Prestes a completar 57 anos no próximo dia 4, os últimos cinco deles vivendo atrás das grades em uma penitenciária da Região Metropolitana de Fortaleza, o ex-militar da Aeronáutica José Tadeu dos Santos confirma o que já foi dito pelas autoridades: "sim, sou arquivo vivo do tráfico internacional de drogas". Em entrevista exclusiva concedida ao Diário do Nordeste, o piloto contou detalhes de como entrou no 'ramo' de transporte de cargas ilegais a bordo de helicópteros e porque se tornou um dos nomes mais conhecidos no Brasil quando o assunto é navegar de forma 'invisível' em rotas ilícitas.
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A 'fama', segundo o próprio Santos, advém das habilidades de navegação que o tornaram um dos poucos pilotos brasileiros a fazer uso de helicópteros para transportar entorpecentes e um dos preferidos dos traficantes transnacionais. Voando a baixas altitudes para fugir dos radares e da mira das autoridades, Santos diz ter feito fortuna transportando cocaína do Paraguai até São Paulo para "figurões". No último serviço executado, o transporte de cerca de 200 quilos de pasta base de cocaína, em julho de 2012, do Mato Grosso para estados do Nordeste, acabou preso em uma operação conjunta das polícias Federal, Civil e Militar, em Picos, no Piauí.
Discurso articulado, gesticulando com as mãos algemadas e usando termos jurídicos, o paulista de São Bernardo do Campo, Tadeu dos Santos parecia estar à vontade ao contar sua história. Entrou na Força Aérea no fim da Ditadura Militar e depois trabalhou como funcionário de uma multinacional do ramo automotivo no Iraque, durante a guerra daquele país com o então rival Irã, nos anos 1980. "Pedi baixa aos 23 anos da Aeronáutica e fui para o Iraque. Passei cinco anos lá, onde casei com a minha primeira mulher", contou.
Nos anos 1990, de volta ao Brasil, ingressou no mercado de voo panorâmico de helicóptero em feiras agrícolas. Nesse período acabou preso pela primeira vez. Na versão contada por Santos durante a entrevista, um segurança dele tentou defendê-lo de um cliente irritado e acabou matando o homem com um tiro.
Homicídio e traficantes
No entanto, conforme o processo que tramitou na Justiça Federal em Minas Gerais, a história é diferente. Tadeu Santos e mais dois homens mataram o empresário José Cláudio Valério em um plano malsucedido, para tentar roubar um dos helicópteros da vítima.
O crime ocorreu no dia 21 de dezembro de 1999. O comparsa de Santos estava na parte de trás da aeronave e atirou no empresário, em pleno voo. Tadeu Santos tentou assumir o controle do helicóptero, mas o aparelho caiu. Ele e o comparsa ficaram feridos na queda, mas conseguiram fugir. Presos posteriormente, foram condenados. Santos foi sentenciado a 16 anos e cumpriu dez.
Na cadeia, usou seus conhecimentos de navegação aeronáutica e disse ter ensinado a traficantes internacionais de drogas como livrar dos radares aviões carregados de cocaína. "A gente navega, ilicitamente, numa altitude de 15, 20 metros do solo em helicópteros. O avião é obrigado a voar um pouco mais alto. É onde cai o avião", explicou. Depois de "ensinar" os truques aos traficantes, Santos saiu da cadeia e disse ter voltado ao mercado de voo panorâmico, mas não por muito tempo.
Ele contou que foi procurado em casa por dois homens com quem cumpriu pena. "Eles informaram que precisavam fazer uma navegação aérea do Paraguai para São Paulo, com drogas. Eu disse: 'não me complica a vida não'. Eles disseram que eu só precisava dar a rota pra eles. Compraram o bilhete, eu fui para o Paraguai e a pessoa me perguntou como era navegação, porque ele havia perdido dois aviões. Eu mostrei pra ele o caminho. Ele perguntou: 'você não faz essa navegação pra mim'. Eu disse que não. Ele voltou com uma sacola com R$ 250 mil. Para mostrar que não teria perigo nenhum me deu R$ 50 mil e disse que eu voltasse com o helicóptero para o Paraguai para tomar um café. No fim da semana peguei o helicóptero em São Paulo e fui na casa dele. Era uma pessoa muito rica e influente no Paraguai. Pousei dentro da casa dele. Ele disse: 'viu como é fácil?'. Era muito dinheiro e eu fiz essa navegação. Essa foi a primeira".
