Ricardo Bacelar lembra de uma experiência marcante na infância. Com um gravador de rolo, o avô, Aldenor Paiva, gravava grupos de chorinho dos anos 1970. O garoto ficava caladinho enquanto testemunhava aquele momento mágico. Eram apenas três microfones na sala. Vez ou outra, na busca da melhor captação, os músicos precisavam mudar de posição. Certo dia, o atento observador mirim foi além e chegou a tocar percussão em uma destas sessões.
Esta vivência ainda o acompanha. Hoje, o músico reconhecido internacionalmente mantém especial atenção à alquimia sonora de uma gravação. O novo fruto dessa entrega chega ao mercado, com o lançamento do disco "Congênito". O trabalho demarca um momento especial na carreira do compositor, arranjador e produtor cearense.
Nome de um clássico de Luiz Melodia, o quinto álbum solo é um projeto de intérprete. Escolhido a dedo, o repertório passeia por Caetano Veloso (“A tua presença morena”), Gilberto Gil (“Estrela”), Belchior (“Paralelas”); Djavan (“Lambada de serpente”) e Adriana Calcanhotto (“Mentiras”). Para recriar estas pérolas da MPB, Ricardo Bacelar gravou todos os instrumentos.
"Congênito" surge desse desafio solitário que nasceu durante a pandemia e da vontade de Bacelar em explorar todos os recursos do Jasmin Studio, que montou em Fortaleza. "É bem brasileiro, nordestino, com uma pegada de pop, onde eu trago meu lado que nunca apresentei como cantor e multi-instrumentista", detalha o artista.
Qualidade internacional
O álbum, que sai nos formatos digital e em CD, é lançado simultaneamente no Brasil, EUA, Japão e Portugal. Chega às plataformas de streaming com o videoclipe de “A tua presença morena”. Ainda no território multimídia, ao todo, serão quatro videoclipes e um documentário com registros dos bastidores do processo de gravação.
As sessões no Jasmin Studio tomaram dois meses de intensas pesquisas e experimentações. "Congênito" foi gravado em áudio imersivo Dolby Atmos e som em 3D. Todo acústico, quase nada eletrônico, todo tocado à mão. Em determinada faixa, Bacelar gravou o som de um tamborim por 12 vezes.
A dedicação revela o aficionado por todos os estágios que exigem uma gravação. Sua busca é sempre por estar próximo da manufatura e criação.Tal escolha demandou doses de ousadia, técnica e muita paciência. Cada instrumento traz um tempero diferente.
Sou apegado a essa coisa da gravação, de registrar, captar, trabalhar muito com texturas e experimentação sonora. É como pintar um quadro, traçando uma paisagem. No documentário mostro como eu fiz, tecnicamente. Quais microfones usei, tem um lado mais técnico. É muito incomum. Quando você ouve o disco não imagina ter sido gravado todo por uma só pessoa"
Com o apoio do engenheiro de áudio, Melk, Bacelar aprofundou-se nas possibilidades musicais do Jamin Studio. No caldeirão de sonoridades do álbum também contam crias de Chico Buarque (“Morena dos olhos d’água”), Jorge Mautner e Nelson Jacobina (“Maracatu Atômico”); Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro (“Estrela da terra”) e o clássico samba-canção “É preciso perdoar” (Carlos Coqueijo/Alcyvando Luz), que completa a seleção.
O Bacelar cantor
Durante o tempo de Hanoi Hanoi, grupo de destaque nos anos 1980 e no qual entrou aos 18 anos, Bacelar chegou a fazer e gravar vocais. Com o tempo, durante a construção da carreira solo, a intimidade com o microfone foi despertando em meio a projetos instrumentais. "O contato foi entrando de forma natural. Sem perceber, fui cantando uma música nos shows, gravando uma faixa... O canto foi chegando de forma despretensiosa", explica.
Antes de "Congênito", ele cantou nos singles “Nada será como antes”, com Delia Fischer, e “Vício elegante”, parceria com Belchior, Bacelar gravou os vocais de “Oh mana deixa eu ir” em seu elogiado álbum “Sebastiana” (2018). O disco sai pelo selo "Jasmin Music", que nasceu do estúdio de mesmo nome.
Além de Congênito, o Jasmin Studio foi cenário das gravações do álbum de Ricardo Bacelar e Cainã Cavalcante (“Paracosmo”) e o single “De passagem”, com a participação de Toninho Horta. Com a tecnologia de captação em mãos, a ideia é poder exercer o ofício de produtor, músico e compositor de uma forma cada vez mais intensa. Com isso, a partir do estúdio, o selo ganha uma identidade sonora própria.
"O Jasmin Studio me permite a consolidação de uma estética, de investimento em um catálogo... Uma coleção de discos artisticamente uniforme. Como eu tenho transito pelo erudito, pelo instrumental, posso também ter uma abrangência maior por meio dessa linguagem", completa.
Agora, é a vez de "Congênito" levar o som com qualidade Jasmin Studio para o mundo. Uma turnê do repertório será organizada em breve. Perguntado sobre o paradeiro das gravações do avô, Ricardo Bacelar confirma que o precioso acervo fonográfico está sob seus cuidados. Os planos de recuperação deste material existem, confirma o cearense. Quem sabe, logo escutaremos os mesmos sons que encantaram o Ricardo Bacelar garoto. Um futuro desafio na alquimia do Jasmin Studio.
Ouça o álbum aqui.
Repertório Congênito – Ricardo Bacelar
1 - O último pôr do sol (Lenine/Lula Queiroga)
2 - She walks this earth (Ivan Lins/Vitor Martins/Chico César/Brenda Russell)
3 - Congênito (Luiz Melodia)
4 - Morena dos olhos d’água (Chico Buarque)
5 - A tua presença morena (Caetano Veloso)
6 - Estrela (Gilberto Gil)
7- Mentiras (Adriana Calcanhotto)
8 - É preciso perdoar (Carlos Coqueijo/ Alcyvando Luz)
9 - Paralelas (Belchior)
10 - Estrela da terra (Dori Caymmi/Paulo César Pinheiro)
11 - Lambada de serpente (Djavan)
12 - Maracatú Atômico (Jorge Mautner/Nelson Jacobina)