Forró dos Velhos é espaço de encontros, paquera e memória nas noites de Fortaleza

Na Vila Manoel Sátiro há mais de 15 anos, o Forró do Biriba é atração das segundas-feiras com frequentadores fiéis

Após duas batidas com um cartão de crédito no guichê da bilheteria, Aryane Albuquerque, 27, atende um casal de idosos que chegava naquela noite de segunda-feira (2) ao Forró do Biriba, na Vila Manoel Sátiro, periferia de Fortaleza. “Homem é R$15, mulher é R$10”, disse a jovem. Pede o passaporte de vacina, entrega os ingressos e deseja uma boa festa. Era dia de pé de serra em um dos populares “Forró dos Velhos”.

A banda Zé Iris & Forrozão Dedo de Aço ainda começava a tocar, não tinha nem meia hora de show. O público que chegava ao local não escondia a ansiedade. “Quero ficar perto do palco”, falava uma mulher. Por tradição, a festa deveria acontecer toda segunda-feira, mas, nos últimos meses, precisou ser adiada algumas vezes por conta das chuvas. 

O local não possui cobertura completa por toda a extensão do terreno. O vento também não ajuda, trazendo ainda mais água para quem está dentro do espaço toda vez que chove. Apreensiva, a recepcionista Georgiana Silva, 28, pesquisa no celular se tem alguma probabilidade de chuva para as próximas horas. Se ela viesse no início da festa, seria sinônimo de prejuízo. 

Na entrada, a cada pessoa que chegava, Francisco de Assis, 62, o Seu Biriba, cumprimentava de forma entusiasmada: “olha só quem veio”. Do outro lado da rua, carros de aplicativo paravam para o desembarque de mais frequentadores. Alguns chegavam de motos ou de ônibus. Na calçada, o vendedor de bombons abordava quem se aproximava da bilheteria. 

Dentro do estabelecimento, mesas e cadeiras brancas de plástico enfileiravam a primeira parte do local. No meio, uma quadra de dança onde homens e mulheres revezavam seus parceiros a cada início de música. Na lateral, o bar vendia da água de coco à cachaça. Na banca, mais ao fundo, comidas típicas e churrasco feitos por Dona Rosangela da Silva, 50. Tudo a preço popular.

Grandes sucessos do forró tocaram durante as quatro horas de show. O jeito de dançar pouco importava. Alguns dançavam colados, outros mais distantes, outros partiam para os passos mais clássicos do forró, enquanto alguns se espalhavam pelo salão. No palco, o cantor saudava nomes presentes na festa. Naquela segunda, um público de cerca de 100 pessoas.

Henrique Silva, 36, dividia-se em muitos durante o Forró do Biriba. Semanalmente, o professor leva as alunas ao local por uma quantia em dinheiro. Dança com uma, descansa e, poucos minutos depois, retorna ao salão com outra parceira. “É um espaço diferente, com pessoas diferentes. Aqui tem igualdade”, destaca. 

A aposentada Rosália Bezerra, 67, é uma das alunas de Henrique. Para o evento, desembolsou cerca de R$200, contando as horas de dança e deslocamento do professor. Os dois se conhecem há dois anos e meio e, por três dias da semana, saem pelas festas de Fortaleza em busca de dança e diversão. 

Assim como em toda festa, a paquera não poderia faltar. Tirar para dançar, muitas vezes, é a primeira e principal forma de conquista. Foi assim que aconteceu com Dona Leonor, 74, e Seu Jonas, 89, que começaram a namorar após terem se conhecido no local. O homem ainda se lembra da roupa da companheira. Era vestido azul escuro e sapatos pretos. “Ali eu encontrei meu presente”, afirma. Para a mulher, o encontro foi a certeza da volta da felicidade após viuvez de sete anos.

O eletricista Mateus de Sousa, 27, já conhecia muitas histórias sobre o Forró do Biriba. Desde criança, queria participar da festa pelo o que contavam. Para ele, ali era o lugar do ‘verdadeiro forró’. Foi o pai quem o levou pela primeira vez e, desde então, não parou de ir. “Venho sempre depois do trabalho, tomo umas e vou embora”, relata. 

A ressaca na calçada de casa

Nem sempre o Forró do Biriba aconteceu em um espaço comercial. Primeiramente, começou como uma brincadeira na calçada da casa de Seu Biriba, também na Vila Manoel Sátiro. As comemorações fizeram a família dele sempre ter um papel de destaque na comunidade. O local virou ponto de encontro preferido de forrozeiros cearenses.

Com uma sanfona, um triângulo e uma zabumba, o grupo se juntava para festejar a “ressaca”, em alusão ao único dia de folga dos músicos.

O evento deu tão certo que o público que frequentava as casas de shows da terceira idade da região começou a migrar para a festa da calçada. 

Até quinze anos atrás, ganhar dinheiro fazendo festas de forró era apenas um sonho distante de Biriba. E continua sendo. Após insistência de amigos, resolveu alugar o espaço atual, localizado noutra esquina de casa. Por alguns meses, não cobrou ingresso para tentar atrair clientela.

Biriba faz uma espécie de busca ativa por atrações. A partir de quinta-feira, inicia uma visita a estabelecimentos da Capital para saber quem está disponível. Conversa, faz panfletagem, entrega o número do telefone. 

Atualmente, raramente tem lucro. Por isso, as atrações são pensadas de acordo com as necessidades do estabelecimento. Nas segundas próximas ao dia dos pagamentos de contas, as apresentações são de bandas mais conhecidas e que têm um maior número de fãs. Todo mês são necessários R$4 mil para arcar aluguel e despesas com água e energia elétrica. Os eventos nem sempre pagam as atrações. Muitas vezes, Biriba dá o que foi apurado no caixa no dia. Para incrementar a renda, conserta panela de pressão em casa.

O impacto das perdas 

As mortes dos músicos Clementino Moura, vítima de insuficiência renal em 2017, e de Dedim Gouveia, por Covid-19 no ano passado, atingiram diretamente a família de Biriba. Os dois acolheram o empresário desde o início do trabalho com eventos. As dificuldades para a manutenção das festas acabaram fortalecendo o vínculo afetivo. Biriba conquistou a admiração e era “o cara” para os músicos.

Os forrozeiros tinham em Biriba um exemplo de dignidade e companheirismo. No período de convivência, passavam horas contando estórias enquanto tomavam cerveja e comiam galinha caipira.

Biriba sente falta dos amigos, chora toda vez que lembra. As mortes assustaram o forrozeiro. Segundo ele, só tinha se sentido tão triste assim quando havia perdido os pais. “Eles estariam aqui hoje na festa, me ajudando, se estivessem vivos, tenho certeza”, afirma. 

Do início, restou Antônio Gouveia, o Toinho Bacural, 60, irmão de Dedim. Atualmente, o músico faz uns frilas para algumas bandas ou se apresenta de graça, apenas por diversão. Naquela segunda, reviu o amigo Biriba e tocou por algumas horas, sempre entoando o “taca o pau, Dedim Gouveia”. 

Bacural sabe do poder da frase que era dita pelo irmão. Repetir aquelas palavras é uma forma de deixar o Dedim presente.  Fora isso, é retraído ao falar sobre outras memórias e das pessoas que ama. Na conversa, acendia e apagava a tela do celular por estar “nervoso”. A repetição do movimento era a senha para voltar ao palco. Retornou e ficou até o fim da festa.


SERVIÇO

Forró do Biriba
Rua Albano Amaral, 887 - Vila Manoel Sátiro. Aberto toda segunda-feira, a partir das 18h