Biblioteca Pública e Museu do Ceará entre os quatro equipamentos da Secult fechados em Fortaleza

Dos 18 equipamentos da Secretaria de Cultura do Estado (Secult), quatro encontram-se fechados por diferentes razões. O Verso percorreu esses locais e abre discussão com gestores e usuários sobre a questão

A secretaria da Cultura do Ceará (Secult) completou 53 anos de existência no último dia 9 de agosto. Os gestores da mais antiga entidade dessa natureza no País encararam a data com otimismo. Festejaram a reabertura do Sobrado José Lourenço e a efetivação do Porto Dragão.

Os últimos dias também foram marcados por promessas para o futuro e pela realidade de obras longe de ser concretizadas. Três questões iluminam a contradição. O notório caso da Biblioteca Pública Menezes Pimentel, há cinco anos fechada, é alvo de críticas de usuários e educadores, ao mesmo tempo em que se realiza a XIII Bienal Internacional do Livro, aberta na sexta-feira (16). Por sua vez, a visita da equipe da Secult ao local onde se projeta a construção do Centro Cultural Regional do Cariri (CCRC), no Crato, reafirma a previsão de início das obras para 2020.

À Biblioteca Pública Menezes Pimentel somam-se outros casos de alerta no setor. O Museu do Ceará, fechado para reforma desde abril, ainda não teve a obra iniciada. O Arquivo Público, embora tenha voltado a funcionar em janeiro deste ano, carece de outras intervenções no prédio e na organização do acervo.

Em todo o Estado, a Secult administra 18 equipamentos. Desses, quatro encontram-se fechados. Além da Biblioteca Pública e do Museu do Ceará, o Museu da Imagem e do Som está em obras e o Teatro Carlos Câmara, apesar de entregue em 2012, não tem previsão de ocupação da pauta. Outros funcionam parcialmente, caso do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), com um dos cinemas fechados e a exposição permanente Vaqueiros (Museu da Cultura Cearense) suspensa devido a "reparos luminotécnicos".

Diante de tal cenário, vale a reflexão do cuidado dispensado à história. É correto afirmar o Estado como uma terra devota da própria memória? Tais territórios culturais estão prontos e aptos a receber o público e, o mais complexo, seriam lugares condizentes com a preservação do delicado acervo? Nesta reportagem, percorremos equipamentos e ouvimos gestores e usuários em buscas de repostas.

Percorrendo os espaços

Centrão de Fortaleza. Claro. Termômetro cujo mercúrio é feito dos anônimos, esse território organizadamente caótico abriga boa parte dos prédios destinados à arte e ao memorialismo no Ceará, a exemplo do Theatro José de Alencar, Museu do Ceará e Arquivo Público.

Já na Praia de Iracema, encontra-se a Biblioteca Menezes Pimentel. Lá, conhecemos Yasmin Lara, acompanhada do pai, Paulo Peixoto. Ela tem 10 anos e fraturou o pé jogando vôlei. Nada disso interrompeu o desejo da menina de concluir um importante trabalho escolar sobre a história do Ceará. De São Paulo, a família reside em Fortaleza desde 2015. Paulo aproveitou as férias para dar outra experiência de leitura à filha. "Nossa geração era nos livros. Ela está pegando essa era da internet. Têm coisas que estão no livro, mas não estão presentes nos sites. A intenção era conhecer e separar um livro, né", descreve. 

Sem sucesso, restou à dupla uma segunda tentativa: "Me informaram que a biblioteca está funcionando na Praça da Estação. Mas é ruim de estacionar, ainda mais pra ela que está com gesso na perna", situa Paulo.
 

 Erguida em 25 de março de 1867, ainda como Biblioteca Provincial do Ceará, a Menezes Pimentel paralisou as atividades em 2014 para reforma, iniciada apenas em 2015. A conclusão da parte estrutural do prédio, além de melhorias hidráulicas, elétricas e no sistema de refrigeração, ocorreu em 2017.

