Cineteatro São Luiz exibe produções da Netflix de forma presencial; críticos avaliam os filmes

Recém-lançados na plataforma de streaming, "Mank", de David Fincher; "Era uma vez um sonho", de Ron Howard; e "O Céu da Meia-noite", de George Clooney, integram sessões especiais do equipamento

A crítica especializada afirma e a comunidade cinéfila reitera: “Cidadão Kane” é um dos melhores e mais importantes filmes já realizados. Lançado em setembro de 1941, o clássico de Orson Welles (1915-1985) marcou gerações e ditou parâmetros para os cineastas vindouros, consagrando-se nos anais da História do cinema.

Agora a obra volta a percorrer os olhos dos espectadores sob outra perspectiva, enveredando pela polêmica que atravessa a autoria do roteiro do longa. A versão dita “oficial” credita a feitura do texto, premiado com o Oscar à época, a Welles e a Herman Mankiewicz (1897-1953); este, contudo, assegura que escreveu tudo sozinho, sem a presença do realizador americano. 

Munido dessa intrincada questão, David Fincher mergulha nos bastidores da indústria cinematográfica para narrar o célebre imbróglio. Em “Mank”, o diretor de “Clube da Luta” e “Garota Exemplar” vale-se do roteiro do falecido pai, Jack Fincher (1930-2003), como instrumento de reflexão sobre o singular universo da chamada Era de Ouro de Hollywood. 

Uma das mais recentes produções originais da Netflix, o filme está em cartaz neste mês no Cineteatro São Luiz, com exibições neste sábado (9), às 10h, e nos dias 14, 23 e 28, integrando a programação presencial do equipamento, seguindo todas as normas de biossegurança. Com ele, mais dois longas produzidos e recém-lançados pela plataforma de streaming ocupam as sessões especiais: “Era uma vez um sonho”, de Ron Howard, e “O Céu da Meia-noite”, de George Clooney. Os dias e horários das exibições podem ser conferidos no site do São Luiz.

Além das três películas, “Pacarrete”, de Allan Deberton, também retorna à tela do Cineteatro, aos sábados e durante todo o mês de janeiro.

Impressões

Autor do blog Diário de um Cinéfilo e membro das Associações Brasileira e Cearense dos Críticos de Cinema – Abraccine e Aceccine, respectivamente – Ailton Monteiro assistiu a dois dos três longas da Netflix em cartaz no São Luiz. Sobre “Mank”, comenta que, tendo em vista ser a obra uma das mais aguardadas do ano, a experiência de conferir o último lançamento de Fincher foi um “balde de água fria”.

“Tinha muito interesse em assistir no cinema antes da estreia, mas, como o Cineteatro São Luiz só exibiu justamente em uma sessão que não podia ir, assisti na televisão mesmo. Resultado: o filme foi um tormento para mim”, situa. “Ao menos serviu para eu pegar o livro da Pauline Kael e ler o seu ensaio, ‘Criando Kane’, enquanto via o filme ‘em fascículos’, já que era quase impossível vê-lo de cabo a rabo. Por isso suspeito que a experiência no cinema poderia ter sido melhor, já que a telona tem um poder maior de imersão”.

Segundo ele, dada a recepção mista da crítica, o longa decepcionou bastante em suas chances para o Oscar deste ano, cuja cerimônia será realizada em 25 de abril – data escolhida em decorrência da pandemia de Covid-19. “É possível que só ganhe indicações técnicas (fotografia, trilha sonora, direção de arte)”, arrisca.

Outro filme que Ailton acompanhou foi “Era uma vez um sonho”, bastante reprovado na bolha cinéfila do crítico. A obra, baseada no livro de memórias de J.D. Vance, narra a trajetória do membro mais jovem de uma família disfuncional. Ele se torna um estudante de Direito na Universidade de Yale e, um dia, é obrigado a retornar para a cidade natal, deparando-se com a dura realidade dos pares.

Na contramão da avaliação dos colegas de profissão, Monteiro, curiosamente, gostou do que viu. “Não chega a ser um grande filme, mas tem uma boa costura das linhas temporais, um ótimo elenco – especialmente Glenn Close – e tem um grau de sentimentalidade que comove principalmente as pessoas que curtem melodrama”. Não à toa, acredita que Close tem chances de ser indicada ao Oscar na categoria Melhor Atriz.

