Lei Rouanet é debatida por especialistas cearenses após anúncio de mudanças

Produtores culturais e gestores discutem as alterações previstas pelo Ministério da Cidadania; e avaliam o impacto da medida no Estado

O Ministro da Cidadania do Governo Federal, Osmar Terra, anunciou, na última segunda-feira (22), as mudanças previstas na Lei Federal de Incentivo à Cultura (atual "Lei Rouanet"). Alvo de polêmicas das discussões entre militantes a favor e contra a gestão do presidente Jair Bolsonaro, o tema enfim ganha um discurso oficial após 100 dias de governo.

Por meio de um vídeo publicado nas redes sociais do Ministério da Cidadania, Osmar Terra resumiu o que mudaria na legislação. No entanto, a publicação da instrução normativa no Diário Oficial da União está prevista apenas para esta quarta-feira (24).

Hoje, a Lei Rouanet funciona por meio da inscrição de projetos elaborados por produtores culturais. Com a proposta aprovada, cada proponente deve captar o valor do recurso junto às empresas. O apoiador destina, para o projeto, uma quantia que pagaria para o imposto de renda (IR).

Segundo o anúncio, o valor máximo de cada projeto inscrito mudaria de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão. Cada proponente poderia captar, no máximo, R$ 10 milhões. Por exemplo, a mesma organização poderia inscrever 10 projetos, cada um no valor de R$ 1 milhão, no período de um ano. O ministro alega que, assim, haveria "muito mais atividades culturais e artistas apoiados", se comparada à quantidade de projetos contemplada pela legislação vigente.

Terra anunciou, ainda, que uma série de atividades culturais não se adequaria à nova legislação. "Ficam fora da nova regra os projetos de restauração de patrimônio tombado, construção de teatro e cinemas em cidades pequenas e planos anuais de entidades sem fins lucrativos, como museus e orquestras", apontou.

Outra exceção seria o valor máximo para projetos de "festas populares". Eventos como o "Festival Amazonas de Ópera, Festival Folclórico de Parintins, o Natal Luz, feiras de livros" - enfatiza - teriam "tratamento especial" e poderiam inscrever propostas com o teto de R$ 6 milhões.

Ainda de acordo com o ministro, eventos que usarem recursos da Lei terão de oferecer de 20 a 40% dos ingressos de graça. A distribuição desse montante "será feita para famílias de baixa renda", destaca Osmar. As entradas custariam, no máximo, R$ 50.

Análise

Para o gestor cultural e consultor de leis de incentivo, Luis Carlos Sabadia, o Governo Federal terá dificuldades, ainda assim, para descentralizar os recursos concentrados em projetos do eixo Rio-SP. "Para que se faça descentralização é necessário que outros mecanismos federais, como o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e também os editais dos diversos estados e municípios brasileiros, possam funcionar em plenitude", acrescenta.

Sabadia observa que, a respeito dos mecanismos de financiamento da cultura, existe uma crença equivocada de que a Lei Rouanet "pode tudo". "A lei é, há muito tempo, um dos únicos mecanismos federais de financiamento e, por meio dela, pode-se fazer muito, mas dentro do sistema de financiamento global à cultura, ela não pode tudo", detalha o gestor.

Sobre a redução do teto do valor dos projetos - dos atuais R$ 60 milhões para R$ 1 milhão - Sabadia confirma que haveria desarticulação da cadeia produtiva que ocupa profissionais da cultura e do entretenimento. A observação do gestor questiona, inclusive, a afirmação do ministro, de que as mudanças na lei beneficiaram, necessariamente, as populações mais pobres. "Existem, por exemplo, muitos projetos de formação artística, espalhados em comunidades carentes em todo o Brasil, que não se sustentam com este teto (de R$ 1 milhão) ", cita Sabadia.

Realidade local

Indagado sobre como as mudanças afetariam os projetos culturais do Ceará, Luis Carlos Sabadia coloca que não haverá muitas alterações a curto prazo para a realidade do financiamento à cultura no Estado.

"Nosso campo de atuação no Ceará é restrito, projetos com mais de R$ 1 milhão no Estado têm muita dificuldade em captar, e os planos anuais de instituições e os projetos de restauro de bens imóveis estão, pelo que foi dito, preservados".

Cautela

Tanto Sabadia quanto o advogado Humberto Cunha alertam para o fato de que é preciso ter cautela ao analisar as mudanças previstas, antes da publicação da instrução normativa (IN) no Diário Oficial da União. Para o gestor, o "tratamento especial" dado ao teto do valor dos projetos de festas populares terá de ser regulado de forma "bem objetiva. Como farão isto, na IN, é uma incógnita", percebe.

Para Cunha, ainda é "prematuro fazer análises sem que a nova legislação tenha sido publicada. Ela é o parâmetro inicial da observação a partir do ponto de vista jurídico".

O advogado alega que, em "tempos em que as redes sociais definem até eleições nacionais", contextualiza ele, o anúncio pode fazer parte de uma estratégia para o governo ter medida sobre a aceitação (ou não) das mudanças previstas. "Entre o anúncio e a efetiva publicação muita coisa pode mudar", reforça.