Cuscuz é prato principal em restaurante de São Paulo criado por chef nordestina

Aberto em 2022, Cuscuz da Irina tem se destacado ao oferecer comida de vó e muita criatividade à mesa a partir de um de nossos patrimônios gastronômicos

Soltinho, com leite, servido como farofa e até como bolo: ninguém resiste a um bom cuscuz. Dentro e fora do Nordeste – região onde o prato ocupa a realeza gastronômica – é possível experimentar a delícia sem deixar a tradição e o sabor de lado. Estivemos em São Paulo e, nesse sentido, o Cuscuz da Irina é um oásis. Faz bonito do nome ao cardápio.

O empreendimento abriu em 2022 e, desde a data, tem feito sucesso ao reunir vários atributos. Além do cuscuz, o clima de casa de vó se sobressai. Trata-se de um imóvel duplex, com varandinha e tudo, no qual cheiro, móveis e decoração convidam para perto. Idealizadora do negócio, Irina Cordeiro pensou mesmo na matriarca da família ao lançar o restaurante. Aprendeu com ela a observar o gosto e a criatividade das coisas.

Quem conta é a sócia da proprietária, Nadja Narjara – uma vez Irina estar viajando durante nossa visita. Segundo a empresária, as próprias receitas são inspiradas na avó. “Tem o cuscuz com carne de sol na nata, por exemplo, e também o Rala Bucho, feito com galinha cozida, colocada no cardápio como ‘Galinha de voinha’. Foi do jeito que ela aprendeu a fazer quando criança, e é a memória feliz que a Irina tem diante de tudo o que vivenciou”.

Cozinha afetiva, portanto, no melhor dos termos, arraigada com práticas alimentares nordestinas cultivadas por nós desde muito cedo. Não à toa, se por aqui o cuscuz é consumido do café da manhã ao almoço, passando pela merenda da tarde, em solo paulistano o hábito segue cultivado pelas empreendedoras. Irina e Nadja são amigas de longa data e naturais do Rio Grande do Norte. Não descansam quando o assunto é amar a cultura de onde vieram.

“Percebemos que o cuscuz, embora seja comum na casa das pessoas, é um insumo geralmente ausente nos restaurantes. Esse, então, é um de nossos diferenciais: fazer com que o cuscuz seja o verdadeiro protagonista aqui”. A impressão é dividida com a chef de cozinha Carola Oliveira. Para ela, a casa remete a conforto, família grande, barulho e boa comida.

“Aqui no Cuscuz da Irina você acha um acalanto. Muita gente do Nordeste que mora em São Paulo, ou mesmo turistas, comem e reconhecem, em algum momento da vida, aquele saborzinho, o gosto daquela comida, das sobremesas. Chegam a se emocionar. É muito gostoso de acompanhar. Ainda não conhecemos alguém que veio e não gostou”.

O que experimentamos

Nossa experiência no cantinho foi farta. No menu em três passos, ficou evidente a qualidade e o carinho no preparo de tudo. Iniciamos com a Casquinha de Siri, feita à base de casquinha de siri catado, com refogado nordestino e farofa de cuscuz. Para acompanhar, caipirinha de caju, ainda mais deliciosa ao conter um pedacinho da fruta no fundo do copo. Irresistível.

O prato principal ficou a cargo do Ser Tão, um dos mais pedidos da casa. Cuscuz soltinho com carne de sol na nata – preparada no próprio restaurante e, portanto, com gosto muitíssimo apurado – queijo coalho, salada de feijão fradinho, coentro e manteiga de garrafa enchem os olhos. Serve bem uma pessoa e fica ainda melhor com uma cajuína ao lado.

A sobremesa foi um espetáculo à parte. Sabe quando você vai na casa da avó comer biscoito embebido no leite? Quer seja saudade, quer seja realidade, o hábito ganha novo contorno com o Risotinho de Bolacha, no qual a já conhecida prática é incrementada com doce de leite. “Tem muitas pessoas que choram ao experimentar esse risotinho”, situa Carola.

90% dos pratos aqui são compostos por cuscuz. Se não for ele propriamente dito, existe alguma base de milho. Ou seja, sempre tem esse ingrediente, ele permeia todo o nosso cardápio”, complementa a chef. Outros destaques à mesa são Café Coado na Calcinha, Sucrilhos Nordestino, opções diversas de brunch e Pudim de Milho com Furinho.

Além disso, uma das várias cerejas do bolo é também saber que o empreendimento – não à toa referenciado pela equipe como Útero – é praticamente todo tocado por mulheres. Estão da recepção à cozinha, da limpeza ao sorriso. Quando falam de Guilherme, único homem ali presente, o riso se sobressai: “É pra dizer que a gente não é preconceituosa”.

Cuscuz paulista não é cuscuz

Por estar em São Paulo, é claro que um dos tópicos da conversa foi como o restaurante encara a diferença entre o cuscuz nordestino e o cuscuz paulista. Nadja Narjara não alivia: cuscuz paulista não é cuscuz. “Eles tentam fazer essa comparação, e aí a gente tenta, de forma descontraída, falar a verdade. Sinto muito, mas cuscuz paulista é só um prato”.

Na visão dela, ele seria um bolo, um angu. Cuscuz mesmo é grão cozido a vapor, e pode ser de milho, de trigo ou de arroz. “Se for um grão cozido a vapor, vamos ter um tipo de cuscuz. O cuscuz paulista não é cozido a vapor. Faz-se um angu e cozinha no forno, com tudo misturado. Não tenho nada contra – eu, particularmente, não gosto. Mas…”.

A própria Carola, natural de São Paulo e com raízes nordestinas, concorda. Descobriu o que é cuscuz de verdade ao iniciar o trabalho junto à Irina. Para ela, é honra dividir espaço com alguém que tanto admira. Aos desavisados, Irina Cordeiro teve o talento culinário reconhecido nacionalmente após obter o terceiro lugar no MasterChef de 2017.

Hoje, além de encantar pelo paladar, segue como pessoa influente na moda, no comportamento e, sobretudo, no modo de encarar a vida. Para o próprio negócio, sonha alto. “Nosso projeto é expandi-lo em franquias pelo Brasil e pelo mundo. Queremos colocar o cuscuz em todos os lugares pra que as pessoas conheçam o jeito que a gente come. Tem cuscuz em vários lugares do planeta, mas o jeito que a gente consome, esse cuscuz nordestino, é bem específico”, diz Nadja, preparando o terreno para o convite de Carola.

“Venham sentir o amor. Já trabalhei em outras cozinhas antes – em cozinha de produção, por exemplo – e repetimos a mesma receita uma sequência de vezes. Acabamos no automático. Aqui, não. A Irina me parou na cozinha e disse: ‘É assim: você está fazendo cuscuz, está com a mão nele. Tem que pensar em amor, que quem vai comer vai gostar, precisa colocar sua energia aqui’. Sigo com esse foco, com esse desejo”.


Serviço
Cuscuz da Irina
Rua Ipero, 47, Jardim das Bandeiras, São Paulo (SP). Mais informações nas redes sociais do restaurante