Uma conversa entre duas pessoas acusadas de serem chefes de uma facção criminosa de origem carioca com atuação no Ceará revela o descontentamento com as atitudes de outras lideranças do bando. No documento obtido pela reportagem constam relatos dos investigados, posicionamento crítico sobre a atuação do conselho permanente da organização e observações raivosas sobre ações das lideranças. As mensagens, encontradas pela Polícia Civil em um celular apreendido e que teve o sigilo quebrado com autorização judicial, deixam claro também o clima de divisão na cúpula em um momento chave da disputa entre quadrilhas rivais. Um dos integrantes do conselho permanente, o alto escalão da organização, é chamado de “cobra” e “fuxiqueiro”. O diálogo foi travado em novembro de 2020 entre Almerinda Maria Barbosa Vieira, a “Irmã Ruiva”, apontada como uma das lideranças femininas da facção, e Fernando Lopes Barros, conhecido como ‘Fernando Bombado’ ou ‘Vei da Foice’, também integrante do grupo, conforme a Polícia Civil, e um dos chefes com forte atuação no interior do Estado. [render name="Leia mais" contentId="1.3224336"] ‘Irmã Ruiva’ e ‘Véi da Foice’ afirmam que Lucas Mendes Ferreira, o ‘Santa Rosa’, ‘Mano 2’, ou ‘Brutus’, uma das principais lideranças da facção, é muito amigo de ‘Gelso’, o Gelson Carnaúba’, outro líder da organização. No diálogo, a dupla afirma que Gelson usa ‘Brutus’ para crescer na hierarquia e exerce influência sobre ele. Eles dizem ainda na conversa que Gelson é “uma cobra” e “fuxiqueiro”. Por conta dessas atitudes, já teria sido, inclusive, afastado por um ano do conselho. ‘Irmã Ruiva’ chega a afirmar que isso “é uma vergonha, uma patifaria”. Após o desabafo, a mulher questiona qual o poder dos líderes em cobrar dos demais faccionados. [citacao tipo="aspas" autor="Almerinda Maria - 'Irmã Ruiva'" descricao="Acusada de liderar facção criminosa " ]“Os pilares desse jeito. Ainda querem cobrar errado em cima dos integrantes". [/citacao] Além das críticas dos dois insatisfeitos, existe ainda um ‘mea culpa’ sobre os rumos da facção, que teria sido feito por 'Brutus'. ‘Irmã Ruiva’ diz ter conversado com ‘Brutus’ e ele teria dito a ela que “havia muita coisa errada” no conselho geral da organização. Prisões Os diálogos e outras frentes da investigação da Polícia Civil resultaram na captura de vários chefes da quadrilha, entre eles 'Brutus','Irmã Ruiva' e 'Vei da Foice'. Irmã Ruiva foi capturada em novembro de 2020, no município de Jijoca de Jericoacoara, a 370 km de Fortaleza. Contra ela havia mandados de prisão por tráfico de drogas e por integrar uma organização criminosa. A mulher estava foragida e era oferecido um valor de R$ 5 mil por informações que ajudassem na captura. Segundo a Polícia, ela também seria responsável por ordenar dezenas de homicídios em Fortaleza. Com antecedentes criminais por crimes como roubo, adulteração de veículos, porte ilegal de arma de fogo e organização criminosaJá ‘Vei da Foice’ estava foragido, mas acabou localizado na cidade de Morrinhos, no Ceará, no dia 15 de fevereiro de 2021. Seis dias depois, Lucas, o ‘Brutus’, transitava pela avenida principal do Porto das Dunas, em Aquiraz, quando foi abordado e preso. Denunciado pelos promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) por associação criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico, Lucas foi condenado a 20 anos, cinco meses e 15 dias de prisão, neste mês. Disputa A retirada dos principais chefes das ruas fez as divergências crescerem e resultaram na saída de lideranças para formar grupos independentes, conhecidos como ‘Neutros’ e ‘Massa’. Essa cisão culminou em uma disputa sangrenta pelos pontos de venda de drogas em Fortaleza e em outros municípios. Em um salve divulgado nas redes sociais e em grupos de faccionados, a liderança da facção de origem carioca deu um "ultimato" para quem ainda mantinha conversas com integrantes de grupos rivais ou permitissem a presença deles nas áreas dominadas pela organização. No comunicado, quem desobedecesse a ordem pagaria com a vida. Após a retomada de territórios, os assassinatos começaram a crescer em muitos pontos nos quais a ordem para sair da área não era cumprida. Um desses episódios foi a chacina da Sapiranga. [render name="Chacina da Sapiranga" contentId="1.3174397"] A disputa entre pessoas que diziam fazer parte da Massa e os integrantes da facção de origem carioca se intensificou com o passar dos meses naquela área da cidade. Houve a ordem dos dissidentes para todas as lideranças do grupo rival e seus apoiadores saírem da região do Alagadiço Novo, Sapiranga e comunidades vizinhas, o que não ocorreu. O desfecho foi o trágico atentado fatal que deixou cinco mortos e dois feridos.