia, abarcando os "pequenos escândalos" do cotidiano. As aspas são do veterano ator Marcos Caruso, que chega a Fortaleza para apresentar a versão brasileira do texto de Mougenot nesta sexta (28), às 21h, e no sábado (29), em duas sessões, às 19 e 21h, no Teatro Celina Queiroz, na Universidade de Fortaleza (Unifor).
As exibições fazem parte do projeto "Grandes Espetáculos" promovido pela instituição. Em cartaz com a montagem há dois anos, Caruso - o Sóstenes Vidal da novela "O Sétimo Guardião", exibida até mês passado - foi apresentado ao texto do autor francês pelas galeristas Maria Beatriz Martins, Rosina Cordeiro e Marilu de Seixas Corrêa, que assistiram a versão francesa.
"Não era familiarizado com a obra. Elas trouxeram o texto para o Brasil e me apresentaram. Desde o primeiro momento que li, fiquei fascinado pelo tema e pela dramaturgia que está fazendo sucesso há mais de 10 anos na França", situa o ator paulista.
Traduzido para o português por Marilu de Seixas Corrêa e dirigido por Fernando Philbert, "O Escândalo Philippe Dussaert" muda a cada apresentação. Marcos Caruso recebe toda a plateia no teatro, interage com cada espectador, e envolve o público nas provocações do suposto artista contemporâneo. O espetáculo, detalha o ator, acontece "em forma de palestra e o público também participa, quando se sente à vontade".
A interferência do público na dinâmica cênica, uma concepção da própria arte contemporânea, considerando os espectadores como "cocriadores" da obra, flexibiliza também as definições do formato do espetáculo. Caruso não considera a peça como um monólogo. Chama de um "solo coletivo". Para ele, a plateia está acomodada na apresentação como se fossem os convidados e o ator, o anfitrião do encontro.
"Me dirijo ao público o tempo todo. Cumprimento um por um, no saguão do teatro. Nunca estou só em cena", descreve Marcos Caruso. O ator enfatiza o desenvolvimento coletivo da peça, embora, durante esses dois anos em cartaz, a crítica da imprensa tenha destacado o cenário econômico da montagem, seu apelo minimalista e as tiradas de humor e improviso; semelhante a uma comédia stand up.
Retrospecto
Indagado se o formato enxuto do espetáculo facilitou a circulação pelo Brasil - uma dificuldade comum, segundo os artistas, em relação à formação de público no País, Caruso confirma que sim, "o que não interfere na qualidade do que se leva às cidades", pondera o ator. Além do Rio de Janeiro/RJ, São Paulo/SP e Belo Horizonte/MG, dentre outras cidades brasileiras, a montagem já foi exibida em Portugal.
"O Escândalo Philippe Dussaert" é o primeiro trabalho solo de Marcos Caruso (67) como ator no teatro, em cerca de 45 anos de carreira artística. Com a atuação na peça, Caruso se destacou no circuito de premiações no Rio de Janeiro: levou o Prêmio Shell, da Associação dos Produtores de Teatro do Rio (APTR), da Cesgranrio e do Botequim Cultural na categoria "melhor ator"; e o Prêmio do Humor na categoria "melhor espetáculo".
Cuidadoso para não dar "spoiler" sobre o enredo do espetáculo, o ator reforça como, por meio de um "escândalo surpreendente", a peça faz uma ponte entre as tensões da arte e da própria vida. "E quando um tema no teatro, não importa qual, te faz rir, emocionar e refletir, o teatro acontece", observa Caruso.
Origem
Segundo o texto de Jacques Mougenot, a intenção de Philippe Dussaert, após copiar e retirar os elementos principais de obras de referência no circuito das artes, era experimentar uma espécie de "nada" em suas intervenções. O francês excluía personagens humanos ou animais das artes originais, e preservava o cenário ao fundo.
Depois de sua morte, o último trabalho de Dussaert, "Après Tout" ("Depois de tudo", em português), quase foi comprado pelo valor de oito milhões de francos (ou 1,8 milhão de euros) e levantou discussões sobre a legitimidade das criações do artista. Para Mougenot, o caso aconteceu em paralelo à Guerra do Golfo, em 1991, e, por essa razão, não virou notícia.
Serviço
O Escândalo Philippe Dussaert
Espetáculo teatral com o ator Marcos Caruso (SP) nesta sexta (28), às 21h, e sábado, às 19 e 21h, no Teatro Celina Queiroz (Avenida Washington Soares, 1321, Campus da Unifor - Bloco T). Classificação etária: 12 anos. Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia). Contato: (85) 3477.3311