Nesse intervalo, 40% do acervo foram transferidos para um dos galpões da Rede Ferroviária Federal (Rffsa), ao lado da Estação João Felipe. A entrega prevista para junho de 2018 ficou no papel. À época, a Secretaria entendeu a necessidade de efetivar a integração com o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC). Faltaram também ao projeto inicial a aquisição de mobiliário (mesas, estantes, cadeiras) e ambientação do espaço.

Se Yasmin possui o incentivo paterno à leitura e encontro com os livros, o sociólogo e professor Augusto Monteiro testemunha outro cotidiano na Escola Jader Moreira De Carvalho, no bairro Serrinha, na periferia de Fortaleza. "Os espaços de cultura e pesquisa sempre fazem uma falta muito grande, inclusive para alunos de escola pública", fala logo no início da conversa.  Argumenta que a pesquisa online é insuficiente. Muito pela questionável credibilidade científica dos sites acessados. Porém, assevera, uma Biblioteca Pública atuante ameniza a carência desses jovens: conhecer outros ambientes da cidade e quebrar a dinâmica de exclusão social.

"Há uma dificuldade das famílias e estudantes de saírem do próprio território. Um problema da renda e da realidade onde vivem. A partir da escola pública, podemos proporcionar isso, a ida a esses equipamentos. Para um mundo que é o da biblioteca, do museu, do Dragão do Mar, de uma Universidade que não faz parte do cotidiano deles. Tem a questão da descoberta, de sociabilizar inclusive com outros estudantes. É bem legal para a transformação deles como seres humanos e estudantes", compartilha o docente.

 Assim, os cearenses presenciam a organização pela Secult de uma terceira Bienal do Livro sem a simbólica presença da Menezes Pimentel. Em entrevista, na sexta-feira (9), o secretário Estadual da Cultura, Fabiano Piúba, refletiu e adentrou detalhes de cada equipamento mantido pela Pasta. Tema de outra reportagem do Verso em abril deste ano, a biblioteca volta a ter destaque na nova conversa com o gestor.

Por conta da trajetória acadêmica e política ao longo das décadas, Piúba se assume um militante dos livros e das iniciativas em prol da leitura. As portas fechadas da biblioteca remetem diretamente à tentativa de redesenhar um projeto falho em sua origem. Opondo-se a entregar à população uma "nova velha biblioteca", como o mesmo define, medidas emergenciais precisaram ser feitas.

 Houve renegociação com a empresa responsável pela obra. Paredes internas foram derrubadas para dar mais espaço aos usuários. Surgiu a necessidade da aquisição de mobiliários e de cuidados com a ambientação da arquitetura interior. A necessidade de integração com o Dragão do Mar resultará em anfiteatro, auditório, lojinhas e livraria.  

 O que a princípio parece um prejuízo à população, argumenta, é necessário para não entregar um equipamento incompleto. Piúba é cuidadoso com novos prazos. "A operação sistemática, administrativa e jurídica no Estado brasileiro é muito complexa", interfere. Todavia, existe a perspectiva do primeiro semestre de 2020. Reabrir no dia 25 de março de 2020 já seria conquista pessoal, um "sonho" como prefere o gestor. 

Além de data alusiva à fundação do espaço, remonta à libertação dos escravos no Ceará: 25 de março de 1884. Fechada, a hoje Biblioteca Menezes Pimentel já tinha 17 anos de existência quando o Ceará veio a se tornar "Terra da Luz". "Assumo, pra mim, essa responsabilidade, vamos inaugurar uma biblioteca de verdade, de referência para o Brasil", estipula Piúba.

Museu do Ceará

Outra intervenção contempla melhorias no Palacete Senador Alencar, datado de 1871, no qual funciona, desde 1990, o Museu do Ceará. É a instituição museológica oficial do Estado mais antiga e data de decreto firmado em 1932. O prédio é tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Desde abril, as visitas estão suspensas. Nenhuma placa exterior sinaliza o início das obras, nem tivemos acesso ao prédio.  Piúba afere que a intenção é atuar em duas frentes.

