Nas horas vagas do trabalho como repórter, o Facebook sempre me atraiu por vídeos de humor e de animais. Durante os últimos meses, porém, a rede social teve um aumento visível de transmissões de gamers. Foi quando, em abril deste ano, deparei-me com a live de Samira Close, cujo nome e rosto soavam familiar. Resolvi assistir àquela partida de "Free Fire", jogo de tiro com formação de equipes. Em pouco mais de três minutos, vi naquela figura alguém próximo.
O sotaque e o jeito de falar rápido deixaram a experiência ainda mais cômica. Passei a ver vídeos dela no YouTube e em mais de 100 produções encontrei diversos relatos de superação. Da periferia de Fortaleza para São Paulo, da chamada "Favela do Plástico" - localizado no bairro Quintino Cunha - encontrei a história de uma cearense que ganhou a indústria dos games e levou o mundo LGBTQIA+ a um novo patamar.
O impacto da drag queen no mercado de games me assustou. No YouTube, mais de 600 mil inscritos acompanham os vídeos gravados de partidas de jogos como Cyber Hunter, Dead by Daylight, GTA, entre outros. No Facebook, plataforma na qual Samira Close é parceira, cerca de 650 mil pessoas a acompanham diariamente. Em três meses assistindo às lives, observei picos de 10 a 15 mil pessoas por transmissão. Os números são até maiores do que algumas transmissões de cantores de forró e sertanejo. Dali, mais um incentivo para solicitar uma entrevista.
Trajetória
Filha de mãe solo e evangélica, Samira Close não conseguiu vencer na vida de forma fácil. Antes de ser streamer, trabalhou como costureira e operadora de telemarketing. "Comecei a trabalhar muito cedo. Sou filho de mãe sozinha que teve que criar filhos. Por volta de 12 a 13 anos, aprendi a costurar. Com 14, já atuava profissionalmente. Vivia com um monte de mulher, com as velhinhas, pra poder pegar uma grana e colocar em casa. A cara do pessoal de Fortaleza, as 'bicha' tudo costurando", lembra.
Da infância à adolescência, Samira Close conseguia ainda tempo para ir a locadoras - locais famosos nos anos 1990 e 2000 no Ceará. "Uma história de luta. Eu, ainda criança viada, já jogava. Era só um hobby. Vivia em locadora. Daquele jeito, R$0,25 dava meia hora. Já R$0,50, uma hora. Na favela, as locadoras bombavam. Jogava Bomberman, Crush Bandicoot, Mortal Kombat, sempre fui nessa linha. Até conhecer os jogos de computadores", relembra.
Barreiras
Ainda com imagem masculina, sem a identidade drag, Samira Close começou a fazer transmissões de jogos. Por um problema estrutural, a família dela precisou se mudar para uma casa menor até o fim do reparo no lar.
"Quando morava em Fortaleza, vivia com minha mãe e avó. A casa que morávamos teve que entrar em reforma. Um pedaço do forro caiu. A gente foi pra uma casa menor. Na residência pequena, não tinha quarto pra mim e tive que parar com as lives. Na época, trabalhava como telemarketing de banco. Não dava para fazer transmissão com minha avó vendo TV e o povo gritando. Tive que parar. Não tinha condição, ia ficar uó".
Samira Close em vídeo de partida no Free Fire:
Nas primeiras lives, Samira participava de partidas virtuais de amigos. Com o tempo, os seguidores perguntavam por que ela não fazia as próprias. "O pessoal adorava. Via um cearense, já pensava em palhaçada. Começou a dar certo. Avaliei: 'Por que não investir nesse babado?'. Fortaleza não tem um mercado favorável para os games. Em São Paulo, é bem melhor. Foi quando decidi vir, mesmo com todas as dificuldades. Aí foi como toda história de todo nordestino. Fui tentando até conseguir vir. Hoje, estamos aqui trabalhando e pagando as contas".
Nesse mesmo período da mudança de casa, uma pessoa do interior de São Paulo entrou em contato com Samira e ofertou um quarto para que ela continuasse a realizar as transmissões. O medo de deixar a família bateu, mas o desejo de crescer e oferecer uma vida melhor à mãe e avó foi maior. "Pensei bastante. Tinha um pouco de resistência de deixar minha família, apesar de ter irmãos e tios. Era muito apegado, tinha medo. Mas entendi que naquele momento poderia ajudar muito mais estando longe, mandando uma grana. Comprei uma passagem no cartão, dividi em 70 vezes, botei uma malinha nas costas e fui me embora para o interior de São Paulo", relembra.
