Em mais um recuo após a má repercussão da ideia, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) fez chegar aos comandantes militares e oficiais generais da cúpula das Forças Armadas a informação de que não haverá nenhuma base americana instalada no Brasil durante seu mandato. Segundo a reportagem apurou com oficiais generais que receberam o recado, a mensagem foi passada pelo ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva.
Bolsonaro havia citado a possibilidade da instalação de uma base dos EUA, país com o qual vem travando uma aproximação agressiva desde que foi eleito, durante entrevista ao SBT na semana passada. Seu chanceler, Ernesto Araújo, confirmou a intenção na sequência. Ela foi elogiada, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, pelo secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, que esteve na posse do presidente no dia 1º.
A declaração pegou os militares de surpresa, ainda mais vinda de um egresso das fileiras do Exército conhecido pela retórica nacionalista. O Alto Comando do Exército, centro de gravidade do poder militar brasileiro, expressou seu descontentamento em conversas de seus membros - os generais de quatro estrelas, topo da hierarquia. Azevedo e Silva, que foi do colegiado e hoje está na reserva, conversou com Bolsonaro.
Os EUA possuem mais de 800 bases em cerca de 80 países, mas nenhuma ativa na América do Sul. Estiveram presentes na Colômbia em acordo com o governo local, dando apoio ao combate às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Atuaram no Paraguai e, de 1999 a 2009, ocuparam uma base no Equador. No caso colombiano, há talvez mil militares americanos ainda em solo após o acordo de paz entre governo e Farc, em 2016. Mas o plano de estabelecimento de bases locais foi rejeitado pela Justiça do país.
No Brasil, a simples ideia de haver militares americanos instalados permanentemente causa urticária ao alto oficialato. O grau do desconforto, ou de alívio com o recuo, será aferível nesta terça (8): Bolsonaro estará em um almoço em homenagem ao comandante da Marinha.
A ideia da base contraria os princípios de soberania e busca de meios de autodefesa estabelecidos pela Política Nacional de Defesa e pela Estratégia Nacional de Defesa. Mesmo que prosperasse, ela precisaria de autorização do Congresso, após o presidente consultar o Conselho Nacional de Defesa. O Brasil só abrigou militares americanos durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1942, a ditadura de Getúlio Vargas cedeu áreas em Natal para operações aeronavais aliadas no Atlântico, em troca de favorecimento político e econômico.
Outra preocupação levantada pelos militares diz respeito a precedentes. A Rússia conversa há anos com a ditadura chavista da Venezuela sobre instalar uma base na costa caribenha do país, e poderia se sentir estimulada por um movimento do gênero do Brasil. De quebra, uma base russa cairia como uma luva para o acossado governo de Nicolás Maduro, cuja reeleição foi denunciada por Brasil e outros. A China, que vem comprando posições na exploração de commodities e na área de energia na região, também poderia buscar alguma parceria, trazendo elementos exógenos à tradição neutra da região.
A sugestão de Bolsonaro também causou preocupação na Força Aérea Brasileira, mediadora das negociações para o estabelecimento de um acordo com os americanos para o uso comercial da Base de Alcântara, que tem uma das melhores posições geográficas para lançamento de foguetes do mundo. O temor era que a discussão de uma outra base americana fosse levada ao Congresso, confundindo com o papel da base de foguetes, totalmente diverso, melando o acordo. Todo esse contexto leva à dúvida: como Bolsonaro deu curso à possibilidade?
Não existe certeza, mas o núcleo militar do governo, formado por generais da reserva em altos cargos, não havia sido ouvido sobre o caso. A reportagem ouviu de oficiais da ativa que as suspeitas todas recaem sobre o novo chanceler, que é um fã declarado do governo de Donald Trump e considera o presidente americano um líder no suposto embate entre os valores ocidentais e o globalismo.
Segundo a visão que esposou em artigos e em seu discurso de posse, o globalismo seria um ataque de raiz marxista a esses valores, e apenas a união de países de tradição cristã poderia enfrentá-lo. Isso casa com as ideias do escritor Olavo de Carvalho, que indicou Araújo. Como o fiador do chanceler no cargo é Eduardo Bolsonaro, deputado pelo PSL-SP e filho do presidente, os militares creem que a ideia emergiu por meio da influência familiar.
De uma forma ou de outra, assim como teve a decisão de subir impostos desmentida pela área econômica na sexta (4), Bolsonaro teve de recuar. E o fez numa área delicada, já que há um complicado equilíbrio entre os influentes militares de sua equipe e as Forças Armadas, que os apoiam, mas que temem politização de suas fileiras.