Quando a psicóloga Deborah Coelho e o empresário Waldemar Felipe resolveram casar, de uma coisa tinham certeza: a cerimônia precisava ser a cara do casal, por isso, repensaram diversas tradições que acabam por reforçar o machismo em casamentos. Da entrada conjunta dos noivos à participação do pai de Deborah no ‘dia da noiva’, a festa não foi nada tradicional.
“A gente queria casar, fazer festa, mas não só não queríamos reforçar essas tradições machistas, como também não tem nada a ver com a gente. A gente queria que a festa tivesse nossa cara e isso precisaria que quebrasse certos padrões, o que foi algo presente em muitas pequenas decisões”, conta Deborah.
Uma das mudanças que Deborah e Waldemar fizeram foi a entrada dos noivos. Em vez de fazer a tradicional caminhada até o altar com o pai, a psicóloga optou por fazer o cortejo com o próprio noivo.
“Queríamos mostrar que nós chegamos juntos ali, de que não tinha ninguém entregando a filha pra ninguém, era uma caminhada que a gente faz ao lado um do outro. Eu tenho uma relação maravilhosa com o meu pai e nem teve nada a ver com isso, só que pra gente faria mais sentido assim”.
A entrada foi uma surpresa para os convidados e, de acordo com Deborah, a empolgação foi tamanha quando os viram. “As pessoas gritaram com a entrada, ficaram super empolgados com a cena. Ficamos muito felizes de ter tido essa sacada”, diz.
Pai no dia da noiva
Nas horas que antecederam a festa, Deborah escolheu por passar o momento de arrumação com a família. Foi para a casa dos pais e lá teve o ‘dia da noiva’ ao lado da mãe, do pai e da irmã. “Mandei fazer um robe pro meu pai também escrito “pai da noiva” e ele acompanhou tudo”.
Além de ter visto toda a arrumação de perto, o pai de Deborah participou da sessão de fotos de making of em um momento que se tornou super divertido e significativo. “Quis fazer isso para incluí-lo também nesse momento e foi ele quem fechou meu vestido”.
Embora algo simbólico, o casal também optou por colocar os nomes dos convidados nos convites como os costumam chamar. “Não tinha isso de senhor e senhora, eram os nomes deles mesmos, e também endereçamos tanto pra mulher quanto pro homem. Fizemos algo bem carinhoso, não tinha isso dos pais convidam pra celebração também”, conta.
Cortejo diferente
Deborah e Waldemar também optaram por escolher os padrinhos que fossem importantes para a história do casal e eles entraram no cortejo em grupinhos e não em casais.
"Também trouxe muito pra coisa das madrinhas pra estarem confortáveis, não coloquei nenhuma imposição de cor pra que elas pudessem se sentir mais à vontade. O momento não era sobre imposição, era pra gente comemorar, poderiam ir de rasteira, tinha um traje, mas que elas pudessem escolher como se sentisse bem", explica.
A UX-writer Érika Neves e o consultor legislativo Helder Farias também fizeram o cortejo de forma diferente na festa de casamento. "Não tivemos padrinhos, apenas madrinhas e foi muito natural, porque realmente as pessoas mais próximas do casal são essas minhas amigas, temos amigos homens, mas não faria sentido fazer parte do cortejo".
Disputa pelo buquê para todos os convidados
Até a famosa disputa pelo buquê ganhou outro significado na cerimônia de Deborah e Waldemar. Juntos, os dois jogaram ‘buquês de corações’ para todos os convidados. Entre os coraçõezinhos, dois tinham uma fitinha amarrada e quem os pegasse ganharia um brinde: o buquê de flores ou um uísque.
“E adoro essas brincadeiras, sempre gostei, seria hipocrisia da minha parte não ter no meu casamento, por isso, resolvemos fazer a dinâmica de uma forma diferente. Todo mundo participou, solteiros, casados, homens e mulheres”.
Além disso, Deborah conta que o noivo participou de todos os preparativos e decisões da organização da festa. “Ele tomou algumas decisões por conta própria, não teve isso da noiva organizar tudo só, decidir tudo. O casamento às vezes pode ser algo mais social que uma celebração de amor e queríamos que fosse sobre nós, pra comemorar nossa união”.
Nome de solteira
Érika e Helder quando casaram também decidiram romper com tradições e não adotaram os sobrenomes um do outro após o registro civil. “Não fazia sentido pra gente, pra nossa história, não muda nada em nosso amor ou na nossa união”.
O número de mulheres no Ceará que fez a mesma decisão tem crescido, inclusive, nos últimos anos. No ano passado, mais de 29 mil casamentos foram oficializados no Estado e, do total, 16.244 mulheres (55%) não alteraram o “nome de solteira”.
Em 16.109 dos casos, nenhum dos cônjuges mudou o nome; e em 135 deles, somente o homem alterou. Os dados são da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) e foram obtidos com exclusividade pelo Diário do Nordeste.
Nada de "Game Over" é 'Só start’
A cerimônia também foi realizada ao modo deles e, em vez de ter um juiz de paz ou um representante religioso fazendo a celebração, convidaram três amigas que contaram a história do casal com propriedade de fala.
"A gente uma coisa bem simples, a ideia era ter uma cerimônia que celebrasse nossa união e não queríamos uma pessoa não conhece nossa história, não fazia sentido pra gente, queríamos uma coisa mais intimista, uma festa que fosse muito a nossa cara e com pessoas que nos acompanharam”.
Para Érika e Helder, as escolhas de romper tradições foram mais naturais, já que isso faz parte da convicção do casal. “A gente costuma brincar que lá em casa o feminismo já foi legalizado”, brinca Helder.
Por isso, ela não entrou na cerimônia ao som da tradicional marcha nupcial e acabou jogando o buquê porque as convidadas insistiram para fazer a brincadeira, mas de forma ressignificada.
“Pra mim, casamento não tem nada de fim, é o começo da minha vida inteira com minha melhor amiga, minha companheira. Acho uma besteira essa brincadeira de ‘game over’, por exemplo, porque pra gente é só start mesmo”.
Olhar de quem faz
A celebrante de casamentos e outras comemorações, Lara Rovere, traz em seus escritos a quebra de paradigma e de certos discursos que são naturalizados, mas revestidos de machismo. "O tal do ‘pode beijar a noiva’ é um exemplo, por que alguém tem que liberar? E por que o noivo é que tem que beijar?”, questiona.
Comumente presente em casamentos de diversas formas, é a história do ‘game over’, que atrela o discurso ao noivo, como se a vida para ele acabasse ali. “É como se o casamento fosse ruim pro homem, e pra mulher não fosse uma escolha. Não faz o menor sentido”.
“Importante ressaltar sobre o peso que a palavra, mesmo que dita no automático, tem na perpetuação desses valores machistas. Ser celebrante mulher, por si só, também já representa uma ruptura desse lugar normalmente ocupado por homens. Quase sempre a tradição se sobrepôs à história do casal e, agora, temos a possibilidade de que as próprias histórias assumam o protagonismo”.