De músicos a costureiros, conheça profissionais afetados financeiramente com a suspensão do Carnaval

Cearenses que encontram no ciclo carnavalesco a principal fonte de renda relatam angústia com indefinição sobre recursos para 2021

Não fosse a pandemia, a essa altura o carnavalesco Márcio Santos já estaria morando no barracão do Maracatu Vozes da África, a costureira Fátima Vieira teria uma demanda tão alta de figurino a ponto de cogitar a impossibilidade de concluir a tempo, o aderecista, compositor e intérprete Márcio Lima e a cantora Alê Eloi comemorariam a agenda cheia de compromissos, garantindo a renda financeira para a maior parte do ano. Mas 2021 chegou trazendo marcas profundas, e sem uma campanha de vacinação efetiva para todos os brasileiros, muitos ofícios seguem comprometidos.

A realidade dos quatro profissionais da cultura cearense acima apresentados ilustra a de outros tantos que dependem do Carnaval para pagar as contas do mês. Com a suspensão do evento pelo Governo do Estado para conter a transmissão do coronavírus, sem os auxílios emergenciais que ficaram em 2020 ou ainda uma previsão de editais específicos para o setor com recursos das Secretarias de Cultura municipal e estadual, eles vivem um baile de incertezas.

“Quando a gente fala dessa anulação do carnaval, é muito complicado. Ainda não caiu a minha ficha, porque numa hora dessas eu já tinha deixado minha casa para trabalhar só no maracatu. Como carnavalesco, eu acompanho compositores, soldadores, escultores, costureiras, uma rede de gente que trabalha nesse período, que ganha o sustento nele, e agora está sem perspectivas”, pontua Márcio Santos, 42 anos, que é vice-presidente do Maracatu Vozes da África, com atuação há duas décadas pela agremiação.

Para os 350 brincantes da agremiação que ele representa desfilarem na Avenida Domingos Olímpio, pelo menos 40 profissionais, incluindo o próprio Márcio, têm seus trabalhos remunerados com recursos que as pastas municipais e estaduais disponibilizam anualmente, mas que até o momento ainda não foram anunciados.

Planos frustrados

Fátima Vieira, 60 anos, é responsável pela costura de figurinos e adereços da Escola de Samba Imperadores da Parquelândia há pelo menos três anos, e também confecciona as roupas do Maracatu Az de Ouro, o mais antigo em atividade em Fortaleza. Com experiência de trabalho nos barracões da Beija-Flor e da X-9 Paulistana, ela costuma ficar sobrecarregada de serviço nesse período, mas agora relata não ter praticamente nada em vista.

“O projeto que eu tinha pra 2021 foi todo cancelado. Eu ia reformar meu ateliê, comprar mais uma máquina, porque as quatro que tenho são poucas para dar conta da demanda do carnaval, mas tudo isso foi arquivado, porque o negócio não está nada bom e sem previsão de melhorar”, lamenta. Aposentada, ela se assegura nesse benefício para manter as contas em dia, mas tem sentido o impacto da falta de trabalho para complementar a renda desde abril de 2020. “Eu fico imaginando quem depende 100% desse dinheiro, como estão vivendo ou sobrevivendo”, pontua.

Márcio Lima, 40, é um deles. Carnavalesco, aderecista, compositor e intérprete, ele iniciou sua trajetória no carnaval na primeira formação do Afoxé Acabaca, que em 2021 completa 16 anos de atividade em Fortaleza. “A partir de lá me abriu um leque de oportunidades. Vim trabalhando com maracatus, ajudei a criar o bloco Amigos do Zé e há quatro anos eu conheci um afoxé novo, o Omorixá Odé, e fui convidado para ser o carnavalesco. Abracei a causa, é bem minha praia, porque vim de terreiro de candomblé. O mesmo fundador desse afoxé fundou o Bloco do Zé Almir, do qual também faço parte hoje”, resume.

Durante o período mais crítico da pandemia, Márcio chegou a prestar serviço de corte e costura para uma amiga que tem uma confecção. Mais para o fim do ano, com a chegada dos recursos da Lei Aldir Blanc, ele voltou às atividades dos grupos culturais. “Em dezembro, comecei a dar oficinas virtuais e depois algumas presenciais. Sou pago pelo contrato do afoxé e do bloco, por meio dos projetos aprovados”, explica.

A suspensão do carnaval deve impactar todo o planejamento de Márcio para 2021.  “O ciclo carnavalesco é o ápice para mim, é o mais importante no sentido de trabalho, é a renda que arrecado para poder executar meus planos durante o ano”, partilha. Enquanto o cenário pandêmico se mantém, ele pretende se virar sem perder o otimismo. “Ainda tenho projetos em mente e me mantenho com boas expectativas. Algo de bom vai chegar, vai dar para tocar a vida até tudo se normalizar”, anseia.

Alternativas

A cantora Alê Eloi,46, que costuma animar vários polos do Carnaval de Fortaleza desde 2017 com samba, axé, brega e pop, até conseguiu “manter a dignidade” no início da pandemia, graças ao rendimento obtido com a festa, mas logo começou a sentir a dificuldade financeira. “Recebi apoio do Movimento das Mães pela Diversidade, que me enviava cestas básicas. Comecei a fazer lives em prol de algumas ONGs, mas depois tive que fazer em prol de mim mesma. De repente me vi sem nada. Sem poder trabalhar mesmo. Artista individual, sem bares para trabalhar…”, recorda.

Então vieram os shows virtuais, e Alê conseguiu fazer dois pelo projeto “Sons do Mercado”, viabilizado pela Prefeitura. Com o retorno dos restaurantes, arranjou um trabalho de auxiliar de cozinha em uma hamburgueria onde costumava fazer shows. “É isso mesmo. Fui lavar louça e limpar chão. Hoje, o recurso que por enquanto me resta para complementar a renda familiar, é fazer apresentações em apenas dois lugares aos finais de semana. A contratação está bem difícil”, sinaliza.

A esperança de Alê e dos outros profissionais que dependem financeiramente do ciclo carnavalesco é que a nova gestão municipal mantenha o calendário, mesmo que de forma virtual. “E já que não se tem prazo para edital, pois é uma coisa bem demorada (os editais costumavam abrir em meados de outubro), que sejam selecionados pelo currículo passado”, opina. “Mas como artista que sou, gosto mesmo é do calor humano, da vibração da galera. Então só me resta gritar bem alto: VEM VACINA!”, finaliza.