Ceará
Depois da primeira, vieram outras, que Tadeu Santos preferiu não dizer quantas. Até que, em 2012, disse ter recebido o convite para vir ao Ceará com um carregamento, que ele não sabia, inicialmente, que se tratava de cocaína. Porém, de acordo com o processo da Justiça Federal no Ceará, ele não só sabia, como liderou o transporte da droga até o Ceará. A cocaína entraria no Brasil, conforme a ação penal, por traficantes da cidade de Nova Bandeirantes, no Mato Grosso.
A droga veio da Bolívia em longarinas (partes do chassi) de caminhões até a cidade de Sinopi, no Mato Grosso. De lá, foi colocada no helicóptero de marca Hobson 44, prefixo PR-HDA e seguiu para Acopiara, no Ceará, parando em vários aeroportos para reabastecimento. Ele contratou o helicóptero e um piloto, mas esteve durante todo o voo com um GPS ordenando por onde iriam.
O que Tadeu Santos e os comparsas dele não sabiam era que a Polícia Federal já estava monitorando os passos de todos e esperando o momento certo para prendê-los. Condenado a 54 anos em dois processos nas esferas Federal e Estadual, Tadeu dos Santos garante que há nulidades nas ações.
Internacional
"Eu ainda estou movimentando o processo junto a instâncias superiores. Nós podemos concluir com riqueza de detalhes que se trata de Bis in Idem (dupla condenação). Porque eles estão me condenando no mesmo processo", destaca. Para Santos, não caberia ter sido julgado na Justiça Federal porque não há comprovação de que a droga veio de outro país.
No entanto, trecho da sentença mostra o contrário. "As provas que constam nos autos são no sentido de que José Tadeu dos Santos já estava integrado de forma permanente no esquema internacional de drogas, até porque tarefa tão importante de comandar todo o transporte de grande e valiosa quantidade de cocaína não seria atribuída a um amador qualquer, e sim a alguém experiente e de confiança que faça parte da associação. Deve ser ressaltado que no aparelho GPS de José Tadeu constam registros de várias passagens por região de fronteira e de outros países conhecidos como exportadores de cocaína", diz a decisão.
Além disso, constam nos autos que José Tadeu é integrante da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), o que ele nega veementemente. Interceptações telefônicas mostram o piloto conversando com integrantes do PCC, em Minas Gerais. Questionado pela reportagem se fazia parte do grupo, ele foi taxativo. "Não. Nunca fui. Não tenho essa intenção. Eu não tenho necessidade disso. Meu objetivo é outro".
Tadeu Santos reafirmou não ter medo de ser um arquivo vivo do tráfico. "Medo? Não. Medo do quê? De ser morto? Não. Eu penso assim: não tenho o direito de prejudicar a vida de ninguém e essa reciprocidade deve existir. Se eles fazem alguma coisa errada é problema deles. Eu fiz coisa errada na época", considerou.
Ele diz se arrepender de ter começado a fazer esse tipo de trabalho. "Não valeu a pena. Estamos falando de valores que chegam na casa de milhão. Ganhei, mas não vale a pena. Acabei preso e tudo vai embora num piscar de olhos", disse.
Sobre a vida no presídio, Tadeu Santos diz que cumpre a pena e respeita as normas, mas aguarda o resultado das apelações das duas condenações. "Eu vou brigar e lutar. O meu advogado (Danniel Ferreira) é capaz", afirmou.
O piloto finalizou se vangloriando da importância que tem para os traficantes, mesmo se dizendo arrependido. "Nós [pilotos de helicóptero] somos pessoas interessantes para eles, porque temos condições de pousar onde quiser. Fiz o trabalho, mas tenho família, filhos pequenos. Tinha uma vida invejável. Fazia o que queria e hoje isso tudo foi tomado. Vou sair e montar uma escola de voo e continuar trabalhando. Cresço trabalhando licitamente, não preciso do ilícito. Fez parte da minha vida. Acabou".