Ao menos 3,7 milhões de pessoas marcharam na França neste domingo para homenagear as vítimas dos atentados da semana passada, informou o Ministério do Interior do país. Dezenas de líderesm mundiais, inclusive estadistas muçulmanos, se juntaram à marcha.
Um porta-voz do ministério disse que de 1,2 milhão a 1,6 milhão de pessoas marcharam em Paris e cerca de 2,5 milhões de pessoas em outras cidades em todo o país.
O ministério disse que essa foi a maior manifestação popular já registrada no país.
O presidente François Hollande e líderes de Alemanha, Itália, Israel, Turquia, Grã-Bretanha e Palestina, entre outros, caminharam na Praça da República à frente de bandeiras francesas e de outros países.
Cartazes presos em uma estátua na praça dizia: "Pourquoi?" (Por quê?) e pequenos grupos cantavam "La Marseillaise".
Cerca de 2,2 mil policiais e soldados patrulhavam as ruas de Paris para proteger os manifestantes de eventuais ataques, com atiradores de elite da polícia sobre os telhados e detetives à paisana misturando-se à multidão. Esgotos da cidade foram revistados antes do evento e estações de trem em todo o percurso deverão ser fechadas.
A marcha silenciosa reflete o choque em relação ao pior ataque islâmico contra uma cidade europeia em nove anos. Para a França, levantou questões relacionadas à liberdade de expressão, de religião e sobre segurança, e para além das fronteiras francesas expôs a vulnerabilidade dos Estados a ataques urbanos.
Dois dos atiradores declararam ligação com a Al-Qaeda do Iêmen e um terceiro ao movimento Estado Islâmico.
"Paris é hoje a capital do mundo. O país inteiro irá se levantar e mostrar seu melhor lado", disse Hollande em comunicado.
Dezessete pessoas, incluindo jornalistas e policiais, perderam a vida em três dias de violência, que começaram com um ataque a tiros no jornal satírico Charlie Hebdo na quarta-feira e terminou com a tomada de reféns em um supermercado judaico na sexta-feira. Os três homens armados também foram mortos.
À noite, um cartaz iluminado no Arco do Triunfo dizia: "Paris est Charlie" (Paris é Charlie).
Horas antes da marcha, um vídeo foi divulgado com um homem parecido com o atirador morto no supermercado judaico. Ele alegou ter ligação com o grupo insurgente Estado Islâmico e pediu que os muçulmanos franceses sigam seu exemplo.
Vozes dissonantes
"Não vamos deixar um pequeno grupo de criminosos dominarem nossas vidas", disse Fanny Appelbaum, 75 anos, que disse ter perdido duas irmãs e um irmão no campo de concentração nazista de Auschwitz. "Hoje, somos um só."
Zakaria Moumni, um franco-marroquino de 34 anos envolto na bandeira francesa, concordou: "estou aqui para mostrar aos terroristas que eles não venceram -- estamos reunindo pessoas de todas as religiões."
Entre as muitas crianças presentes na marcha, Loris Peres, 12 anos, disse: "para mim, isto é prestar tributo aos nossos entes queridos, são como se fossem da família. Fizemos uma lição sobre isso na escola."
A chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, e o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, estavam entre os 44 líderes estrangeiros que marchavam com Hollande. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, -- que mais cedo encorajou os judeus franceses a emigrar a Israel -- e o presidente palestino, Mahmoud Abbas, também estavam presentes.
Imediatamente à esquerda de Hollande estava Merkel e, à sua direita, o presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita. A França enviou tropas para ajudar a combater rebeldes islâmicos no país.
Em uma rara demonstração de emoção de dois importantes líderes mundiais, as câmeras mostraram Hollande abrançando Merkel, que estava com os olhos fechados e a testa descansando na bochecha do presidente francês, no Palácio do Eliseu antes de iniciarem a marcha.
Depois que líderes mundiais deixaram a marcha, Hollande cumprimentou os sobreviventes do ataque ao Charlie Hebdo e suas famílias.
Enquanto houve ampla solidariedade às vítimas, houve também vozes dissonantes. As redes sociais francesas tiveram comentários dos que estão desconfortáveis com o slogan "Je suis Charlie", interpretado como uma defesa da liberdade de expressão a todo custo. Outros citaram a hipocrisia da participação na marcha de líderes políticos acusados de reprimir a mídia em seus países.
Doze pessoas morreram no ataque de quarta-feira contra o Charlie Hebdo, um jornal conhecido por satirizar religiões e políticos. Os atiradores, dois irmãos nascidos na França com origem argelina, atacaram a publicação devido a charges que ridicularizavam o profeta Maomé.
Os três atiradores foram mortos no que a mídia local chamou de "11 de setembro francês", em uma referência ao ataque contra as Torres Gêmeas nos Estados Unidos promovido em 2001 pela Al-Qaeda.
O líder da comunidade judaica francesa -- que reúne 550 mil pessoas, a maior da Europa --, Roger Cukierman, disse que Hollande prometeu que as escolas judaicas e sinagogas terão proteção extraordinária, pelo exército se for necessário, após os ataques.
A líder de extrema-direita Marine Le Pen, a qual os analistas preveem que terá impulso nas pesquisas eleitorais após os ataques, disse que seu partido anti-imigração foi excluído da marcha de Paris e que participaria de protestos regionais.
Na Alemanha, um protesto contra o racismo e a xenofobia no sábado levou dezenas de milhares de pessoas às ruas da cidade de Dresden, que se tornou o centro de protestos anti-imigração organizados por um novo movimento denominado Pegida.
O prédio do jornal Hamburger Morgenpost, que como muitos veículos republicou as charges do Charlie Hebdo, foi alvo de um incêndio criminoso e dois suspeitos foram presos, disse a polícia neste domingo.
Fontes turcas e francesas disseram que uma mulher procurada pela polícia francesa como suspeita dos ataques deixou a França alguns dias atrás antes do crime e deve estar na Síria.
A polícia francesa lançou uma busca intensiva por Hayat Boumeddiene, a namorada de 26 anos de um dos atiradores, descrevendo-a como "armada e perigosa".