Aquela peça feita por uma rendeira cearense que você compra na praia tem uma estreita relação com o conceito de “slow fashion” e vamos te explicar o porquê. Longe de ser apenas uma “tendência”, este movimento imperativo na moda, com raízes fincadas na sustentabilidade, tem, há muito tempo, em nosso Estado, terreno fértil para se expandir.
Essa foi uma das questões observadas pelos pesquisadores Érica Sobreira, Cláudia Buhamra e Clayton Silva, da Universidade Federal do Ceará (UFC), em estudo que identificou os perfis dos consumidores cearenses da chamada “moda lenta”, em tradução livre do termo em inglês.
“Identificamos a presença cada vez maior de marcas dessa natureza no Estado, o que sugere que este mercado está em ascensão por aqui. Por exemplo, algumas dessas marcas contam com uma cadeia produtiva responsável e justa que trabalha em parceria com artesãos cearenses sob a proposta do slow fashion”, explica Érica Sobreira em entrevista concedida à Agência UFC.
Como consumidora, a assistente comercial Bárbara da Silva Castro comprova esse dado.
“Não lembro a última vez que consumi um produto fora desse padrão. Eu tenho uma sacolinha ativa em vários brechós, à propósito. Com uma pesquisa básica nas redes sociais, você consegue encontrar facilmente muitos locais que se enquadram neste perfil e nos mais diversos estilos”, diz.
Mas, afinal, o que é Slow Fashion?
Para melhor entender esta proposta, é comum revisitar um conceito contrário ao dela, o de “fast fashion”. De acordo com a consultora de moda do Senac Ceará, Beatriz Guedes, marcas que produzem de 38 a 42 coleções por ano acabam trabalhando com materiais mais nocivos ao meio-ambiente e de baixa qualidade, muitos deles produzidos com mão-de-obra escrava ou análoga à escravidão, e, por isso mesmo, são o oposto do “slow fashion”.
Logo, entre as características que devem ser observadas para o alinhamento com uma prática mais sustentável e socialmente respeitosa, Beatriz destaca:
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Design atemporal;
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Material durável;
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Fibras naturais, recicláveis ou biodegradáveis;
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Caráter de exclusividade;
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Valor justo
“O ‘slow fashion’ nada mais é do que essa moda com menos pressa, feita para durar, para passar entre as gerações”, resume Beatriz. E isso está bem ligado às práticas artesanais do Ceará, não acha?
“Nós cearenses somos extremamente criativos e construímos em cima de uma pluralidade cultural muito forte uma identidade de moda tão forte quanto. Então, acredito que não seja uma tendência, mas sim uma prática natural e necessária para as marcas daqui”, afirma a consultora.
Ainda no estudo recente desenvolvido pelos pesquisadores da UFC, aponta-se que os maiores compradores dessa “ideia” no Ceará são os consumidores do interior do Estado, e esse resultado pode ter uma relação direta com o consumo de peças do artesanato local.
“Considerando que o comércio na capital demanda maiores custos de estoque e distribuição de produtos para outras localidades, é possível que os preços de peças produzidas e comercializadas no Interior se tornem ainda mais acessíveis”, sugerem os autores.
Prioridades do cearense
Por outro lado, a exclusividade, que muitas vezes encarece o produto, não é tão atrativa aos olhos do consumidor residente no Ceará. Na hora de comprar, a maior parte da população daqui não quer saber se a peça é rara, se tem edição limitada ou coisa do tipo.
“Uma proposta de consumo slow menos exclusiva poderia tornar o preço dos produtos mais acessível, atraindo um segmento de consumidores de fast fashion”, diz Clayton Silva, que também é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI), à Agência UFC.
As prioridades do público local ao analisarem as peças - e aqui está o principal achado da pesquisa, na visão dos autores, são:
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Versatilidade
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Alta durabilidade
A assistente comercial Bárbara da Silva Castro admite que passou a consumir mais sobre moda quando viu que ela poderia estar mais acessível.
“Eu nunca me importei com marcas famosas, mas com a qualidade do produto e o preço justo! Costumo dizer que hoje tenho mais respeito e menos apego às minhas peças, não só pelo preço, mas por toda a história que elas carregam. Da elaboração do produto à entrega dele, é uma experiência completamente diferente, você passa a se sentir parte do processo”, analisa.
Dicas para adotar o “slow fashion”
Para que essa proposta seja facilmente incluída no seu cotidiano, a consultora de Moda do Senac propõe algumas perguntas a serem feitas na hora da compra:
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Eu preciso disso?
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Eu vou usar isso?
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Eu gosto disso (tem a ver com meu corpo, a cor me favorece)?
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Como este produto foi feito? Será que foi de maneira ética?
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As pessoas que desenvolveram esta peça pensaram em matérias-primas menos nocivas ao meio ambiente e também em como elas vão se decompor?
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Esse produto é ergonômico? Ele ajuda a minha vida de alguma forma, é mais prático para mim ou para o coletivo?
“Eu acho que essas práticas de parar para pensar, de parar para analisar, ajudam muito. Fora isso, quem quer começar a praticar o consumo consciente, não só na área da moda, mas na vida, precisa sim de informação”, finaliza Bárbara, num convite à leitura diária deste tipo de conteúdo.