É Ricardo Cavalcante quem abre a porta de casa. “Entrem, sejam bem-vindos”. Contorna a sala, observa a luz, senta em uma das poltronas. Está em movimento de conversa, dinâmica frequente do próprio temperamento. Nesse embalo, a primeira referência que faz sobre si mesmo diz muito sobre este esmerado filho da Terra da Luz. “Sou cearense, cidadão de Fortaleza”. Território que é berço, jornada e paixão. Trabalho.
Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará - Fiec, o empresário é todo entusiasmo ao falar da estrada humana e profissional. Caminho pavimentado cedo, mediante estreito contato com a família. Foram os pais, Amarílio Cavalcante (in memoriam) e Francisca Holandina Montenegro Cavalcante – com graciosos 98 anos – os responsáveis por estimular a educação dos nove filhos e fazê-los voar.
No caso de Ricardo, ilustre estudante do Colégio Santo Inácio, foram diversos os passos dados. Cursou Ciências Econômicas na Universidade Federal do Ceará e formou-se em Gestão Financeira no Centro Universitário Farias Brito. Com o irmão, foi sócio-diretor de duas empresas do segmento de extração e beneficiamento de brita – uma localizada em solo cearense, a Pedreira Itaitinga; e outra no Estado do Maranhão, a Rosário Mineração.
O encanto com a área, ele conta, veio da dedicação ao estudo e do gosto por atuar no segmento já aos 20 anos de idade. A mineração é encarada pelo industrial como parte fundamental da sociedade. “Ela é muito importante para o ser humano. Tudo é mineração – do gesso ao piso, da cerâmica ao tijolo”, enumera, apontando as partes da casa.
Além dos cargos que passou a ocupar por meio da entrega a esse serviço – foi presidente do Sindbrita por três gestões; diretor e vice-presidente da Associação Nacional dos Produtores de Areia e Brita do Brasil; e presidente da Câmara Setorial da Mineração do Estado do Ceará – Ricardo acumulou saberes e experiência. Uma das principais foi o aperfeiçoamento do associativismo, modelo de colaboração entre empresas com interesses em comum.
“A partir dessa prática, começamos a entender os problemas do setor, e não somente de nossa própria empresa. Ao mesmo tempo, iniciamos o desenvolvimento de novas ações, sempre visando o bem comum de todos”. A propensão para o setor de vendas, aliado à atuação também numa construtora – tudo executado com esse mesmo cuidado e consideração por si e pelos outros – permitiu que os caminhos se alongassem. À frente, mais passos a galgar.
Vontade, liderança, indústria
O perfil visionário e a capacidade de lidar com diferentes perspectivas impulsionou Ricardo Cavalcante para a Fiec. O empresário tinha 29 anos quando ingressou na instituição, na década de 1990. Nessa travessia, é marcante a forma como passou a ganhar mais responsabilidades e imprimir o distinto jeito de liderar.
Começou integrando a Diretoria da Federação; depois foi Diretor Administrativo Adjunto e, por fim, Diretor Administrativo. Como mais uma missão, em janeiro de 2018, foi eleito presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae-CE e, em abril de 2019, por aclamação dos Sindicatos filiados à Federação, assumiu o posto de presidente da Fiec, para o mandato 2019-2024.
“Tem sido para mim uma grande escola, na qual aprendi com os ex-presidentes que precisamos ajudar nossa indústria. Temos uma indústria muito forte no Ceará, e que vai crescer ainda mais. Acho que cada um que vem dá o seu melhor, a entidade cresce e a gente melhora. Isso faz com que tenhamos grande respeito – não só dos empresários, como também da comunidade e da sociedade como um todo”.
A deferência em larga escala e por diferentes setores passou a ser ainda maior mediante a conduta de Ricardo durante a pandemia de Covid-19. Entre o medo do desconhecido, as inúmeras adversidades causadas pelo vírus e o desejo de continuar fortalecendo a indústria, o cearense foi exemplo de gestão e empatia.
“A indústria fez muito na pandemia. Você não vê ninguém reclamar que faltou alimento no supermercado, remédio nas farmácias, produtos… Ela estava trabalhando com cuidados triplicados, os protocolos eram muito rigorosos. Ninguém queria arriscar perder colaboradores e fazer uma coisa que não era normal. Ou seja, tivemos um momento muito difícil, mas, ao mesmo tempo, foram aqueles em que pensamos: ‘Precisamos ajudar’”.
Assim nasceu o Fiec Salvando Vidas – iniciativa do empresariado cearense e de setores da sociedade civil, encabeçada pela Fiec em parceria com a Fecomércio-CE e a Câmara dos Dirigentes Lojistas de Fortaleza. Todo o recurso arrecadado foi investido em aquisições de equipamentos e insumos hospitalares, além de alimentos para minimizar as consequências sociais geradas pela pandemia. A ação arrecadou mais de R$11 milhões.
Outra grande contribuição de Ricardo à frente da Fiec nesse período foi o desenvolvimento do capacete de respiração assistida, Elmo, em tempo recorde – fruto de parceria com o Governo do Estado, Universidade Federal do Ceará, Universidade de Fortaleza e Esmaltec. O aparelho tornou-se fundamental para evitar a intubação de pacientes, reduzindo em 60% a necessidade de internações em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Apenas quatro das dez pessoas que usaram o capacete no Hospital Leonardo da Vinci precisaram ser transferidas para UTIs, por exemplo. Ele tratou quadro clínico moderado e também auxiliou casos em início de gravidade. “Fico muito feliz porque, com o Elmo, conseguimos reunir toda a inteligência do Estado, independentemente de onde ela tenha vindo, para fazer o melhor para a sociedade. Conseguimos salvar mais de 40 mil vidas. Acredito que o propósito foi mais que alcançado”.
