Morto pela PRF em Sergipe foi absolvido em ação por não entender atos ilícitos

Processo por resistência à prisão e desacato a policiais militares em 2011 foi encerrado por falta de provas

Seis anos antes de ser asfixiado por spray de pimenta e gás lacrimogêneo em uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em Umbaúba (SE), Genivaldo de Jesus Santos foi absolvido por falta de provas em um processo por resistência à prisão e desacato a policiais militares.

Na ação, concluída em março de 2016, um laudo psiquiátrico comprovou que ele tinha esquizofrenia e, de acordo com o juiz que analisou o caso, ele não conseguia compreender atos ilícitos.

As informações foram obtidas no Tribunal de Justiça de Sergipe. Relatos de testemunhas e os depoimentos colhidos no processo 201187001443 mostram semelhanças entre aquela abordagem policial e o episódio que culminou com a morte de Genivaldo, no último dia 25.

Em 27 de novembro de 2011, o policial militar Paulo Sérgio Rocha Souza atendeu a uma denúncia de uma pessoa com arma de fogo em um bar no povoado Queimada Grande. No local, o policial afirmou que Genivaldo resistiu à revista e por isso ele teve de usar a força para revistá-lo, algemá-lo e levá-lo à delegacia.

Tadeu Almeida Guimarães, outro policial na ocorrência, adotou linha semelhante em seu depoimento. Os dois apresentaram pequenas divergências sobre os xingamentos que teriam ouvido.

A testemunha de defesa, José Raimundo de Jesus Souza, afirmou que não houve discussão e Genivaldo parecia não entender o que se passava. Ao ser interrogado, o réu na ocasião disse que se recordava apenas de uma confusão no bar e não abriu as pernas porque elas "entrevou" (sic).

Laudo atestou esquizofrenia

O laudo psiquiátrico solicitado pela defesa de Genivaldo e acatado pelo Ministério Público atestou que ele sofria de esquizofrenia. A data do despacho é dezembro de 2014. "Nós mostramos que ele não tinha condições de se autodeterminar por causa dos problemas mentais", conta o advogado Espedito Pereira Lima, que defendeu Genivaldo no caso.

A juíza Karyna Torres Gouveia Marroquim concordou com a tese da defesa e determinou um curador para acompanhar o processo. "A expert asseverou que a anomalia mental é preexistente ao fato, sendo o examinado, ao tempo da ação, incapaz de entender o caráter ilícito do fato", determinou.

Na conclusão do processo, em 14 de março de 2016, a juíza absolveu Genivaldo dos crimes de resistência e desacato por falta de provas. "O acervo probatório não é suficiente para comprovar os fatos narrados na denúncia", escreveu.

Episódios semelhantes

Para o advogado Espedito Pereira Lima, o episódio de 2011 traz semelhanças com a tragédia de 2022. "Ele disse que não levantou as mãos porque não se achava um bandido", recorda-se o defensor. "Ele era um caboclo, uma pessoa da roça, e tinha dificuldade para se expressar", completa.

A Polícia Militar de Sergipe foi procurada, mas não se pronunciou sobre a abertura da ação penal em 2011 e a absolvição de Genivaldo cinco anos depois.

Abordagem por PRFs

No dia 25 de maio passado, Genivaldo foi abordado por três policiais rodoviários no km 180 da BR-101, em Umbaúba. Segundo boletim de ocorrência, ele foi parado por não usar capacete enquanto dirigia uma motocicleta.

Imagens feitas por testemunhas e familiares mostram quando os agentes pedem que ele coloque as mãos na cabeça e abra as pernas para a revista. Durante a ação, Genivaldo foi alvo de xingamentos, rasteira e chutes, antes de ser imobilizado e amarrado.

Genivaldo foi colocado no porta-malas do carro da PRF, e os policiais jogaram gás e fecharam o compartimento. Wallison de Jesus, sobrinho da vítima, diz ter avisado aos policiais que o tio tinha transtornos mentais.

No boletim de ocorrência, os agentes dizem que o homem teve um "mal súbito" no trajeto para a delegacia e foi levado para o Hospital José Nailson Moura, onde faleceu.