Na capital cearense, Samira Close viveu até os 20 anos. Inicialmente, no quarto alugado em Araraquara (SP), ela residiu por cerca de um ano e meio. "Hoje, moro na capital de São Paulo, finíssima, uma coisa assim milhões, graças a Deus. Cheia de diamantes", comenta, brincando.
Humor
Com diferentes perucas e maquiagens coloridas, já na performance Drag, Samira Close chama atenção entre os gamers. Sem amarras, ela mostra quem é de verdade nos jogos virtuais. Em Free Fire, por exemplo, um modo do jogo permite até quatro pessoas participarem simultaneamente de um confronto. Usuários de todo o Brasil interagem com a "Madrinha", assim chamada ela pelos fãs.
"Quando me montei pela primeira senti um impacto. Muitas pessoas gostaram e outras odiaram. Ouvia 'Porque essa cara tá com uma peruca na cabeça?' ou 'Coisa ridícula'. Naquela época não existia nada disso. Hoje, posso dizer, acredito, que fui a primeira drag queen a fazer esse tipo de live", diz.
Samira Close tem música gravada. Veja clipe:
A streamer fala ainda sobre os ataques virtuais. "Sofria muito ataque de haters. Muita gente dizia que ia mandar me matar. Coisas pesadas. Só que eu muito cearense, infelizmente, não que ache normal, calejada de ser xingada na rua, de ser chacota, usava do nosso bom humor para se defender. Sempre devolvo isso como humor".
Apesar de alguns jogos serem indicados para maiores de 18 anos, a participação de crianças é uma realidade. Samira Close vive da noite, em transmissões que entram pelas 2h e até 3h da madrugada. Em tom de humor, ela orienta os pequenos a terem cuidado ao conversar com estranhos. "Eu sou uma bicha perturbada assim, mas fui evangélica muitos anos. Não gosto de falar palavrão na frente de criança, acho desnecessário. A Samira Close não é uma versão de mim, mas é um papel em branco que pinto o que eu quiser seja de peruca ou barba. Vou adicionando coisas de acordo com que eu gosto. Não tem esse negócio de 'entrei no personagem'. A gente vai moldando as coisas".
Luta
Nem só de risos são as transmissões de Samira. Alguns episódios de homofobia são registrados diariamente nas lives da cearense. "O virtual consegue ser pior que o real. As pessoas se sentem mais poderosas atrás de um computador. Em todos os jogos, tem pessoas escrotas, machistas e homofóbicas. Eu tenho dois vieses: se a pessoa estiver disposta a ouvir e tirar dúvidas para desconstruir o preconceito, a gente conta a nossa história. Agora, se a pessoa vem para barbarizar, aí ela arrumou outro doido. Ai a gente barbariza, arrasa com a cara dela. A gente já tá tão calejada".
Feliz com o melhor momento da carreira, a drag queen conta que o bem-estar dos familiares é o que a faz mais feliz. "A fama, a grana e seguidores são coisas secundárias que vêm e fazem parte de um bom trabalho. Ajudo minha família e conseguir uma condição financeira melhor. O babado é de muita felicidade".
Samira Close em partida do Cyber Hunter:
De três em três meses, Samira Close tenta conciliar a agenda de eventos e as transmissões com vindas ao Ceará. Neste momento de pandemia do coronavírus, o retorno foi afetado. Com alegria, ela conta que não esquece jamais dos amigos e lugares que gosta em Fortaleza, além do gosto pelo forró, especialmente o -som de Solange Almeida. "Sinto falta dessa convivência de sentar na calçada e ficar frescando. Aqui em SP é uma correria muito grande. Tem o trânsito complicado. Deixei amigas em Fortaleza. Minha família, morro de saudade".
Para quem está pretendendo começar no mundo dos games, Samira Close aconselha: "A dica que eu dou é divirta-se. Você não consegue levar a sério se não tiver se divertindo. Live é um negócio que pega todas as emoções. Quem estiver vendo, precisa sentir isso".