O plano de saúde Prevent Senior escondeu mortes de pacientes voluntários de estudo para testar eficácia da hidroxicloroquina, associada à azitromicina, no tratamento da Covid-19. A pesquisa foi apoiada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e usada por defensores da cloroquina para justificar prescrição do medicamento. A CPI da Covid-19 recebeu um dossiê com série de denúncias de irregularidades, elaborado por médicos e ex-médicos da Prevent Senior.
O documento, obtido pela Globonews, indica que a disseminação da cloroquina e de outros medicamentos resultou de acordo entre o Governo Bolsonaro e a empresa — o estudo foi um desdobramento do acordo.
A GloboNews também teve acesso a uma planilha com nomes e informações de todos os participantes da pesquisa. Nove deles morreram durante os estudos, mas só dois óbitos foram mencionados pelos autores.
Um médico que trabalhava na Prevent e mantinha contato próximo com diretores da companhia afirmou ao canal de TV que o estudo foi manipulado para demonstrar a eficácia da cloroquina. O resultado do estudo já estava pronto bem antes da conclusão, segundo o profissional.
A suspeita de fraude é reforçada por áudios, conversas em aplicativos de mensagens instantâneas e dados contraditórios relativos aos testes. Estes, inclusive, foram divulgados pela própria empresa e por Bolsonaro.
O diretor-executivo da Prevent, Pedro Batista Júnior, seria ouvido nesta quinta-feira (16) pela cúpula da CPI. No entanto, ele informou que não iria comparecer ao Senado Federal, pois não teria "tempo hábil".
Em nota, a operadora de planos de saúde informou que "sempre atuou dentro dos parâmetros éticos e legais e, sobretudo, com muito respeito aos beneficiários".
Ocultação de mortes
O diretor da Prevent, Fernando Oikawa, enviou mensagem em grupos de aplicativos mencionando o estudo, iniciado em 25 de março, e orientando subordinados a não avisar pacientes e familiares sobre a medicação.
“Iremos iniciar o protocolo de HIDROXICLOROQUINA + AZITROMICINA. Por favor, NÃO INFORMAR O PACIENTE ou FAMILIAR, sobre a medicação e nem sobre o programa”, indicava Oikawa.
Dos nove pacientes mortos, seis estavam no grupo que recebeu hidroxicloroquina e azitromicina, enquanto dois estavam no grupo que não ingeriu as medicações. Há, ainda, uma pessoa cuja tabela não informa se a medicação foi ou não recebida.
Dessa forma, houve pelo menos o dobro de mortes entre os participantes do estudo que tomaram cloroquina. O G1 divulgou apenas as iniciais, o sexo e a idade dos mortos.
Grupo que tomou cloroquina
- H. S., 79 anos, sexo feminino;
- H. M. P., 85 anos, sexo masculino;
- J. A. L., 62 anos, sexo masculino;
- R. A. V., 83 anos, sexo masculino;
- M. C. O., 70 anos, sexo feminino;
- F. S., 82 anos, sexo masculino.
Grupo que não tomou cloroquina
- H. H. K., 68 anos, sexo masculino;
- L. F. R. A., 82 anos, sexo feminino;
Sem informações sobre ingestão de cloroquina ou não
- D. L., 66 anos, sexo masculino.
Estudo chegou a ser suspenso
O estudo chegou a ser submetido à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e aprovado, mas foi suspenso após o órgão constatar que a investigação começou a ser feita antes de ser aprovada legalmente.
No entanto, o estudo é usado pela própria Prevent Senior para justificar a prescrição da cloroquina aos seus associados até hoje.
Bolsonaro divulgou estudo
O presidente Bolsonaro publicou, em 18 de abril, postagem sobre o estudo no Twitter. Ao citar a Prevent Senior, ele pontua a ocorrência de cinco mortes entre os pacientes da pesquisa que não tomaram a cloroquina e a ausência de óbitos entre os que ingeriram as medicações.
A postagem, porém, foi feita três dias depois do primeiro documento relativo à pesquisa ser publicado, em 15 de abril de 2020. Àquela altura, foi publicado um pré-print — primeira versão de uma pesquisa que ainda precisa ser revisada por cientistas independentes.
Suspeita de subnotificação de mortes por Covid-19
Além das suspeitas sobre o estudo, indícios apontam haver subnotificação de mortes por Covid-19 ocorridas em unidades da Prevent. Outra médica que trabalhou na empresa disse à Globonews que a prática ocorre desde julho de 2020.
Outro diretor da Prevent, também em mensagem enviada a grupos de aplicativos, determina que coordenadores das unidades alterem o Código de Diagnóstico (CID) de pacientes que deram entrada com a infecção causada pelo coronavírus após algumas semanas de internação.
“Após 14 dias do início dos sintomas (pacientes de enfermaria/apto) ou 21 dias (pacientes com passagem em UTI/Leito híbrido), o CID deve ser modificado para qualquer outro exceto o B34.2 [código da Covid-19] para que possamos identificar os pacientes que já não tem mais necessidade de isolamento. Início imediato", diz a ordem.
Embora a justificativa dada seja a viabilização de isolamento de pacientes, a médica ouvida pelo canal de TV pontua que a alteração faz o diagnóstico desaparecer de um eventual registro de óbito.
A Globonews conseguiu comprovar dois casos em que a Covid-19 foi omitida da declaração de óbito dos pacientes. O primeiro é de um homem internado em novembro de 2020 na unidade da Prevent Senior do Itaim, Zona Sul de São Paulo (SP), cujo teste PCR positivou para a doença. O outro é de uma mulher que também morreu após ser internada na Prevent Senior para tratar um quadro de Covid-19.
O que a empresa diz
A operadora de planos de saúde, em nota, negou e repudiou as denúncias. A companhia ainda afirma tomar medidas para investigar quem, segundo ela, "está tentando desgastar a imagem da Prevent Senior".
No texto, a empresa argumenta que os médicos sempre tiveram autonomia respeitada, além de que atuam com afinco para salvar vidas.
A Prevent Senior ainda reforçou que os números dispostos à CPI indicam que a taxa de mortalidade entre pacientes de Covid-19 atendidos por seus profissionais é inferior às demais.