Perspectiva

Opinião diferente tem Robledo Milani, crítico de cinema e editor-chefe do site Papo de Cinema. Ele avalia “Era uma vez um sonho” como clichê, um trabalho que enaltece valores ultrapassados, com personagens estereotipados e interpretações repletas de cacoetes. 

“As composições tanto de Amy Adams quanto Glenn Close, as protagonistas femininas do filme, são muito mais externas do que internas. Elas se vestem de enchimentos, perucas e maquiagens para tentar compor as personagens, ao invés de buscá-las dentro de si. Não é o tipo de atuação que eu aprecio”, detalha. “É um filme que as pessoas devem fugir”.

“Mank”, por sua vez, é um trabalho que prometia muito, sob a ótica do crítico. Apesar de elencar problemas de bastidores e do próprio argumento – “o longa levanta uma teoria que já foi comprovada infundada, então é muito mais uma ficção do que uma tentativa de recriação de um episódio histórico” –, ainda assim é uma obra digna de ser assistida na telona, especialmente por conta da fotografia em preto e branco e das soberbas atuações de Gary Oldman e Amanda Seyfried. 

Ambos, segundo Milani, devem ser indicados ao Oscar nas categorias Melhor Ator e Melhor Atriz Coadjuvante. “Nas categorias principais, avaliando os três filmes, acredito que apenas ‘Mank’ tem chance de ser indicado. É possível que até nas categorias Melhor Filme e Melhor Diretor, além das duas já citadas. ‘Era uma vez um sonho’, por sua vez, talvez seja indicado pelas atuações de Glenn Close e Amy Adams, mas apenas pela força do nome das duas. Já ‘O Céu da Meia-noite’ pode figurar mais em categorias técnicas, como efeitos sonoros e visuais”.

Sobre este último longa, o crítico tece os melhores comentários. Para ele, a película – uma verdadeira opereta espacial, que acompanha um cientista solitário do Ártico cujo objetivo é impedir uma equipe de astronautas de retornar para casa e evitar uma misteriosa catástrofe global – foi a única pensada para ser apreciada no cinema, o que deve garantir ao público grandes momentos. “É um filme belíssimo, muito sutil, delicado. Todo o elenco principal tem grande atuação. É um filme de sentimentos”, situa.

“Tem muita gente reclamando de falta de ação e de envolvimento, achando que a obra é um tanto apática. Pelo contrário: tudo isso que estão apontando como apatia, encaro como sutileza, como delicadezas que o filme tem. Por isso que, para mim, foi uma surpresa muito grande”, conclui.

Serviço
Exibição presencial de produções originais da Netflix no Cineteatro São Luiz
Programação completa no site no equipamento. Ingressos: R$ 10 (inteira), à venda no site da Sympla. Programação presencial disponível no endereço do Cineteatro (Rua Major Facundo, 500, Centro). Contato: (85) 3252.4138

 

> SAIBA MAIS

Celebrar Rogério Sganzerla

Um dos mais importantes cineastas brasileiros, o catarinense Rogério Sganzerla (1946-2004) é homenageado pelo Cineteatro São Luiz por meio da Mostra Rogério Sganzerla 75 anos, em alusão à idade que o realizador completaria em 2021. Neste mês, estarão em cartaz seis obras dirigidas por ele, com entrada gratuita: “O Signo do Caos” (21/1 às 17h), “Tudo é Brasil” (22/1 às 16h45), “O Bandido da Luz Vermelha” (neste sábado (9), às 16h45; e 23/1 às 16h45), “Nem tudo é verdade” (14/1 às 17h15; 28/1 às 17h15), “Sem Essa, Aranha” (15/1 às 17h; 29/1 às 17h) e “Copacabana Mon Amour” (16/1 às 14h; 30/1 às 14h).

Para Ailton Monteiro, Sganzerla foi um inventor. Na eleição feita pela Abraccine dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos, quatro obras do diretor foram citadas. “Ou seja, é importante que se veja seus filmes para entender os motivos de tanta celebração. Além do mais, quem tem interesse por Orson Welles certamente encontra em Sganzerla um farol”, observa o crítico cearense.