Para quem vive com acne severa, melasma ou rosácea, cuidar da pele vai além do autocuidado e pode ser desafiador. Condições como estas exigem paciência para lidar com efeitos colaterais de remédios e o longo percurso do tratamento, além da construção de um senso de autoestima para resistir às inúmeras pressões estéticas. A procura por uma pele perfeita ficou ainda mais evidente durante a pandemia do novo coronavírus.
Um levantamento do Google apontou que as buscas por cuidados de pele cresceram 614% em abril de 2020 quando comparado a igual período em 2019.
Na contramão dessa tendência, surge um movimento que busca incentivar a aceitação das características naturais da pele, o chamado "skin positivity", ou, simplesmente, pele livre.
Em Fortaleza, a maquiadora Giu Rodrigues associa a rotina de cuidados ao entendimento de suas particularidades.
"Eu sempre falo que a pele conta a sua história, quem você é. Para mim, eu acredito que foram inúmeros os aspectos para a aceitação. Primeiro, na faculdade de estética, onde eu entendi os fatores que causam linhas de expressão, os que causam manchas. Entendi que tudo isso é natural. Segundo, é genética. Não tem como a minha família inteira ter uma pele acneica e eu, de repente, nascer sem uma pele acneica", reflete.
Adepta de técnicas como a massagem facial com óleos vegetais e o uso de produtos indicados para cada tipo de pele, Giu procura realçar os traços de cada cliente, e não escondê-los. Seus aprendizados e questionamentos também reverberam no ambiente de trabalho, onde sempre tenta promover a desmistificação da aparência padrão, especialmente em tempos de filtros digitais e apagamento de fisionomias distintas.
"Ainda estamos em um grande processo de não aceitação, principalmente com filtros que mostram pessoas irreais. No meu trabalho de moda, algumas modelos têm a pele livre de acne, mas quando tem, eu deixo sem cobertura. Pois a moda é onde muita gente se inspira e não acho justo mostrar algo tão irreal, sem textura, sem poros, sem marcas, sem acne. Num mundo utópico, olheira, veia e rugas seriam apenas características e não limitações ou imperfeições", complementa a maquiadora.
A dermatologista Gina Belém reitera:
"a pele perfeita, que é a pele dos filtros, é completamente inexistente. Vemos muito dismorfismos e os profissionais da beleza são muito estimuladores dos distúrbios porque se prega uma coisa que não existe".
Para ela, o profissional deve sempre, em primeiro lugar, escutar as queixas do paciente e, então, indicar as melhores soluções. Caso contrário, ele pode causar ainda mais problemas de autoestima.
Ela chama a atenção também para as recomendações de produtos feitas por blogueiras e o aumento em buscas por 'skincare', já que nem todo tratamento funciona para todos os tipos de pele, e o uso de cosméticos por conta própria pode causar, até mesmo, doenças dermatológicas.
"Vemos muito as pessoas se medicando e começando a se tratar com dicas de blogueiras. Milhões de problemas podem acontecer devido a isso, pois cada um tem suas características, o que precisa ser respeitado. Às vezes você tem uma pele acneica e extremamente sensível e usa produtos que vão piorar o quadro. Já a hidratação é superimportante, em qualquer tratamento",diz.
Experiências
A relação da estudante Bianca Caetano com a própria pele nem sempre foi como é hoje. Por anos, ela teve de conviver com acnes que chegavam a causar dor pela inflamação e, com isso, vieram várias tentativas de controlar. "Já testei vários produtos industriais na minha pele, usei ácidos, vários sabonetes e não via resultado. Me tornei então dependente de maquiagem, não saía sem, pois eu me sentia muito desconfortável", conta.
Por não ver resultados, Bianca passou a testar receitas caseiras e "fazendo esse tratamento mais natural, eu percebi que tratava minha pele com mais carinho e com esse olhar de mais naturalidade, essa é a minha pele, é assim que é possível eu tratá-la". A estudante relata que, a partir disso, começou a entender a pele como um organismo livre, com outras funções para além da estética.
Por isso, a dermatologista Gina aconselha o acompanhamento com profissional de confiança. "Problemas crônicos precisam de assistência para que sejam analisadas as expectativas do paciente, as possibilidades, ver como a pele reage. Tem que ter paciência, pois são doenças que têm relação com muitas variáveis, como o estresse e o clima".
Investimento
O alto preço de cosméticos é uma grande queixa de quem busca ter cuidados com a pele, mas de acordo com Gina, é possível realizar uma rotina com produtos mais acessíveis. "Existem produtos para todos os bolsos, eu sempre peso custo-benefício, tem que democratizar sim esses cuidados. Meu objetivo não é alcançar a pele perfeita, mas sim obter uma boa qualidade de pele", pontua.
Além disso, a médica explica que não é necessário ter muitos produtos para se manter uma pele saudável. De acordo com ela, o ideal é usar um sabonete de limpeza diário específico para a necessidade, um hidratante e protetor solar. Todos eles devem ser prescritos por um dermatologista.
Para Bianca, esse processo "é entender que a pele te conecta com o mundo e que funciona como um escudo de proteção. São vários outros fatores que fazem a gente ter as 'imperfeições'; ela carrega também o significado das cicatrizes de sobrevivência que a gente passou pela vida, são memórias que o nosso corpo nos revela e vem nos mostrar o que a gente é, pelo que passamos", explica.
Contudo, o processo de aceitação, de acordo com Bianca, não é fácil. "Sempre tento, com acompanhamento psicológico, pensar que tudo isso faz parte de quem eu sou", conclui.