Existe um Parque das Esculturas em Fortaleza, mas faltam esculturas no lugar

Em 1997, 16 obras de artistas cearenses foram instaladas no Parque Pajeú. Hoje, apenas quatro peças danificadas estão no lugar. Sem apontar prazos ou corpo técnico responsável, gestão municipal promete recuperar e restaurar as que ainda sobraram

O Parque Pajeú guarda a memória de Fortaleza. Ali, ainda resiste e corre as águas do riacho de mesmo nome que testemunhou o processo de formação e urbanização da cidade. Em abril de 1997, a história deste espaço público ganhou um novo capítulo por meio da arte. 

Naquele ano, após parceria da Prefeitura de Fortaleza, Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) e ação de artistas plásticos cearenses, o local se transformou em museu ao ar livre. 16 obras de arte foram instaladas em torno do complexo, conferindo-lhe o sugestivo nome de “Parque das Esculturas”.  

Chegamos a maio de 2023 e a situação do acervo artístico no local desperta, no mínimo, questionamentos. Das 16 peças originais, todas esculturas de grande porte, apenas quatro podem ser encontradas no Parque. Três delas continuam (ainda) de pé. As outras desapareceram.  

Sim, existe um “Parque das Esculturas”, mas faltam obras por lá. Na busca pelo paradeiro, ouvimos gestão municipal, CDL e artistas. Dos escultores envolvidos no projeto, restou a cobrança e indignação. O caso reacende a discussão de como a arte pública é tratada em Fortaleza. 

Observador em ação

O desaparecimento das obras do Parque Pajeú ganhou notoriedade via rede social. No Dia do Trabalho, o perfil de Instagram “Centreiro” alertou acerca do descaso. A publicação reunia fotos das peças sobreviventes e informações em torno da trajetória do “Parque das Esculturas”. 

Unindo as formações em história e fotografia, o administrador da página, Luca Salri, registra as andanças pelo Centro de Fortaleza. “Havia passado várias vezes pelo Parque Pajeú, vendo o que restou de nosso riacho Pajeú. Numa dessas visitas notei uma escultura (uma forma triangular e cheia de cabeças). Na busca por informações descobri que ali já houve um parque com esculturas”, detalha.  

Duas fontes de pesquisa ajudaram Salri. O livro “A Arte Pública De Fortaleza” (2003), escrito pela arquiteta e pesquisadora Tania Vasconcelos e uma reportagem publicada pelo Diário do Nordeste em 2009. Na primeira, o “Centreiro” conseguiu recuperar fotografias das esculturas que se perderam.

Em relação ao texto jornalístico, a constatação foi de que o sumiço de boa parte do acervo foi continuado ao longo dos anos. Naquela ocasião, 12 anos após a instalação do acervo, a denúncia já apontava que oito peças do conjunto não tinham paradeiro certo.  

Um museu de arte aberto no Centro

A inauguração do projeto "Parque das Esculturas" ocorreu em 10 de abril de 1997. A população ganhava um acervo de esculturas com mais de quatro metros de altura, muitas feitas de materiais como o aço. Com direito a iluminação especial, cada unidade fincou um espaço em meio a todo o verde do lugar.

Aos visitantes, um garantido passeio por diversas correntes artísticas. Um encontro com a atuação de grandes nomes das artes plásticas do Ceará.  Estavam Aldemir Martins (1922-2006), Sérvulo Esmeraldo (1929-2017), Heloysa Juaçaba (1926-2013), Hélio Rôla, Emília Porto, Roberto Galvão, Gilberto Cardoso, José Tarcísio, José Guedes, Anderson Medeiros, Sérgio Pinheiro, José Mesquita, Sérgio Lima, Ascal, Patrícia Al'Kary e Zé Pinto (1925-2004). 

A efetivação deste projeto revelava também a luta antiga desta classe. A consolidação de uma cidade na qual os espaços públicos permitissem a integração do povo com obras de arte. Causa encapada esta durante anos, a exemplo dos esforços de Sérvulo Esmeraldo.  

O Parque das Esculturas, assim, simbolizava a possibilidade de um futuro no qual a Lei municipal 7.503/94, que obriga a colocação de obras de artistas cearenses em prédios e áreas públicas, realmente saísse do papel e ganhasse corpo.  

Além de Prefeitura Municipal e CDL à frente da iniciativa, a criação daquele museu público e permanente revelava o esforço dos artistas. "Eles cobraram só os custos de material e a mão de-obra.  Se as peças fossem comercializadas, seriam bem mais caras", descreveu, à época, o curador José Mesquita. 

Hoje, dos 16 trabalhos, é possível identificar quatro obras ainda no local.  Estão “Cones” (Sérvulo Esmeraldo), "Pai Sol" (Emília Porto) e "Ecos do cangaço” (Patrícia Al'Kary). Estas, ainda preservam parte de sua formatação original. A quarta peça seria “Arboriforme” (Sérgio Lima). Contudo, dela sobrou um pedaço retorcido e enferrujado. Agora é a vez de artistas comentarem o caso.  

Artistas criticam   

"Lamentamos que isso tenha sumido, literalmente desaparecido", conta José Guedes. Ele foi responsável pela obra "Árvore II". Da escultura em aço pintado, montada com três metros de altura, restou somente o suporte no qual ficava presa. O realizador desconhece qual destino foi dado a seu trabalho.

"Sempre que chegava algum crítico de arte na cidade, o Parque era um lugar que eu gostava de levar. Um museu a 'céu aberto'", resgata. Guedes compartilha sobre o quão era gratificante ver as obras disponíveis ao público. Existia um certo ânimo de que a proposta alcançasse outros pontos da Capital. 