A energia do Ceará
Agora, Ricardo quer ir adiante com uma empreitada surgida ainda em 2020, o Hidrogênio Verde. A inovadora tecnologia de produção de energia é obtida a partir do hidrogênio, oriundo de fontes renováveis e sem emissão de carbono. Com apoio do Governo do Estado, a Fiec faz parte, junto à UFC, de um grupo de trabalho que irá conduzir a implementação do HUB no Estado, tornando-se uma das lideranças no desenvolvimento da tecnologia na região.
“Em 2015, a COP-21 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) já cobrava isso: precisávamos diminuir as emissões de carbono. Assim, começamos a desenvolver essa ideia porque o Nordeste do Brasil tem o melhor vento e o melhor sol. Só para você ter uma ideia, temos uma produtividade média de 5,3 kWh por m² contra 3,2 kWh por m² da Alemanha. Se investirem US$1 bilhão de dólares no Ceará e no Nordeste, comparado à Alemanha, haverá uma produtividade de 50% a mais”, contextualiza.
Trata-se, portanto, de um momento histórico para o Estado e para o país, capaz de mudar a indústria, a economia e o perfil socioeconômico cearense. Até agora, foram assinados 22 Memorandos de Entendimento com o Estado do Ceará visando o desenvolvimento de projetos de Hidrogênio Verde no Complexo do Pecém.
“Em vários municípios daqui, pessoas que ganhavam um salário mínimo estão ganhando quatro salários cuidando de uma placa. Estão com uma enxada na mão, por exemplo, preparando a terra, e cuidando de uma coisa que está mudando a vida delas e da família. É nisso que eu tenho acreditado, na transformação proporcionada por essa energia”, celebra. Capacitação, emprego e renda à vista na nova cadeia produtiva que se desenha.
Alegrias compartilhadas
Fã inveterado de música – de Fábio Júnior a Martinho da Vila – e já tendo praticado basquete, Ricardo Cavalcante gosta de festejar cada uma dessas conquistas com a família e os amigos. Ele é casado há 39 anos com a economista Rosângela Cavalcante, tendo como filhos Natália Cavalcante Pinho, Ricardo Costa Cavalcante e Vitor Costa Cavalcante. Há também um trio de netos: Sofia, Daniel e Ricardo. “São todos maravilhosos”.
De riso solto e energia contagiante, os parentes descrevem o industrial como alguém brincalhão e bastante devotado a quem ama. Uma das características que, inclusive, levou para a condução profissional foi o apreço por ajudar o próximo, com ouvidos atentos para receber, entender e tentar dar apoio ao que for para o bem.
“Acho que tenho feito isso, eu me disponibilizo muito. Se você estiver com um problema e eu puder te ajudar, me ofereço – e várias vezes resolvo. Acredito que fico mais feliz do que a pessoa”, gargalha.
Vem de infância. Na convivência com os nove irmãos, Ricardo era o que costumava apaziguar as pequenas brigas, pedindo perdão sempre que preciso. Hoje, o espírito de solucionar problemas por meio do diálogo é bandeira maior. Isso talvez explique a manutenção de laços com amigos de longa data – algumas parcerias com até mais de 45 anos – e o desejo de reunir mais gente ao redor.
“São coisas do meu coração. A gente tem que tentar melhorar o mundo. Reclamar e criticar menos, trabalhar mais. E respeitar as pessoas. Nunca levantei a voz para ninguém – nem na família nem na empresa. Não acho que é o tom de voz que vai mudar as coisas, mas a conversa. A gente educa pelo exemplo, aprendi isso com meu pai. Ele sempre dizia, ‘os cargos passam, as pessoas ficam’. Logo, estou como presidente da Fiec, mas na condição de fazer o melhor. O próximo gestor deverá perpetuar esse legado”.
Emoção pelo reconhecimento
Ricardo Cavalcante não escondeu a emoção ao saber que seria um dos homenageados com o Troféu Sereia de Ouro. “Eu não esperava – até porque não faço nada esperando receber aplausos ou prêmios”, diz. “Mas fiquei muito lisonjeado. Quase não dormi naquela noite que soube”, gargalha, os olhos brilhando de novo.
“O Troféu Sereia de Ouro é a maior comenda que um cidadão cearense pode receber. Só tenho a agradecer ao Grupo Edson Queiroz por essa deferência. A gente se sente muito feliz, é um reconhecimento pelo trabalho que estamos fazendo. Mas sempre recebo com muita humildade porque sei que tem muita gente boa na frente. Quem recebe esse prêmio está ganhando o maior e o melhor prêmio que o Estado do Ceará pode dedicar a uma pessoa”.
A comenda
Criado em 1971 pelo chanceler Edson Queiroz e dona Yolanda Queiroz, o Troféu Sereia de Ouro é uma das mais tradicionais comendas do Ceará. Tem como objetivo homenagear personalidades que se destacaram em diferentes setores de atuação, contribuindo para o desenvolvimento do Estado.
É concedido anualmente pelo Sistema Verdes Mares, integrante do Grupo Edson Queiroz, em solenidade realizada no Theatro José de Alencar. A honraria já foi entregue a centenas de nomes, brilhantes em atividades públicas e privadas, e que seguem inspirando gerações.