Mestres de grupo de capoeira são investigados por crimes sexuais contra dezenas de jovens no Ceará

As denúncias revelam a prática de crimes sexuais dentro do Grupo desde a década de 1970, passando de geração em geração

Mestres do grupo de capoeira Cordão de Ouro são investigados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) pela suspeita de cometerem crimes sexuais contra dezenas de jovens, no Ceará e em outros Estados. A informação foi revelada pela Agência Pública e confirmada pelo Diário do Nordeste.

A Associação de Capoeira Cordão de Ouro foi fundada em 1967, na Bahia, e se espalhou pelo Brasil e pelo mundo - tem sedes em 31 países, segundo o site oficial da Associação. As denúncias revelam a prática de crimes sexuais dentro do Grupo desde a década de 1970, passando de geração em geração. Um dos investigados é o fundador do Grupo, Reinaldo Ramos Suassuna, o mestre 'Suassuna', que repudia os crimes sexuais em nota publicada pela Associação, nas redes sociais.

Um homem, que prefere não se identificar, conta à reportagem que foi estuprado por outro mestre, Marcos Antônio Lopes de Souza, o 'Espirro Mirim', em Fortaleza, quando tinha apenas 12 anos. A reportagem não conseguiu localizar Marcos Antônio nem a defesa do mesmo, para comentar a acusação.

Eu fui para a casa dele no Henrique Jorge, era criança, inocente. Ele trancou todas as portas e me chamou para a cozinha. Disse que ia pintar minha calça e começou a me tocar. Eu fiquei em estado de choque, não tive reação.
Vítima de estupro
Identidade preservada

Ele afirma que tomou coragem para denunciar o caso somente depois de 'Espirro Mirim' ser flagrado em um vídeo se masturbando para um jovem dentro de um ônibus, em São Paulo, em 2019. Nunca contou o estupro que sofreu aos pais e continuou no grupo Cordão de Ouro até dois anos atrás. O homem relata ainda que chegou a tentar denunciar o episódio ao seu professor direto na capoeira, mas o mesmo disse que "o 'Espirro Mirim' é doido, deixa quieto". 

Tempos depois, ele sofreu assédio justamente do mestre 'Suassuna', que tentou pegar nas partes íntimas dele, durante um evento em Fortaleza. E, em outro espisódio, 'Espirro Mirim' voltou a tentar estuprar o adolescente, mas ele conseguiu escapar ao dizer que ia contar para a mãe dele.

Segundo a fonte, a prática de crimes sexuais no grupo de capoeira era recorrente. Para ganhar uniformes e outros presentes e para viajar e participar de eventos internacionais, em países como os Estados Unidos e Israel, junto do Grupo, os alunos tinham que se submeter a uma prática conhecida como "carimbar o passaporte" - que era ter relações sexuais com alguns mestres.

Ministério Público investiga as denúncias

A promotora de Justiça Joseana França, coordenadora do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (Nuavv), do MPCE, conta que o Núcleo acolheu as vítimas dos crimes sexuais ocorridos no grupo de capoeira Cordão de Ouro, desde o ano passado. Segundo a promotora, dezenas de alunos de capoeira foram vítimas dos mestres, inclusive pessoas que já se tornaram mestres, na hierarquia do Grupo

São histórias bem pesadas. À medida que um vai falando, os outros vão se sentindo mais à vontade. Essa questão, quando envolve o abuso sexual, é carregada de muita coisa: tem a vergonha, o fato de todas as vítimas serem meninos (do sexo masculino). A gente tem que tomar muito cuidado.
Joseana França
Promotora de Justiça

O Nuavv passou a investigação criminal para o Núcleo de Investigação Criminal (Nuinc), do Ministério Público. A reportagem apurou que ainda não há denúncia formal contra os mestres da capoeira, que são alvos de um Processo Investigatório Criminal (PIC).

Procurado pela reportagem, o promotor de Justiça Humberto Ibiapina, coordenador do Nuinc, respondeu apenas que "foi dado o devido tratamento das peças enviadas pelo Nuavv, como sempre é dado em casos dessa natureza". O investigador não pode fornecer mais detalhes sobre o caso, que tramita em segredo de Justiça.

Grupo de capoeira repudia crimes sexuais

A Associação de Capoeira Cordão de Ouro emitiu nota, assinada pelo mestre Suassuna, em que repudia os crimes sexuais que teriam sido cometidos por integrantes do Grupo e se coloca à disposição das autoridas para prestar esclarecimentos. A nota foi publicada na rede social Facebook, na última segunda-feira (30).

De antemão, mesmo sem conhecimento do referido processo que estaria ocorrendo em segredo de justiça, o Grupo repudia de forma veemente toda e qualquer prática relacionada à pedofilia e, no caso de eventual notificação, se coloca à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento.
Grupo Cordão de Ouro
Em nota

O Grupo garante ainda que suspendeu as atividades dos membros que foram citados nas denúncias. "O Grupo não se responsabiliza por quaisquer atos praticados por seus integrantes no âmbito pessoal e reitera que em caso de confirmação dos delitos, que a punição seja exemplar, independentemente de graduação ou hierarquia. Toda e qualquer denúncia deve ser devidamente investigada por autoridades competentes", conclui.

Confira a nota na íntegra: