O último diálogo registrado entre os pilotos do voo 447 Rio-Paris e a torre de comando, antes do avião cair no Oceano Atlântico, em junho de 2009, foi revelado nesta segunda-feira (17), no tribunal que julga o envolvimento da fabricante Airbus e da companhia aérea Air France na tragédia que vitimou 228 pessoas.
O momento emocionou familiares e amigos das vítimas. "Nós ouvimos as vozes do além-túmulo", declarou Alain Jakubowicz, um dos advogados da associação Entraide et Solidarité AF447 (Cooperação e Solidariedade AF447). "Foi um momento apavorante porque ouvimos os pilotos, que, em vários trechos (dizem), 'Nós tentamos de tudo'".
Áudio dos pilotos do voo 447
No áudio, o piloto assume ter perdido o controle da aeronave. "Não tenho mais o controle do avião", disse ele, poucos minutos antes do acidente.
De acordo com o jornal Extra, com informações do canal BFM TV, o gravador que fez o registro foi recuperado em maio de 2011. Nele, foi possível entender que aconteceu algo fora do controle da cabine de comando.
"Que diabos está acontecendo? Não entendo o que está acontecendo", disse o co-piloto. Em terra, um capitão notou o sinal de alerta e pediu retorno. "Ei, o que diabos você está fazendo?", questionou.
Piloto e o co-piloto não souberam o que responder. Àquele momento, eles não sabiam que os dados recebidos estavam errados. "Não tenho mais o controle do avião", assumiu o piloto. Pouco depois, a aeronave despencou.
Solicitação dos familiares
A divulgação do áudio foi solicitada pela defesa dos familiares de algumas das vítimas, organizados na associação Entraide et Solidarité AF447.
De acordo com os advogados do grupo, ouvir o áudio dos pilotos era "absolutamente essencial para a busca da verdade". "Para as famílias das vítimas, foi muito importante [ouvir os últimos registros]. Muitas pessoas dormiam, foram despertadas pela morte", acrescentaram.
"Eu temia este momento e foi ainda mais forte do que eu poderia imaginar", reagiu Corinne Soulas, cuja filha morreu no acidente. "Os pilotos estavam perdidos, não sabiam o que os esperava, estavam na incompreensão total".
Ophélie Toulliou, que perdeu seu irmão, disse ter ouvido três pilotos "que enfrentaram uma situação que não compreendiam e que os sobrepujou completamente, pessoas que demonstraram ter um sangue frio extraordinário e que ouvimos lutar até o final".
Relembre o caso
Morreram, na tragédia, 216 passageiros e 12 tripulantes. Foi o desastre mais mortal da história da Air France.
Conforme o Extra, os primeiros destroços do avião e os corpos das vítimas foram encontrados nos primeiros dias após a tragédia. Porém, a fuselagem do veículo só foi localizada em abril de 2011, a 3,9 mil metros de profundidade.
As caixas-pretas foram recuperadas um mês depois. Foram elas que confirmaram que os pilotos, desorientados pelo congelamento das sondas Pilot, que servem para medir a velocidade do avião, não conseguiram recuperar a sustentação da aeronave.
'Nos unimos ao sofrimento'
Um porta-voz da Airbus que participou do julgamento também se emocionou ao ouvir as gravações. "Nós nos unimos ao sofrimento das pessoas próximas dos pilotos e das vítimas, revivido pela escuta desta gravação".
Na manhã desta segunda (17), o tribunal assistiu a dois vídeos da Airbus, um deles descrevendo as manobras que os pilotos deveriam ter realizado para controlar a situação. Os vídeos foram considerados pelas partes civis como dignos de um "mundo ideal" e não da "realidade".
À tarde, a defesa da fabricante, que refuta qualquer sanção penal, questionou especialistas do primeiro colegiado encarregado da instrução sobre as regras de pilotagem, a atitude da tripulação frente à condição meteorológica e o fato de o co-piloto, "o menos experiente", estar no comando.
"Para os senhores, a tripulação identificou a pane?", questionou Simon Ndiaye. Os pilotos tinham sido treinados em um procedimento para o caso em que as velocidades não fossem "coerentes entre si"; mas, desta vez, não havia dado sobre "velocidade em absoluto", explicou o especialista.
"Houve uma espécie de atordoamento, pois os elementos que eles tinham não correspondiam à imagem mental" do que haviam aprendido, descreveu.
O segundo conselho da Airbus questionou se a resistência ao efeito surpresa faz parte dos critérios de recrutamento dos pilotos. "Entre os militares, sim, mas entre os pilotos civis, não", respondeu o especialista. Para estes últimos, "o critério fundamental é o respeito aos procedimentos".