Os chilenos rejeitaram pela segunda vez a proposta de uma nova Constituição e frearam o avanço da ultradireita no país. Após a apuração dos votos de 99% das mesas em plebiscito, a opção "contra" a mudança constitucional recebeu 55,75% dos votos, segundo o Serviço Eleitoral (Servel). Outros 44,25% dos eleitores votaram "a favor" da iniciativa.
Quatro anos após o início do processo de reforma constitucional, em resposta aos grandes protestos sociais de 2019, e pela segunda vez em dois anos, os chilenos rejeitaram nas urnas uma proposta para substituir a atual Constituição, herdada da ditadura (1973-1990) e reformada diversas vezes durante o período democrático.
"Pela segunda vez, foi ratificada a Constituição em vigor no Chile, e é importante sermos coerentes com esta resposta democrática", disse Javier Macaya, presidente do partido de direita União Democrata Independente (UDI), que promoveu o texto rejeitado nas urnas.
O texto reduzia o peso do Estado, podia limitar alguns direitos, como o aborto terapêutico, e endurecia o tratamento aos migrantes.
O presidente Gabriel Boric afirmou que seu governo não pretende promover uma nova constituinte. “Durante este mandato, encerra-se o processo constitucional. Nosso país continuará com a Constituição vigente, porque, após duas propostas constitucionais, nenhuma delas conseguiu representar nem unir o Chile em sua bela diversidade”, declarou o líder esquerdista, na sede do governo.
Em uma votação que despertou pouco interesse, mas que registrou taxa de participação de 83% devido ao voto obrigatório, os resultados foram pouco celebrados. Um pequeno grupo de manifestantes de extrema-direita contrários à nova proposta comemorou a permanência da Constituição de Pinochet diante do palácio de Governo.
Proposta ainda mais conservadora
A proposta rejeitada no domingo foi elaborada por um conselho dominado pelo Partido Republicano e era ainda mais conservadora que a Carta Magna herdada da ditadura.
“Fracassamos no esforço para convencer os chilenos de que essa era uma Constituição melhor do que a atual e que era o caminho mais seguro para acabar com a incerteza política, econômica e social e encerrar o processo constitucional”, disse José Antonio Kast, líder do Partido Republicano e ex-candidato presidencial derrotado por Boric em dezembro de 2021.
"Não há nada a comemorar. Não apenas não podemos comemorar, mas o governo e a esquerda tampouco podem fazê-lo, porque o dano que o Chile sofreu nos últimos quatro anos é gigantesco e serão necessárias muitas décadas para repará-lo", acrescentou Kast.
Em setembro de 2022, 62% dos chilenos reprovaram um projeto de Constituição elaborado por uma Assembleia Constituinte dominada pela esquerda, que propunha um texto com transformações profundas, apoiado pelo governo de Gabriel Boric.
Outro Chile
O Chile mergulhou há quatro anos em um processo para mudar a Constituição do país, após a explosão de manifestações por mais igualdade social, em outubro de 2019.
A votação foi encerrada sem maiores problemas, mas longe da efervescência com que o processo começou, em 2019, devido ao cansaço da população.
Quatro anos após saírem às ruas para exigir maior justiça social, os chilenos querem agora mais policiais nas ruas, ordem e segurança.
"É outro Chile. O país mudou de maneira drástica (...) e de certa forma virou um país mais latino-americano. Os chilenos sempre se consideraram uma exceção, um país mais europeu e não como os seus vizinhos, e agora se parecem um pouco mais com eles", disse Michael Shifter, ex-presidente do Centro de Estudos Diálogo Interamericano e professor da Universidade de Georgetown.
Embora tenha passado por reformas, mudar a Constituição de Pinochet era uma aspiração antiga da esquerda chilena, que denuncia a sua origem ilegítima e a fraca proteção aos direitos sociais, como saúde, habitação, aposentadorias e educação.
No entanto, confrontados com uma proposta ainda mais conservadora, os partidos de esquerda chilenos fizeram um apelo pelo voto contrário.
"Eu sempre prefiro algo ruim a algo péssimo", disse neste domingo a ex-presidente socialista Michelle Bachelet (2006-2010/2014-2018).
"Prefiro voltar ao ponto de partida, que não é 100% a Constituição da ditadura, a ter um texto ruim, que prejudica todos os chilenos e que nos divide profundamente", disse Carolina Leitão, porta-voz da campanha contra o novo texto conservador.