Coronavírus: Cearenses que tentam voltar da Bolívia reclamam de omissão das autoridades brasileiras

A pandemia de coronavírus tem obrigado milhares de brasileiros a deixar de lado a rotina e os planos na Bolívia para enfrentar a quarentena com o apoio dos familiares. Entre eles, cerca de 50 cearenses que relatam dificuldades para voltar ao Brasil

Enquanto, na Bolívia, a quarentena se encaminha para completar um mês na próxima sexta-feira (10), um grupo de aproximadamente 50 cearenses, a grande maioria estudantes de Medicina na cidade de Cochabamba, vive uma realidade de incertezas e dificuldades no país vizinho. Eles se dizem abandonados pelas autoridades brasileiras. Reunidos em grupos de WhatsApp, junto com algumas centenas de conterrâneos, apelam a políticos para que sejam intermediadores de um retorno digno.

Na Bolívia, estão condicionados a restrições mais duras que as impostas em território brasileiro pelos estados. Só podem sair de casa uma vez por semana, por um período de quatro horas, para comprar comida. 

A impossibilidade de manter um trabalho aumenta a dependência de ajuda vinda de familiares do Brasil, mas os bancos funcionam em horário restrito e com filas imensas, as casas de câmbio estão fechadas, e a opção é usar o serviço de cambistas que estão cobrando preços “exorbitantes”, segundo alguns relatos. 

Repatriação 

O pior, segundo Abelardo Júnior, 47, é conviver diariamente com o medo de precisar de atendimento em plena pandemia. Ele afirma que o sistema público de saúde não é confiável, e o particular, extremamente caro. “Se alguém adoecer, morre”, diz o veterinário que, há três anos, largou tudo em Fortaleza e vendeu o que tinha para estudar medicina na Bolívia. 

Ele e dezenas de colegas reclamam que o Consulado-Geral do Brasil em Cochabamba tem oferecido algum auxílio só na ida até o posto fronteiriço de Puerto Quijarro, município boliviano vizinho a Corumbá, no Mato Grosso do Sul. “Estamos arcando com todas as despesas. A única coisa que estão fazendo é a liberação perante o governo boliviano, e com muita dificuldade. O consulado aqui é mais para enfeite”, desabafa. 

Abelardo ficou de fora da lista oficial de brasileiros divulgada no sábado (4) à noite pelo Consulado, com os nomes de 466 pessoas que vão ser distribuídas em nove ônibus, divididos entre embarques na terça, quarta e quinta-feira. Vai ter que esperar uma nova lista e contar com a disponibilidade de ônibus. 

“O certo mesmo era nosso País mandar avião vir buscar os que querem voltar. As estradas aqui são super perigosas, o risco de contaminação é altíssimo. Todos os dias vemos brasileiros sendo repatriados de diversos países do mundo. Estamos esquecidos e largados”, lamenta. 

Ministério

Pelas redes sociais, o Itamaraty divulgou, ontem, vídeo de operação em Santa Cruz de la Sierra, semelhante à mobilizada em Cochabamba. “Ontem, no segundo dia da operação de repatriação organizada pelo Consulado do em Santa Cruz de la Sierra, 354 pessoas foram transportadas em 9 ônibus até Corumbá-MS. No total, 20 ônibus levaram para o Brasil 788 brasileiros”, dizia a postagem. “O Itamaraty trabalha para repatriar todos os brasileiros retidos no exterior “, afirmava outra publicação. 

Procurado pela reportagem, o Ministério das Relações Exteriores disse, em nota, que "o Consulado do Brasil em Cochabamba está organizando operação de repatriação por terra. Os estudantes devem se informar por meio das mídias sociais do Consulado".

Mas as dificuldades relatadas por compatriotas que estiveram na operação de repatriação via Santa Cruz de la Sierra fizeram Rosy de Melo, 41, também estudante de medicina, tomar a difícil decisão de permanecer na Bolívia, junto com os filhos de 8 e 12 anos. Os relatos são de uma longa espera no calor escaldante, e de garantias somente até cruzar a fronteira.

“O Consulado não quer dividir as pessoas em estados. Falaram tipo ‘se vira!”. Se o pessoal aqui do Ceará for metade na terça e a outra metade na quarta, quem for na terça vai ter que ficar lá solto em Corumbá, esperando, sem ter o que comer, sem ter onde ficar, sem ter onde tomar banho, sem ter onde tomar água, e com isso eles não estão preocupados”, protesta. 

Custos 

Outro fator que tem sido alvo de protestos é o alto valor cobrado pela passagem até Corumbá. O preço, que normalmente sai em torno de 170 bolivianos (pouco mais de 130 reais), subiu para 470 bolivianos (cerca de 365 reais). Rosy classifica a situação dos brasileiros em Cochabamba como “desesperadora” e questiona a repatriação por terra feita pelas autoridades brasileiras. 

“Nessa semana, já vieram buscar espanhóis, colombianos, americanos, europeus... estão todos saindo pelo aeroporto. O único país que não está embarcando pelo aeroporto, aqui em Cochabamba, é o Brasil. E o único país do qual o Brasil está levando por ônibus, cada um pagando um absurdo, sem água, sem comida, passando mais de 3 dias em estrada, são os que estão na Bolívia”, lamenta a estudante.