Em 2019, a intervenção é emergencial, inclui a reforma da cobertura, cuidado com a pintura interna e instalações hidráulica e elétrica. "É uma reforma curta, algo em torno de 60 dias após o início das obras", presume. Mesmo sem apontar o dia exato do começo da reforma, o gestor reforça que o Museu deve ser reaberto ainda neste ano.

A primeira intervenção será pontual para um estágio mais complexo. A Secult possui um projeto estrutural, aprovado pelo Iphan, que deve permitir o restauro completo do Palacete.

"Estamos só ajustando e fazendo algumas adequações que o Iphan apontou, para que no próximo ano possamos fazer, aí sim, a licitação de restauro do Museu". 

 À frente do Museu do Ceará entre 2001 e 2008, o professor e historiador Régis Lopes aponta o caráter delicado do equipamento. "As intervenções geralmente são mais demoradas porque ao mexer num canto, podem aparecer problemas em outro. Os materiais exigem uma mão de obra específica. É tudo muito delicado nessa área. Veja, fazer uma reforma em casa já é complicado, imagina em um prédio do Século XIX", divide.

 Outro nome da área acostumado a manter um olhar crítico e vigilante no tocante à conservação dos pontos históricos é Lucas Júnior. O historiador descreve acontecimentos marcantes na história do Palacete e situa a importância do espaço. "Sua conservação deve ser constante para evitar contratempos. A diretora anterior procurou fazer as reformas que só agora estão acontecendo. Saiu frustrada, assim como vários gestores de áreas culturais, que requerem dinheiro. Prédios antigos como ele, o Palácio da Luz, a Igreja do Rosário, a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção e a Estação Central João Felipe não deveriam ser esquecidos. Ao contrário, sempre preservados".

Arquivo Público

Distante cerca de 450 metros do Museu do Ceará, o Arquivo Público do Estado do Ceará é território de Carlos Alberto Carneiro. O pesquisador busca um sumário de crime, documento capaz de elucidar o julgamento ocorrido no Sertão de Quixeramobim em 1856.

Reaberto em janeiro de 2019, após reforma estrutural iniciada quatro anos antes, o equipamento tem função de recolher, preservar e divulgar documentos de valor histórico para referência e pesquisa. Devido às obras, o material foi transferido para o mesmo galpão da Rffsa que ainda hoje guarda, de forma provisória, o acervo. O trabalho é diário, explica o diretor do Arquivo, Márcio Porto. A reorganização acontece em paralelo ao atendimento do público.

Carlos Alberto elogia as atuais instalações e o atendimento da equipe, mas pondera que as "coisas ainda não estão nos seus lugares". Sua experiência é notória e o entrevistado argumenta que muitos documentos vindos do interior do Estado ainda não foram identificados. Do seu município de origem, Quixeramobim, enviaram documentos do Século XIX para Fortaleza em sacos de cereal. "Chegando aqui foram acondicionados em caixas arquivos com tudo misturado. Colocaram tudo dentro e lacraram", especifica.

Porto compartilha que a rotina é artesanal, exige carinho e muita paciência. O gestor comemora o andamento da digitalização do acervo, atualmente na casa dos 65%. São três milhões e meio de imagens. Um ano e quatro meses de labuta. Outro ponto é a segunda fase da reforma do prédio prevista para 2020. Serão implementados sistema contra incêndio com detector de fumaça moderno e melhorias de acessibilidade aos visitantes.

O prédio está bem guarnecido de extintores, porém esse novo sistema deve usar pó químico, mais adequado à preservação do acervo, detalha. Deve chegar reforço na equipe. É aguardada para setembro a convocação dos aprovados no concurso público da Secult, promessa reafirmada por Fabiano Piúba. Desses, o equipamento deve receber oito profissionais. Serão três arquivistas, quatro historiadores e um bibliotecário. O diretor entende a cobrança e reafirma ser necessária. "Ajuda a sensibilizar não só as instâncias governamentais, mas também a sociedade a perceber a riqueza desse patrimônio público. Tem que nos ajudar, cobrar, queremos isso. Prestamos um serviço público fundamental", conclui.

Confira a situação dos 18 equipamentos da Secult