A comunidade tradicional de Cajueiro se vê diante de uma ameaça quando seus integrantes começam a adoecer em decorrência de um acontecimento desastroso onde vivem. As crianças são as primeiras a desaparecer, contaminadas pela radioatividade que tomou conta daquele território. Assim, não só a saúde, mas a continuidade daquele povo também está em risco.
Essa é a história do espetáculo “Rastros”, que estreia neste domingo (10), no Theatro José de Alencar, em duas sessões gratuitas. Mas é também a história de vários povos e regiões do País.
O trabalho, costurado de forma coletiva, é fruto dos estudos da turma noturna deste ano do Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT), com orientação da professora Neidinha Castelo Branco e dos assistentes de direção Thiago Vasconcelos, Karoline Tedesco e Israel Lucas.
Ao longo de dez meses, 37 alunos passaram por quatro módulos teóricos e práticos para elaborar a peça, que tem como mote principal a relação entre colapso ambiental e adoecimento humano – e não foi preciso olhar para longe para buscar inspiração.
“No quarto módulo, de pesquisa e montagem, buscamos interseções entre nossas urgências pessoais e demandas sociais importantes”, explica o administrador João Pedro Oliveira, 29, um dos alunos.
Visando abordar um tema relevante para a população do Ceará, a turma decidiu utilizar o projeto de mineração de urânio em Santa Quitéria, no Sertão Central do Estado, como norteador do roteiro, que une ficção e realidade.
Além de atuarem, os alunos também participaram do processo de escrita do texto. O intuito do grupo, reforça João Pedro, é lembrar ao público que o tema da peça é, na realidade, "parte do presente e do futuro de todo cidadão cearense".
Durante o período de construção do texto, além das aulas práticas e teóricas, a turma imergiu no tema por meio de rodas de conversa e contou ainda com a visita de uma componente da Articulação Antinuclear do Ceará (AACE).
Para a professora e diretora Neidinha Castelo Branco, esses momentos de formação foram fundamentais para que o grupo compreendesse a dimensão dos problemas e que, de fato, o teatro pudesse ocupar um lugar de crítica e transformação social diante do colapso ambiental que vivemos.
“O papel da arte é incomodar, é tirar o fruidor - aquele que a aprecia - da comodidade, da apreciação digestiva. O teatro historicamente sempre cumpriu esse papel”, destaca a professora e diretora Neidinha Castelo Branco. “Ao expor um tema da ordem do dia, com consequências apocalípticas, o teatro está ocupando de fato o lugar que dele se espera”.
Grupo visa fortalecer luta das comunidades tradicionais
Ao se matricular pela primeira vez em aulas de teatro, a cientista ambiental Brenda Rozendo, 29, já sabia que tinha como objetivo unir a arte ao trabalho de educação ambiental que desenvolve junto a escolas e associações.
Em “Rastros”, ela conta que houve uma vontade coletiva de ecoar a luta pelo meio ambiente e o interesse em problematizar a instalação de megaempreendimentos em territórios onde vivem e resistem comunidades tradicionais, caso de Santa Quitéria.
“A gente quis trabalhar o tema do colapso ambiental junto ao adoecimento humano, e discutimos dois grandes empreendimentos que amedrontam os povos tradicionais no Ceará: as eólicas offshore e o Consórcio Santa Quitéria”, explica.
A estudante de teatro afirma que, pela força econômica, a luta pela vida de muitas comunidades é invisibilizada, e que o espetáculo busca apenas ecoar a voz dos movimentos da região, uma voz que combate a exploração há mais de uma década.
“A luta que tocam na região de Santa Quitéria não é de hoje, tem mais de dez anos. O que eu penso que esse espetáculo pode trazer de melhor é fortalecer para que essa luta alcance novos ouvidos, que ele seja uma soma”, ressalta. “É uma causa que não é só do outro, mas também é nossa”.