A Segunda Guerra Mundial (1936-1945) é um dos assuntos mais instigantes para o cinema. Episódios do sangrento campo de batalha e as consequências sociais e políticas do conflito alimentam a imaginação de roteiristas e diretores. Ficção ou documentário, a denúncia do horror já encheu as telas.
Para alguns realizadores da área interessa investigar as trajetórias de criaturas quase anônimas, vítimas de todo tipo de crueldade que um evento desses é capaz de gerar. O documentário "Soldados da Borracha", de Wolney Oliveira, se insere nesta lista.
Premiado na última edição do Festival Internacional de Documentários "É Tudo Verdade", a obra será exibida hoje, às 19h30, em sessão especial do Cine Ceará - Festival Ibero-americano de Cinema. A seleção da qual participa reúne filmes que não integram as mostras competitivas.
A faixa já apresentou ao público "A vida invisível", (Karim Aïnouz) e "Maria do Caritó" ( João Paulo Jabur). Na sexta-feira (6), será a vez de "Pacarrete", que também encerra o evento.
Contextos
Em plena Segunda Guerra Mundial, um acordo de cooperação entre os governos do Brasil e Estados Unidos levou cerca de 60 mil nordestinos para a região amazônica. A missão era extrair látex dos seringais e destinar à indústria norte-americana de armamentos. Àquela altura, revela uma das fontes consultadas na obra, a borracha para os ianques era item ainda mais precioso que o envio de tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para a Europa.
O Japão cortou o fornecimento de borracha ao bloquear áreas produtivas de látex situadas na Ásia. Por volta de 1942, controlava 97% das regiões produtoras do Pacífico. Tal estratégia tornou crítica a disponibilidade do produto aos aliados. Por meio do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta), brasileiros eram recrutados e encaminhados aos seringais.
Pobres, flagelados pela estiagem, homens e mulheres escutaram promessas de melhores dias. Muitos foram levados à força. Metade morreu sem nunca voltar para casa.
Hoje, os poucos sobreviventes esperam o reconhecimento como "heróis da pátria" e a prometida aposentadoria equivalente à dos pracinhas que lutaram no Velho Mundo. "Soldados da Borracha" resgata memórias de abandonados. São depoimentos dolorosos, porém capazes de evidenciar a fibra destes combatentes por justiça.
Até chegarem ao Norte, enfrentaram todo tipo de humilhação. Muitos chegavam fracos por conta da disenteria, reflexo das péssimas condições alimentares. Lá, recebiam o mínimo.
"Uma colher com garfo pregado, uma camisa de 'algodãozinho' e uma calça azul. Cigarro só dava para tapear de início. E acabou a história. Dinheiro? Conversa de bêbado", detalha o soldado Jeová Santos.
Morriam pela mata. Malária, ataques de animais e fome eram a realidade daquele "sonho dourado". Para garantir o sustento mínimo, precisavam extrair cerca de 50 kg. Equivalente a comer na floresta durante uma semana apenas. O regime era de escravidão. Muitos eram acorrentados e nem tiveram chances de enterrar seus familiares.
Em 2004, Wolney lançou "Borracha para a Vitória" (2004) e parte dos entrevistados daquele momento retornam na premiada atualização de 2019. Contribui para o resgate um serviço de edição mais atraente, marcado pela inserção de animações. Outro ponto interessante é reportar os últimos esforços do Governo brasileiro em reparar este genocídio. Que outros filmes e livros denunciem um episódio tão perverso do Brasil.
Serviço
29º Cine Ceará - Festival Ibero-americano de Cinema
Exibição especial de "Soldados da Borracha", de Wolney Oliveira. Hoje (4), às 19h30, no Cineteatro São Luiz (Rua Major Facundo, 500, Centro). Gratuito. Ingressos com distribuição no local