Dois filmes cearenses estreiam no Festival de Gramado na disputa de prêmios

Produções cearenses, dirigidas por Petrus Cariry e Wolney Oliveira, revelam o sertão do estado a partir das histórias em torno da criação do Açude Castanhão

Tapete vermelho para o audiovisual brasileiro. Começou o 51º Festival de Cinema de Gramado. O Ceará volta a ser destaque nesta que é considerada uma das mais importantes premiações do País. Os filmes "Mais Pesado é o Céu" e "Memórias da Chuva", dirigidos por Petrus Cariry e Wolney Oliveira, serão exibidas ao público e jurados nesta segunda-feira (14), no Palácio dos Festivais. 

Os cearenses competem, respectivamente, nas mostras "longas-metragens brasileiros" e "documentais". Mesmo pertencendo a gêneros cinematográficos diferentes, no caso, ficção e documentário, desbravam o sertão do Estado. Revelam dramas por detrás da extinção de Jaguaribara, cidade hoje submersa pelas águas da barragem do Açude Castanhão.

Em "Mais Pesado é o Céu", Antônio (Matheus Nachtergaele) e Teresa (Ana Luiza Rios) são ex moradores do lugar. Se conhecem pelo mundo e, após acolher uma criança abandonada, iniciam uma difícil jornada pelas estradas. Já "Memórias da Chuva" recupera testemunhos reais de quem sentiu na pele este acontecimento.

Dois curtas-metragens do Ceará também marcam presença na serra gaúcha. O evento conta com a VI Mostra de Filmes Universitários e participam "Artemis", de Maria Tamires e Victor Emanuel Borges (Unifor) e "Quinze Primaveras", de Leão Neto (UFC).

Ceará em Gramado 

Há poucos dias da estreia em Gramado, conversamos com os diretores de "Mais Pesado é o Céu" e "Memórias da Chuva". Petrus Cariry comenta como o tradicional festival se consolidou como um importante espaço da sétima arte. "É bom estrear em Gramado, você tem uma divulgação para mídia muito grande, toda a imprensa fica em volta. Para o filme é ótimo", detalha.

As filmagens aconteceram em 2021. Percorreu os municípios de Quixadá e Nova Jaguaribara, tendo como um dos cenários o Açude Castanhão e sua história de submersão. Sobre o fato de ter outra produção conterrânea revelando este acontecimento histórico, o cineasta aponta que será enriquecedor para o público. "O documentário completará a parte histórica que a ficção não abarca. Será uma coincidência marcante", devolve Cariry.

Wolney Oliveira divide o quanto esta estreia em Gramado guarda enorme simbolismo. "É muito importante concluir um filme e realizar a premiere mundial num dos festivais mais prestigiados do Continente, o mais importante do Brasil", situa. 

Em outro sentido, o evento possui relevância enquanto polo do mercado audiovisual do Brasil. Inúmeras entidades como Ministério da Cultura, Ancine, além de produtores e investidores se encontram nos sete dias de evento. "Fico mais feliz também por ter Petrus Cariry aqui, duas gerações do cinema cearense em Gramado", comenta.

"Filmamos durante a pandemia. Lembro que saia um carro de Fortaleza para higienizar hotel, a van da equipe. Estar hoje em Gramado é uma compensação divina", completa Wolney Oliveira.

Road movie no sertão

Sétimo longa-metragem de Cariry, "Mais Pesado é o Céu" teve locações nos municípios de Quixadá e Nova Jaguaribara. Tem como um dos cenários o Açude Castanhão e sua história de submersão. Fazer o trabalho no contexto pandêmico demarcou inúmeras influências na obra. 

'Mais Pesado é o Céu' foi rodado no final da pandemia. É sempre um processo delicado fazer um filme nessas condições. Ainda mais durante o governo Bolsonaro, de extrema-direita. Isso se refletiu na obra de alguma forma. Trata dessas questões. Temos um casal que se encontra na estrada. Atravessando aquele cenário se deparam com um País em ruínas, dentro daquele microcosmo É uma história forte, dura, tem sua poesia. Reflete essa época, não tem como".
Petrus Cariry
Cineasta

O projeto é reflexo de um desejo antigo do cineasta, que já participou de dezenas de festivais nacionais e internacionais com seus filmes anteriores. “Eu sempre tive vontade de fazer um 'road movie' para explorar essa possibilidade do ‘não-lugar’ do asfalto e dos espaços desertos preenchidos pelo drama humano", descreve.

"Gosto muito de trabalhar com essa coisa das ruínas. De cidades que deixaram de existir", explica. Tais temas estão presentes em seus trabalhos, casos de "Mãe e Filha" (2011) e "A Praia do Fim do Mundo" (2021), este último, com previsão de chegar ao mercado exibidor em outubro deste ano.

Além de Nachtergaele e Rios, o elenco ainda traz nomes como Silvia Buarque, Danny Barbosa e Buda Lira. A produção é de Bárbara Cariry, por meio da Iluminura Filmes, e a distribuição está a cargo da Sereia Filmes. "Uma cidade que está debaixo de um açude, a população evacuada à força. A coisa física, as memórias ficam por ali.  Os personagens moravam na cidade. Essa memoria que ficou ali, no fundo das águas", descreve Petrus Cariry. 

Águas que marcam

"Memórias da Chuva" (2023) revisita a história da construção do Açude Castanhão, projetado para garantir recursos hídricos para Fortaleza (CE) e região metropolitana. O resultado deste empreendimento trouxe o consequente deslocamento da população da cidade de Jaguaribara, demolida para dar lugar à barragem.

À época, descreve, os moradores se uniram na formação de uma frente de resistência para tentar impedir o projeto. A criação de uma cidade substituta, a primeira planejada do Ceará, surgiu como uma demanda dessa articulação popular. "O documentário organiza tudo isso. Apresenta o drama dessas pessoas", assinala o diretor. 

20 anos depois, o filme desperta as memórias do povo jaguaribarense e discute a relação de pertencimento com a cidade do passado e a do presente."É poder dar a estas pessoas a oportunidade de contar o que elas sofreram, passaram. Resgatar essa polêmica e os conflitos políticos e sociais que o envolvem. Uma cidade, com mais de nove mil habitantes, foi dizimada", finaliza Wolney Oliveira.