Há duas décadas, entre os meses de fevereiro e março, o Maracatu Rei Zumbi cruza a Avenida Domingos Olímpio com o estandarte nas cores preto, dourado e prateado, e cerca de 280 brincantes cantando e dançando a resistência negra que atravessa séculos de história no Brasil. Em 2021, porém, com a suspensão do Carnaval devido às medidas sanitárias para conter a transmissão de Covid-19, este ciclo será interrompido, e com a indefinição de recursos para manter a agremiação, o presidente Teonildo Lima, 55, cogitou até desfazer-se do grupo.
A frente do Rei Zumbi desde 2015, quando assumiu após grave doença do fundador, Antônio Leão, Teonildo vem acumulando dívidas que chegam a R$ 30 mil, valor que ele solicitou a quem se dispusesse a assumir o maracatu em seu lugar daqui para frente. Em troca, o novo gestor levaria todas as indumentárias, 40 instrumentos e o estandarte da agremiação. A sede alugada, no bairro Jacarecanga, tanto poderia ser mantida como fechada, cabendo ao novo presidente decidir o futuro do barracão.
Mas, na falta de alguém para assumir essa responsabilidade, o presidente recorreu recentemente a um novo empréstimo, que deve assegurar a gestão por mais um tempo. “Ninguém quer, porque sabe que é uma coisa que não dá dinheiro, só fica quem ama. Eu não gostaria nunca de me desfazer disso. Posso me desfazer de carro, de qualquer bem, menos do maracatu, mas dever a Banco é terrível e está todo mundo desesperado, porque nessa época a gente ganha um dinheiro a mais, trabalha, sustenta, vai pra avenida. Se não entra o dinheiro, continua do jeito que está. Quem está com dívida, só aumenta”, desabafa Teonildo.
O valor proveniente do edital da Lei emergencial Aldir Blanc, segundo o presidente do Rei Zumbi, só deu para quitar aluguéis e boletos do ano que passou. Em novembro passado, ele chegou a investir R$ 2 mil em indumentárias na expectativa da realização dos desfiles em 2021. A suspensão da festa pelo Governo do Estado e a falta de respostas das secretarias municipais e estaduais de cultura quanto aos recursos anualmente destinados para este fim, acabou agravando a situação.
Secretário de Cultura de Fortaleza deve anunciar recurso nesta terça-feira (9)
Na última sexta-feira (5), representantes de diferentes agremiações carnavalescas se reuniram virtualmente com o atual secretário de Cultura de Fortaleza, Elpídio Nogueira, para apresentar uma proposta de manutenção dos grupos em 2021. “A sugestão foi que a gente fizesse uma live para cada dia de carnaval e que fosse lançado um edital com menos burocracia; na hora oportuna, a gente daria a contrapartida com desfile presencial”, conta o presidente da Associação Cultural das Entidades Carnavalescas do Ceará, Raimundo Praxedes.
Segundo ele, o secretário foi receptivo à programação virtual. Já sobre a questão do edital, prometeu reunir-se ainda naquela data com o prefeito Sarto Nogueira para debater o assunto. Ao Diário do Nordeste, Elpídio informou que até terça saberia o valor do recurso que será repassado para essa finalidade, e que estava construindo a melhor proposta em diálogo com os grupos.
“A gente tá pedindo o valor votado na Lei Orçamentária Anual (LOA), praticamente o mesmo do ano passado. Agora vamos aguardar uma resposta definitiva, se vai ter edital, se vai ter chamamento público, cachê, o que for mais rápido”, afirma Praxedes.
Diante disso, a expectativa de carnavalescos como Teonildo só aumenta. “Não sei até quando vou conseguir manter a agremiação, e lhe digo com toda sinceridade, ninguém está bem, ninguém está feliz, porque, em termos de carnaval, de cultura, se a gente não pode se apresentar, como é que vive? Como leva a cultura pra frente?”, desabafa.
A crença na força que o maracatu carrega desde o nome, porém, ainda segue maior que a vontade de desistir. “Zumbi, do Quilombo dos Palmares, significa, no nosso dicionário, ‘aquele que nunca morre’. Esse maracatu ia morrendo na mão do primeiro presidente, quando ele adoeceu e não pôde mais tomar de conta; em 2018, quando sofreu ataques de estudantes universitários que acusaram o negrume de black face, também achei que ele ia morrer; e agora, por conta de dívida, já ia sucumbir de novo. Mas a gente passa por cima de pau e pedra e estamos conseguindo respirar, reagir, como prevê o nome”, finaliza Teonildo, em mais um impulso de resistência ancestral.