"Um museu que era para estar vivo, ter tido a manutenção correta. Eram obras de escala razoável, isso não impedia de gerar outras ideias. Ter o mesmo modelo em vários espaços do Ceará, locais com obras de arte. Praticamente não temos praças focadas nisso. Seria um acesso bem democrático. Entraria na rotina da cidade", estipula.

Confeccionada em alumínio, "Ecos do Cangaço" homenageia a luta do nordestino. A obra é uma das quatro sobreviventes de todo o acervo. A criadora, Patrícia Al'kary, nos conta que a inspiração advinda deste povo, a de persistir, permeou a construção desta peça. 

"Nos doamos naquelas obras. Fiz com zero real praticamente, com um valor pequeno fui conseguindo os materiais para fazer este trabalho. Uma obra que retrata o Ceará. O cearense quando quer ele faz. Vamos dar esse jeito, somos cearenses", reafirma.

A artista reflete que o cenário poderia ser diferente, caso políticas e ações voltadas a incentivar a ocupação do Parque Pajeú tivessem sido pensadas. "Só ser o 'Parque das Esculturas', mas sem ter função exata, por qual razão  as pessoas iriam ali? Deveriam ter centros de treinamento para crianças, com brinquedos inteligentes, palcos de teatro. Ali daria para oficinas. Aperfeiçoamento das pessoas que dão serviço no Centro", argumenta.

Agora é correr contra o tempo perdido. "O mais importante é saber onde as outras peças estão. Ou então, transferir quais restaram para um espaço mais visível", aponta Patrícia Al'kary. 

Recuperar, não remover

 "É lamentável que nosso patrimônio artístico seja tão maltratado e desrespeitado em Fortaleza. Isso é base para todas as obras, não só as do Parque Pajeú, mas todas as obras públicas que estão na cidade", alerta a presidente do Instituto Sérvulo Esmeraldo, Dodora Guimarães. 

A viúva do artista esteve recentemente no Parque Pajeú. Em sua avaliação, "Cones" está em avançado estado de depredação. Apesar de abandonada, descreve, a peça ainda pode ser recuperada. O custo da restauração, estima, poderia custar o valor pago a uma possível remoção.

"Sem nenhuma medida de preservação, cairá e pode ser um dano para Fortaleza. Além de perdermos uma obra de Sérvulo Esmeraldo, ela pode cair sobre uma pessoa", adverte. Retirar a obra do lugar é algo totalmente fora de cogitação.

"Ela é um bem público. O direito autoral existe, mas temos a propriedade da coletividade, do patrimônio público. Meu dever é lutar para que os órgãos responsáveis restaurem e garantam a vida da obra. Na minha compreensão, meu dever é esse", situa Dodora Guimarães. 

Obras sem destino

Responsáveis pela área, Prefeitura de Fortaleza e CDL não responderam acerca do paradeiro das esculturas. Desde sua efetivação no Parque Pajeú, o projeto do "Parque das Esculturas" atravessou quatro gestões municipais. Pela ordem, seguiram as administrações de Juraci Magalhães, Luizianne Lins, Roberto Cláudio e o atual José Sarto.

A Prefeitura de Fortaleza, por meio da Secretaria da Gestão Regional (Seger), teve o prazo de sete dias para resposta e disse que envolveria Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza (Secultfor) e Regional 12 para atender a demanda da reportagem que questionou: paradeiro das obras, projetos de restauração e aplicação da Lei municipal 7.503/94. 

A nota de resposta não explica o destino das 13 esculturas do Parque Pajeú. A Seger declara que "será feita uma visita ao Parque Riacho Pajeú para realizar um levantamento do estado das esculturas do local e encaminhar as providências necessárias para a recuperação e restauração". Contudo, não aponta quando será realizado o serviço ou quem estaria à frente do processo. 

A nota continua: "A Secretaria Municipal da Gestão Regional (Seger) informa que realiza ações constantes de zeladoria no Parque Riacho Pajeú, que incluem a limpeza do espaço público, bem como do recurso hídrico que dá nome ao local. Vale ressaltar que o segundo trecho do Parque Riacho Pajeú é adotado pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL), através do Programa de Adoção de Espaços Públicos, mantido pela Seger. Por meio do programa, o adotante auxilia na manutenção do espaço com a execução dos serviços de limpeza e irrigação".

A CDL explicou que "tem como responsabilidade somente cuidar da jardinagem e limpeza do Parque Pajeú". Sobre o desaparecimento das obras de arte dos artistas cearenses, a instituição trouxe a seguinte declaração:

"O que podemos observar é que, com o tempo, a ação de pessoas vulneráveis, falta de segurança e iluminação não adequada, o parque ficou desprotegido, principalmente, nos períodos noturnos ao longo dos anos".

Lista das obras desaparecidas:

"Mulher Reclinada", de Aldemir Martins (1922-2006);

"Abstração em Branco", de Heloysa Juaçaba (1926-2013);

"Supercão", de Hélio Rôla; 

"Revoada", de Roberto Galvão; 

"Árvore II", de José Guedes;

"Arco-Íris", de Gilberto Cardoso; 

"Série Kaosmos", de José Tarcísio;

"Pássaro", de Anderson Medeiros;

"Caixa", de Sérgio Pinheiro; 

"Portal para as Nuvens", de José Mesquita;

"Tótens", de Ascal; 

"Soltando Arraia", de Zé Pinto (1925-2004).